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A cultura luso-indígena brasileira



Em certas regiões brasileiras, a cultura luso-indígena é predominante no seio popular, até mesmo com profundas influências diretas e indiretas na cultura da classe dominante (afinal, mesmo em São Paulo, a classe dominante quinhentista e seiscentista tem lá o seu cadinho de sangue indígena). Por mais que a influência afro seja importante, por exemplo, em Salvador e no Recôncavo baiano, mesmo lá, a influência indígena na cultura lusitana baiana também está presente nos substratos mais básicos e anteriores, por baixo de camadas de influência afro. O mistério que esconde esta feição indígena de nossa cultura brasileira é que somos frutos de uma colonização europeia que incutiu em nossa alma nacional um sentimento de que tudo o que era indígena era "inferior," "atrasado", feio, "pobre" e "incivilizado." Portanto, a maioria dos brasileiros (mesmo os que têm inegavelmente a cara indígena ou cabocla) tende a negar sua genética cultural indígena e se ver como "branco" de ascendência europeia. Neste quesito, o fenômeno sociocultural da colonização nas estruturas interiores do caboclo/pardo é muito parecido com o mesmo fenômeno da cultura mulata/parda: tende-se a negar o lado mais moreno e afirmar o lado mais branco (não que não haja o lado branco europeu nos genes e na cultura destas pessoas).

Claro que, desde o século XX, cada vez mais, o Brasil vem assumindo seu lado não-europeu como importante parte de sua identidade sócio cultural, sem complexos de inferioridade; mas a luta contra os estereótipos racistas e inferiorizantes ainda é muito árdua, porque a dominação cultural colonizadora, mesmo depois de tantas décadas de descolonização, ainda é muito forte (iremos completar duzentos anos de independência de Portugal daqui a nove anos, mas, na cultura dominante de parcelas ponderáveis de nossas elites, a mentalidade colonizada ainda é muito forte). Entretanto, mesmo com todos os avanços promovidos pelos movimentos sociais de descolonização de nossa subjetividade (para além do espírito de dependência e subserviência "associada," como queria FHC, às nações do chamado "primeiro mundo," conceito tão arcaico neste século XXI), é preciso reconhecer que os movimentos negros são mais numerosos, fortes e organizados e, por isto mesmo, imprimiram um maior desenvolvimento da reflexão sobre a problemática do homem negro na sociedade brasileira. O próprio Gilberto Freyre, em sua obra, focou mais na contribuição do negro para a cultura mestiça brasileira, em detrimento do índio, quando, na verdade, em toda parte do país, mais em umas regiões do que em outras, mas igualmente impactante na fisionomia genético cultural do povo brasileiro, temos a presença indígena que não quer calar.

Por isto mesmo é que tenho me dedicado, no momento, mais à pesquisa de nossas raízes indígenas coloniais e mais à história dos muitos povos indígenas brasileiros sobreviventes ao processo colonizador truculento do que às raízes africanas (que eu venho estudando desde muito tempo e continuarei a estudar e me aprofundar neste estudo posteriormente). Sinto que esta área é mais negligenciada do que a área afro-brasileira. No entanto, os povos indígenas estão em nosso seio, muitos deles vivendo como viviam séculos atrás, com suas culturas e línguas preservadas, o que não podemos dizer dos africanos importados para o Brasil como escravos (a África que eles deixaram para trás já não existe como existia nos séculos coloniais e os povos originários passaram por profundas transformações, porque, é claro, a África não ficou parada no tempo e experimentou um profundo processo de urbanização e modernização).

Sonho com o dia em que os povos indígenas tenham sua presença mais pronunciada em nosso cotidiano. Os intelectuais negros marcam fortemente sua presença na sociedade brasileira atual, inclusive através das lutas sociais e políticas, mas ainda quero ver, cada vez mais, levas e mais levas de intelectuais indígenas marcando a vida cultural, social e política brasileira. Vejam bem, não estou dizendo que os intelectuais negros tenham o mesmo peso do que os intelectuais brancos nesta sociedade racista em que ainda vivemos, estou afirmando que os intelectuais negros vêm ganhando, cada vez mais, espaços na sociedade que eles mesmo vão abrindo, a despeito de todas as barreiras e discriminações (ou graças a elas mesmas, que servem como motivação de luta para os mais aguerridos e menos passivos diante do status quo). Os negros não são apenas importantes no futebol, ou no samba, são também muito importantes na universidade (Milton Santos que o diga) e nas artes (Milton Gonçalves que o diga). Isto também quer dizer que o que afirmo é que os intelectuais índios precisam ainda de maior apoio e maior solidariedade para se inserirem em nosso mundo acadêmico, artístico e intelectual de modo geral do mesmo modo que os intelectuais negros o vem fazendo antes deles.

Gostaria muito que, um dia, pudéssemos estudar nos livros de antropólogos índios a história indígena e a cultura dos povos originários, com a mesma profundidade de antropólogos como Darcy Ribeiro, Levi-Strauss etc. Creio que estamos perto disto, por causa da presença de intelectuais indígenas que estão se formando e construindo suas obras, mas anseio pelo momento em que veremos, ao lado das lideranças indígenas, os intelectuais orgânicos dos povos indígenas nos confrontos inevitáveis do processo cidadão de integração dos povos indígenas ao processo democrático da federação brasileira. Alberto Nasiasene Jaguariúna, 9 de junho de 2013.

Rota Mogiana de Alberto Nasiasene é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil.

Based on a work at www.rotamogiana.com.

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