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É preciso lutar pela construção de um Museu Indígena Brasileiro em Brasília



Um pequeno memorial dos povos indígenas, como o existente, em Brasília, é muito pouco para uma capital do porte que ela tem. Nossos índios não só merecem mais do que isto, mas exigem o mesmo respeito que o movimento negro impõem à sociedade brasileira, nas mesmas condições e com a mesma ênfase que a etnia luso africana, mais numerosa (nem por isto mais importante para a história e para a sociedade brasileira maior) do que as etnias indígenas brasileiras. É necessário ampliar os espaços institucionais museológicos e de pesquisa sobre os povos indígenas em plena terra que um dia já foi totalmente deles. Nós os destituímos de direitos ancestrais sobre todo o território brasileiro (e ainda há aqueles que pensam que eles não têm sequer direito a uma pequena parcela do território que era totalmente deles). Pior ainda, os destituímos do direito à memória e à co-existência respeitosa com nossa etnia (sem se submeter autodestrutivamente à nossa própria etnia e sem abandonar suas próprias identidades culturais tão importantes como a nossa, afinal, fomos nós quem invadimos um território que era deles e sem que eles nos convidassem). Por incrível que pareça, até hoje parece que eles é que tem que pedir permissão para continuarem existindo na terra que era deles e licença para reafirmarem seus próprios direitos. Por exemplo, o direito de possuir instâncias e espaços próprios na capital do país (pelo menos do mesmo modo que a etnia afro lusitana exige para si mesma, mas, é claro, esta etnia esteve e está muito mais integrada dentro da sociedade capitalista de classes que se constituiu no Brasil, mesmo que, predominantemente, como classe dominada; o que não é o caso dos índios sobreviventes em território nacional, que não estão integrados a esta sociedade de classes que não os quer enquanto índios e que não fala as mesmas línguas que eles falam, praticando os mesmos costumes ancestrais que eles ainda praticam).

Já faz tempo que prometi aos céus que iria dedicar o resto de minha vida à defesa dos povos indígenas brasileiros, inclusive porque também tenho sangue indígena correndo em minhas veias (uma de minhas dezesseis tataravós era índia, batizada como Florência Guimarães de Aquino, da nação potiguara, tribo Bultrim, um aldeamento católico, ou seja, catequético de missão, não sei qual delas, existente na Zona da Mata paraibana no século XIX; mas quase nada sei sobre ela a não ser isto e a maioria de meus parentes pela linhagem paterna nem isto sabe). Ou seja, como tantos outros da etnia luso brasileira dominante, mesmo que tenha também outras origens étnicas, tenho lá meu cadinho de sangue da família tupi-guarani também (muitas vezes penso que é a melhor parte que há em mim e me orgulho muito disto). Mas talvez não seja este fato que explique meu grande amor pelos povos indígenas brasileiros (não recebi em casa nada parecido com a reverência que mantenho para com os povos indígenas brasileiros, porque não era esta origem a mais valorizada, mas a origem portuguesa, judaica e europeia como acontece na maioria das famílias de classe média). O que explica melhor talvez seja o fato de que fui estudante de ciências sociais no então campus II da UFPB (hoje este campus se desmembrou da UFPB e se tornou a Universidade Federal de Campina Grande, mas eu não estudei nesta tal UFCG e sim na UFPB, entre 1980 a 1983) e queria me tornar, inicialmente, por causa da influência de Darcy Ribeiro, um antropólogo. Só não me tornei antropólogo por causa de um casal mineiro de antropólogos anti-Darcy Ribeiro que havia no então campus da UFPB em Campina Grande, pós graduados na UnB e adeptos do que chamavam então de "antropologia simbólica", e hoje se sabe que é a escola culturalista do Cliffort Geertz; pós moderna. Na verdade, a aversão total que desenvolvi para com o curso de antropologia existente dentro do bacharelado em ciências sociais (preferindo me concentrar nas "cadeiras," como chamavam as matérias na UFPB, de sociologia) se deveu mais à esposa do que ao marido (que, embora fosse o chefe de departamento da época, ou talvez por isto mesmo, nunca foi meu professor). Esta então jovem senhora era muito bruta comigo, quando eu fazia perguntas e questionamentos normais de jovem a respeito da obra e dos conceitos de Darcy Ribeiro (como eu soube que o título da dissertação de mestrado dela tinha a ver com "estratégias de criação de gado em Minas Gerais", de onde ela era originada, costumava dizer para os colegas de curso que ela era especialista em dar coices e patadas e que era uma "cavala" - vejam só, isto porque ela sequer ficava calma e normal ao ouvir falar do nome e da obra de Darcy Ribeiro). Pelo menos naquela época, não havia nenhum professor antropólogo com quem eu tivesse aulas e que fosse interessado nos povos indígenas brasileiros. O casal de antropólogos em questão, bem afinado com os tempos ideológicos da ditadura militar, estava mais interessando na antropologia americana do tal "simbolismo" do que em índios brasileiros. O certo é que eles não conseguiram matar meu grande amor pelos povos indígenas (mas me vacinaram contra antropólogos acadêmicos que estão mais interessados em manter seu feudo de poder acadêmico dentro das universidades do que em se aliar à luta dos povos indígenas).

Foto do filme Corumbiara

Aliás, aprendi que o Darcy Ribeiro é quem tinha razão contra esta gente, já que ele foi sim o maior antropólogo brasileiro do século XX (a despeito de todo o ódio deste tipo de antropólogo culturalista de direita em plena ditadura militar; só depois é que eu vim descobrir que o Geertz era bem afinado com os neoliberais e "neocons" da era Ronald Reagan, se fingindo de inocente, mas não deixando de comparecer às conferências, em diversas partes do mundo, como no Marrocos e na Indonésia, ao lado dos luminares da política neoliberal, daquele Cowboy americano, que trabalhou em Hollywood e do stablishment militar do período que antecedeu a Queda do Muro de Berlim (quando o Cowboy se referia à ex URSS como o "império do mal"). Penso que ela reagia a minhas falas nas aulas de introdução à antropologia como os professores de direita agem hoje face a seus alunos de esquerda mais inquietos e mais ingênuos em seus questionamentos (devem ficar muito irritados porque sabem que seus posicionamentos não sejam lá a verdade absoluta que supõem ser, mas, no fundo, sabem que não há certezas tão dogmáticas assim e que seus jovens alunos podem realmente ter parte da verdade).

O marechal Cândido Rondon era de origem Bororo e foi o grande estadista que está por trás da atual legislação indigenista na origem. Mesmo que ele tivesse sido um ingênuo positivista de carteirinha e catecismo, foi esta concepção equivocada dele numa escala natural de evolução espontânea dos povos em direção à "fase positiva da humanidade" que fez com que os povos da floresta e do cerrado, que ainda sobreviviam no início do século XX, pudessem ser deixados em paz em seu território e a partir daí, com a ajuda do grande antropólogo Darcy Ribeiro, o Serviço de Proteção aos Índios (criado pelo Marechal Cândido Rondon) vai se estruturando até se tornar a atual Funai. Hoje vivemos o momento histórico, grandemente impulsionado pelos irmãos Villas Boas, em que presenciamos os próprios índios assumindo não só a liderança de seus povos entre os nacionais da etnia luso brasileira maior, mas penetrando, como negociadores e representantes, no próprio parlamento da grande aldeia Brasília, da nação brasileira, para parlamentar e deliberar com os outros caciques luso brasileiros sobre seus destinos na terra de Pindorama.

Do mesmo modo que há o projeto de construção, em Brasília, do Museu Afro brasileiro, é preciso que se lute também por um projeto equivalente de Museu Indígena Brasileiro. Por mais que seja importante a contribuição dos povos africanos para nossa história, de modo algum poderemos pensar que a contribuição dos inúmeros povos indígenas para nossa etnia luso brasileira tenha sido menor. Ao contrário, até os povos negros importados como escravos para este lado do Atlântico assimilaram dentro de sua própria matriz cultural africana, amalgamados, muitos elementos que são de natureza indígena. Não só na alimentação, mas até na religião, tida como afro brasileira, é perfeitamente possível ser detectada a presença marcante até das tradições religiosas de origem indígena (e não estou falando somente das entidades chamadas de "caboclos" e "caboclas" mas também da adaptação das próprias oferendas alimentícias que antes eram constituídas de sorgo, substituídas pelo milho, elemento vegetal e alimentar claramente de origem indígena e não africana).

Há um movimento social organizado dos próprios povos indígenas brasileiros, com suas próprias lideranças, mas este movimento não tem a mesma divulgação e peso na opinião pública que o movimento negro (se depender de mim, teria). Um dos fatores que podem explicar isto é que a população indígena, atualmente, no país, é bem menor do que a população negra e mulata. Ou seja, se levarmos em consideração que, por baixo, a população negra e mulata brasileira seja composta de 40% do total da população do país (excetuando-se os pardos-mamelucos, mestiços de índios com brancos que muitas vezes são confundidos com os pardos-mulatos numa mesma rubrica estatística que deve ser distinguida), poderemos estimar que há pelo menos 80 milhões de negros e mulatos na população brasileira. Comparando-se aos números oficiais da população indígena atual, que não chega a um milhão, é perfeitamente possível perceber porque os movimentos sociais indígenas não têm o mesmo peso que o movimento negro (mas se, cada vez mais, setores e mais setores da população parda-cabocla começaram a se auto identificar como descendentes de índios com orgulho de si mesmos e suas raízes, estes números começarão a ser contrabalançados). Mas é um erro pensar que não haja uma articulação consistente entre estes movimentos indígenas, com seus aliados não indígenas e simpatizantes mamelucos assumidos enquanto tais, e que este movimento não tenha lideranças modernas que se inserem cotidianamente até no Congresso Nacional. Talvez o que precisemos, como objetivos estratégicos a serem alcançados no médio e longo prazo, seja a criação de uma comissão permanente, dirigida por lideranças indígenas, no Congresso Nacional, que represente os interesses dos povos indígenas no parlamento e tenha a legitimidade e representatividade de falar, dentro de um dos poderes da República, em nome dos povos indígenas (assim como cada estado brasileiro tem três representantes que estão no senado para representar os interesses gerais de seus estados, poderíamos ter representantes indígenas também, pelo menos no senado federal, representando os diversos povos indígenas brasileiros). Estados (antigos territórios federais) que sequer possuem um milhão de habitantes, possuem três senadores que os representam, por que os povos indígenas não têm representação equivalente (o Amapá possui 734 995 habitantes; Roraima 488 072 habitantes; Acre 776 463 habitantes)? A representação oficial e genérica dos estados nos quais há numerosas populações indígenas não representa os interesses específicos dos povos indígenas face à união federativa (mas os interesses da etnia dominante luso brasileira). Portanto, este item deve entrar na pauta de pensamento e reivindicações dos movimentos índios que não devem fazer sua pressão sobre o parlamento brasileiro sempre externamente, mas de dentro da própria instituição (afinal, são os povos originários da terra).

Como vemos aqui embaixo, no quadro em que se faz a comparação da população indígena, com dados do IBGE, a população indígena total é maior do que os estados do Acre, Roraima e Amapá (além disso, dentro das populações destes estados, os índios também são contados, de modo que a população não índia destes estados é menor do que a população oficial geral que aparece nos dados oficiais destes estados).

Claro que há muitos museus e memoriais sobre a cultura e sobre a história indígena espalhados pelo país como um todo, mas ainda precisamos de algo semelhante ao planejado Museu Afro brasileiro em Brasília. Mesmo que haja em Brasília, perto do Memorial JK, um pequeno museu sobre a cultura indígena, ele ainda é insuficiente para dar conta da preservação de toda a memória dos mais de 1 000 povos indígenas existentes em nosso país, quando Cabral aportou em Porto Seguro, em 1 500. Além disso, a história destes povos indígenas, os donos originais de todo este enorme território que chamamos hoje de Brasil, remonta a milênios seguidos e não pode ser confundida apenas com os últimos 500 anos. Portanto, há um desequilíbrio de foco historiográfico e museológico aqui que precisa ser equilibrado face às outras origens étnicas da nação brasileira (a africana e a lusitana).

O design brasileiro já é conhecido mundialmente e isto se deve à própria emergência da Semana de Arte Moderna de 1922. Nossos artistas modernos assumiram desavergonhadamente a tropicalidade antropofágica de nossas raízes culturais e começaram a incorporar os padrões estéticos das raízes populares, indígenas e africanas de nossa gente, fazendo novas leituras destes padrões e traduzindo-os na linguagem erudita e industrial para uma sociedade industrial. Os exemplos que inseri acima são só uma pequena amostra de um design industrial que tem como fonte os padrões geométricos presentes nas diversas culturas indígenas brasileiras. Estes padrões indígenas ajudam a agregar valor não só às mercadorias, em si mesmas, mas a um conceito mais abstrato ainda, o conceito de design, que é, em si mesmo, um produto, mesmo que de origem mais imaterial (porque afeito à criatividade cultural de artistas e povos) que pode e deve ser exportado para o mundo como fonte de riquezas.

Um país desenvolvido não é só um país sem miséria, é também um país que sabe preservar a memória de seu próprio povo (na verdade, a memória dos povos que lhe deram origem e que ainda existem dentro de seu território). Não é só uma questão de memória afetiva e de auto identidade cultural de nossa etnia luso brasileira em geral, mas também uma questão estratégica para o próprio desenvolvimento sustentável de nossa economia. Isto é, as culturas indígenas e seus saberes ainda existentes são uma riquíssima fonte de potenciais econômicos muito mal dimensionadas em todos os setores da própria economia brasileira de modo geral. Por exemplo, como já falamos em outras postagens aqui no site, não só novos produtos farmacêuticos podem ser desenvolvidos com a incorporação séria do saber etno botânico dos nossos povos indígenas (impedindo a biopirataria de multinacionais que roubam de nossos povos indígenas saberes específicos mantidos por eles durante milênios, para depois patentearem princípios ativos que serão vendidos caro para nosso próprio país, como importações de remédios e outros produtos farmacêuticos; eles é que deveriam pagar royalties para nossos povos indígenas e para a nação brasileira), mas o próprio design industrial de vários segmentos da indústria brasileira podem e devem usar os padrões culturais estéticos riquíssimos e belíssimos de nossos povos indígenas, valorizando o produto brasileiro com um valor agregado de natureza estética (como a Itália faz com sua própria cultura ancestral, tão eficientemente, ao ponto do design italiano ser considerado um dos melhores do mundo).

A cerâmica indígena brasileira é uma das mais refinadas e elaboradas do mundo, comparável sim à cerâmica da antiguidade clássica, mas ainda não recebe a valorização que lhe é devida. Tivemos povos, que foram destruídos, inclusive, por causa do contato predador do europeu, na bacia do Amazonas, que geraram um riquíssimo patrimônio cerâmico que ainda hoje é encontrado em escavações arqueológicas. Parte pequeníssima deste acervo, felizmente, encontra-se preservada em museus, mas o Museu dos Povos Indígenas Brasileiros em Brasília seria um local apropriado para receber mais deste tipo de material precioso encontrado nos próximos anos de escavações arqueológicas. Serviria também para o estudo e para a divulgação desta cultura material específica dos povos indígenas para o país como um todo.

Talvez seja por isto mesmo que não querem, os concorrentes de fora de nosso país, que atinjamos este nível de entendimento e de integração intra étnica entre nós mesmos aqui em nosso Brasil, já que sabem das possibilidades infinitas de desenvolvimento de nossa industriosa economia para além da mera exportação de commodities e para além da importação até dos padrões de consumo americanizados (como nos Mac Donnald's da vida). Já pensaram que perigo representamos para nossos concorrentes quando começarmos a exportar de forma mais agressiva nosso próprio design?... Que diriam os fast foods americanos ao terem que concorrer com fast foods de comida brasileira (tais como as tapiocas e os diversos tipos de petiscos que os índios ensinaram aos portugueses comerem e que fazem de nossa culinária tão rica e tão complexa, juntando a contribuição portuguesa, com a indígena e africana)? Claro, eles tudo farão para não terem este tipo de concorrência até na alta culinária (e na culinária de lanchonete de fast food). Mas não é só na culinária que os povos indígenas brasileiros podem e têm contribuído. Na moda tropical brasileira também (sem falar na nossa arte popular e erudita, é claro, porque este seria todo um capítulo extenso à parte).

Sei que o design das culturas indígenas brasileiras é tido, geralmente, por preconceito mesmo, como um dos elementos da selvageria de nossos povos, mas, em tempos de valorização do ecológico e do desenvolvimento sustentável, é claro que não podemos esquecer esta rica fonte de riquezas estéticas que podem ser melhor aproveitadas pela arte dos adereços femininos que dão um toque muito especial a nossas mulheres luso brasileiras, distinguindo-as do resto das mulheres ocidentais com uma pitada diferente e bela de tropicalidade alegre e bela.

É preciso ter o Museu dos Povos Indígenas Brasileiros em Brasília, por inúmeras razões, tanto porque é a capital do país, onde estão todas as embaixadas, todos os órgãos públicos federais, mas também porque Brasília está bem no centro do território brasileiro, mais perto da Amazônia do que o eixo São Paulo, Rio, Minas (e muito mais perto do que o Sul do país). Além disso, como sede das instituições federais e do governo federal, com todas as suas instâncias administrativas, de planejamento e controle, é ali mesmo que deve estar um centro museológico de pesquisas permanentes tanto sobre a história indígena dos povos ameríndios brasileiros, quanto da cultura dos diversos povos ainda existentes em nosso território (além de tudo a Funai está lá).


Bem ou mal que seja, a lei que obriga o ensino da história e da cultura dos povos indígenas e africanos é um grande avanço, mas é claro que ela ainda mal saiu do papel. Um Museu dos Povos Indígenas em Brasília, ao lado do Museu Afro Brasileiro, contribuiria sobremaneira com a difusão do saber mais consistente sobre a história e cultura dos povos indígenas brasileiros, por meio do próprio sistema escolar, de modo que, de geração em geração, chegaremos ao dia em que o povo brasileiro, de modo geral, irá interiorizar como sua a história destes povos e se sentirá também um povo tão rico com uma história milenar contínua como os povos asiáticos (a China, a Coreia e o Japão por exemplo, em seus livros escolares, ensinam para as suas crianças e jovens, uma história contínua de pelo menos cinco mil anos).

Um Museu dos Povos Indígenas Brasileiros dever ser não somente um grande difusor do conhecimento da história dos povos indígenas, desde remotas eras, mas também um importante centro de pesquisa permanente que possa informar e formar a sociedade brasileira não só sobre a história e tradições dos diversos povos indígenas brasileiros (preservando todo este riquíssimo patrimônio para as futuras gerações), mas também sobre as políticas indigenistas, as pesquisas antropológicas, as pesquisas diversas promovidas pelos próprios povos indígenas (inclusive as pesquisas sobre o patrimônio etnobotânico, etno zoológico, etno climático, enfim, patrimônio etno científico geral que os próprios povos indígenas desenvolveram aos longo de milênios e como local centralizado, bem ao lado do centro das decisões do governo, e forma irradiadora de contribuir com a sociedade brasileira maior da etnia luso brasileira dominante, através do diálogo respeitoso e das trocas culturais que evitem ao máximo o etnocentrismo de base europeia).

O índio não precisa deixar de ser índio para ser um brasileiro moderno como nós. O índio precisa é de seu espaço institucional em sua própria terra, porque, afinal, bem ou mal que tenha sido tratado nestes últimos quinhentos anos de sua e nossa história, foram eles que nos receberam em sua terra e nos ensinaram a amá-la, a conhecê-la, a aproveitar os frutos de sua natureza. O que exigem de nós é que os tratemos com o mesmo respeito e a mesma dignidade que tratamos os diversos imigrantes europeus que vieram para cá depois dos portugueses (como os italianos, os espanhóis, os alemães, os ucranianos, os japoneses, os judeus ashquenazins, os de língua árabe etc.). Afinal, eles não imigraram para cá, porque eram os donos desta terra e já estavam por aqui há pelo menos 50 000 anos atrás. Nós é quem lhes tomamos as terras (e pedimos emprestado pelo menos 40 000 vocábulos de suas línguas no português falado no Brasil; além de inúmeros alimentos e técnicas de construir, caçar, pescar, conhecer a floresta; mesmo que incompletamente; que tal deixá-los ensinar o resto de sua cultura, na verdade, a maior parte dela que foi desprezada pelos portugueses, para que eles nos ajudem a nos tornar mais ricos ainda, preservando melhor nosso meio ambiente?...).

De certo modo, mesmo que no inconsciente coletivo das cariocas, a herança indígena está lá, concorrendo com a africana. Não por acaso, no carnaval, as fantasias dos chamados destaques (modelos femininos belíssimos, muitas vezes semi nuas, como as índias) são cobertos de plumagens belíssimas. É nossa herança indígena que teima em não desaparecer ali mesmo onde predomina uma forte herança africana. Afinal, se o samba não é herança indígena, as plumagens sim (e certas batidas com os pés e certo gingado das danças indígenas no centro da aldeia). É bom não esquecer que o próprio nome "carioca" é tupi-guarani.

Ora, se já temos inúmeras universidades, cursos de antropologia e museus indígenas que, teoricamente, deveriam cuidar da pesquisa e preservação do patrimônio indígena, por que ter mais um museu em Brasília como este que defendemos aqui? Por inúmeros motivos, porque as universidades não dão conta (por inúmeros motivos que não vem ao caso citar), sozinhas, de desempenhar o papel que lhes caberia, muito menos os cursos de antropologia (inclusive porque muitos deles sequer dão atenção especial aos nossos povos indígenas, muito menos estão preocupados em cuidar da preservação deste patrimônio, já que têm outros focos de pesquisa). Além disso, um museu deste porte que propomos (reunindo o que já existe e ampliando o seu espectro) deve contar necessariamente com as lideranças indígenas em sua administração, pelo menos como conselho consultor, porque, afinal, trata-se da cultura indígena e ninguém tem mais autoridade para falar sobre os povos indígenas do que os próprios povos indígenas (inclusive porque muitos deles têm se formado como antropólogos, como historiadores, como economistas, como advogados, professores etc.). Ou seja, os povos indígenas precisam de um amplo espaço, em uma instituição de porte, em Brasília, capital do país, que dê suporte à pesquisa específica e aprofundada sobre a história indígena e sobre as atualidades das sociedades indígenas sobreviventes, mas também que seja uma grande caixa de ressonância de toda esta produção séria para o restante da sociedade brasileira.

Posso parecer delirante, mas não custa sonhar, dentro do universo concreto que já existe, e, ao perceber o que a comunidade de afro descendentes brasileiros já está fazendo com relação ao Museu Afro Brasileiro, não é tão fantasioso assim inserir esta reivindicação na pauta dos próprios movimentos sociais indígenas e indigenistas.

Alberto Nasiasene

Jaguariúna, 8 de março de 2014

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