O inhame popular do Nordeste não é o mesmo inhame que se come no centro-sul
Uma das maiores contribuições dos povos indígenas brasileiros para nossa culinária nacional foi a mandioca, mas, junto com ela, em várias partes do país, come-se também um alimento muito popular, porque abundante e barato, o inhame. Entretanto, há uma grande confusão a respeito do que vem a ser inhame, como era de se esperar em um país de dimensões quase continentais. No sul, há uma imensa variedade de inhames que ficou ainda mais complexa com a introdução, via imigração japonesa, de outras espécies que também são chamadas popularmente de "inhame". Portanto, sempre disse, para meus amigos paulistas, que eles não conhecem inhame, pelo menos não o "inhame" que está em minha mente, que é o inhame da Paraíba, como vemos acima. Aqui, o que eles chamam de "inhame", em mim, produz uma grande estranheza, porque não é isto que conheço como inhame e penso que a espécie de inhame que eles conhecem e comem (muito raramente, preciso advertir) é algo de muito pequeno e cheio de fiapos que é uma afronta para minhas lembranças fartas de uma comida muito popular e abundante na Paraíba, pelo menos na Zona da Mata.
Acima vemos o inhame que se come na costa leste do Nordeste, ou seja, na Zona da Mata. É um tubérculo que lembra a mandioca e a batata. Pelo tamanho podemos comparar com o taro, que é menor (mas com as folhas maiores, também chamadas de "orelhas de elefante"). O inhame que se vê acima tem uma folhagem que lembra a de uma batata e precisa ser estacada para que cresça sem se embaraçar, ao contrário do taro que não precisa de estacagem nenhuma. Imagens obtidas pelo Google.
O império colonial português abrangia todos os continentes, é preciso não esquecer (os dois lados do Atlântico Sul, a Índia, a Indonésia e a China). No início do século XVI, o Atlântico Sul nem era o principal interesse dos portugueses. O principal interesse estava na Ásia, especialmente na atual Índia (Goa) e China (Macau). Também havia muito interesse no arquipélago que chamamos hoje de Indonésia (a partir da feitoria do Timor). Portanto, não por acaso muitas das espécies vegetais (tanto alimentícias, quanto decorativas) que há no Brasil vieram da Ásia desde muito cedo na história colonial. A própria cana que deu início à exploração comercial agrícola do Brasil, a partir da década de 1530, veio, na origem, da Índia (mas os portugueses já tinham contato com ela por meio da ocupação muçulmana da península ibérica desde muito cedo em sua história nacional). A manga, por exemplo, tão popular no Brasil ao ponto das pessoas pensarem que é uma fruta autenticamente brasileira, é originada da Índia. Foram tantas as espécies introduzidas pelos portugueses, via navegação, que até hoje é muito difícil para o brasileiro comum entender que nem tudo que está plantado ao seu redor é típico da natureza brasileira e que, na verdade, algumas espécies que foram introduzidas pelo homem europeu são invasoras que causam graves desequilíbrios ecológicos sobre áreas que antes eram ocupadas pelos biomas brasileiros originários.
A abundância do inhame na Zona da Mata é tamanha que torna este um dos alimentos mais populares, porque barato, na mesa do nordestino. Geralmente, ele é comido à noite (ou no café da manhã), com ovos, carne seca ou outro tipo de carne. Ele substitui a mandioca, que também é muito consumida. A diferença face à mandioca (que lá eles chamam de macaxeira) é que ela está presente em todo o território nacional, enquanto este tipo de inhame está presente somente na culinária nordestina como alimento cotidiano e popular. Imagens colhidas no Google.
Como estamos falando de séculos de colonização e introjeção, na mentalidade popular, pela cultura luso-tropical, de conceitos de natureza humanizada, é claro que não temos ilusões de que basta falar e divulgar, cada vez mais, sobre a importância de restaurar o equilíbrio ecológico estrutural original dos principais biomas brasileiros (tanto quanto isto seja possível, é claro) para que a realidade antrópica de desequilíbrio causado pelo ser humano no Brasil seja transformada automática e mecanicamente. Ao contrário, como educador social, não creio que a informação, somente, cause uma transformação social por si mesma. Não causa. É necessário um programa constante de educação ambiental que tenha um sólido conhecimento das dimensões botânicas e históricas, além das sócio-pedagógicas, para que as leis modernas editadas desde o final do século XX possam sair do papel e transformar a realidade socioambiental de nosso país não somente a partir de discursos falados e escritos, mas de ações concretas que vão muito além da palavra e da informação. Com isto não estou a dizer que devemos eliminar de nossa agricultura todas as espécies importadas, tais como o inhame (seja lá de que tipo for). Não poderemos deixar de comer o que comememos, até porque seria um desastre para nossos biomas se começássemos a comer somente o que os índios comiam antes do século XVI (a atual população brasileira é muito grande para ser alimentada).
O taro, que também serve para decorar jardins. Na verdade, eu nem sabia, até pouco tempo atrás, que era possível comer a raiz desta planta, porque pensava que ela era somente decorativa. Entretanto, não é isto que me acostumei chamar de inhame e ainda sinto graça ao ouvir que os paulistas chamam a isto de "inhame". A diferença é que este alimento, por aqui, não é abundante e não é tão barato quanto a mandioca e, portanto, não é um alimento cotidiano e popular como é o inhame do litoral nordestino. Imagens do Google.
Sem ter a consciência de que o arroz, que faz a dobradinha tradicional da culinária brasileira com o feijão, veio da Ásia, trazido pelos portugueses (e pelos árabes na Península Ibérica) e o feijão, a mandioca, o milho, o maracujá, a goiaba, a jabuticaba e muitos outros alimentos, que depois irei alistando, vieram da tradição culinária indígena, que foi misturada com a tradição culinária portuguesa (cenoura, coentro, salsa, cominho, pimenta do reino, repolho, nabo, couve, vagem, trigo, leite e outros alimentos); não poderemos avançar nas alternativas de agricultura ecológica. É necessário saber a origem e a relação destes alimentos com o meio ambiente original dos biomas brasileiros, para evitar desastres ecológicos. Os portugueses também introduziram dois alimentos bem populares hoje em dia, que vieram dos índios colonizados pelos espanhóis, a batata (dos Andes) e o tomate (do México). Os africanos também introduziram o dendê e outras espécies que vieram se juntar a esta mistura já ampla causada pela colonização portuguesa. Só no final do século XIX e início do século XX, com novas correntes imigratórias, outros alimentos foram introduzidos tanto na agricultura quanto no prato do brasileiro.
Uma plantação de inhame nordestino. Há quilômetros deste tipo de plantação que é possível ser avistada quando se viaja do litoral para o interior. Na Paraíba, é na região dos tabuleiros que se planta mais intensivamente este tipo de alimento. Como é possível ver, é uma plantação que dá mais trabalho do que a plantação do taro, porque é preciso fazer uma estaca para cada inhame plantado em eiras. Entretanto, como se planta em grande quantidade, o preço final para o consumidor é menor do que o taro aqui em São Paulo. Imagens do Google.
Não posso afirmar, peremptoriamente, até o momento, de onde é originado o inhame que se come na Zona da Mata Nordestina, mas posso aventar a hipótese, transitória, de que ele pode ter sido introduzido pelos portugueses como importação da Ásia, assim como a banana da terra e a batata doce (ou pelo menos certas variedades de batata doce). Os portugueses levaram a mandioca, o fumo e o milho do Brasil para suas colônias da África e podem também ter introduzido por lá este tipo de inhame que se come no Brasil (portanto, o inhame até pode ter vindo diretamente da África, mas sendo originado da Indonésia e Melanésia; afinal, como se sabe, Madagasgar tem grande influência da cultura polinésia bem antes da chegada dos europeus). É importante, portanto, não esquecer que o império português também estava estabelecido no que hoje chamamos de Indonésia (ainda hoje há um pequeno país, recém independente, chamado Timor Lorosae, que fala o português como língua oficial, em meio à Indonésia muçulmana). Nas ilhas mais orientais do arquipélado indonésio, os povos melanésios ainda hoje estão cultivando suas tradições milenares. A parte mais oriental da ilha da Nova Guiné (que não tem nada que ver com a Guiné Bissau de língua portuguesa, que fica na África), ao norte da Austrália, é um país independente chamado de Papula Nova Guiné (provavelmente foram os portugueses que apelidaram esta ilha de "nova" Guiné, por causa da semelhança da cor da pele destes povos face aos povos do Golfo da Guiné já conhecidos pelos navegadores portugueses desde o final da Idade Média). Destas ilhas que ficam entre a Ásia e a Austrália, vinham especiarias muito cobiçadas pelos portugueses, como a noz moscada e houve uma acirrada disputa entre Portugal e Espanha sobre o limite oriental do Tratado de Tordesilhas (em torno das disputadas ilhas Molucas, que os portugueses achavam que pertencia a eles e os espanhois a eles). A Espanha ganhou o "direito" internacional de dominar as ilhas Filipinas (o nome daquele arquipélago é uma homenagem ao rei Filipe II de Espanha).
Na Nova Guiné, os povos originários plantam inhame, banana da terra e batata doce, fontes de carboidratos principal na alimentação. As estruturas estreitas feitas de madeira e cobertas de palha são os silos onde são guardados os estoques de inhame. As fotos em preto e branco são do acervo de Malinowski.
Penso que não há muito sentido em continuar reproduzindo árvores exóticas (ou seja, espécies importadas de outros biomas que não os brasileiros), indiscriminadamente, na paisagem urbana e rural brasileira, em detrimento das espécies nativas da Mata Atlântica, por exemplo. Por mais que um flamboyant de Madagascar seja uma árvore bonita, há inúmeras espécies de ipês nativos que são até mais bonitos do que esta espécie africana adequada a um bioma que não é o da Mata Atlântica, por exemplo. Portanto, uma educação ambiental que não passe pela valorização das inúmeras espécies de árvores existentes no Brasil (o nosso país tem uma das mais amplas variedades de espécies arbóreas do planeta, ainda muito pouco conhecidas pela imensa maioria da população que precisamos valorizar muito mais), não é educação ambiental com conteúdo ecológico propriamente dito. Sei que muitos confundem meio ambiente apenas com lixo e qualidade do ar, mas um conceito mais abrangente vai além das questões de dejetos urbanos no solo, nas águas e no ar, porque inclui também as questões botânicas relativas aos biomas originários de nosso país. É um disparate pensar que reflorestamento é igual a plantação de eucaliptos ou pinus (porque estas espécies não são originadas de nenhum de nossos biomas). Até porque reflorestar significa trazer de volta a floresta original, tanto quanto isto seja possível, para o lugar que ela já ocupava antes do desmatamento e uma plantação de eucalipto, além de ser uma espécie que vem da Austrália (e, portanto, muito adequada ao meio ambiente australiano, mas não ao nosso), já começa agredindo a diversidade biológica imensa que há em uma floresta tropical.
Este aqui é outro tipo de "inhame", o inhame indiano, mais raro de se encontrar no Brasil. De modo algum este é um tipo de alimento popular como é o inhame do Nordeste.Aliás, na Zona da Mata nordestina, o inhame não é chamado de "cará", mas de inhame mesmo. Imagem obtida pelo Google.
O triste deserto verde de eucaliptos. Na verdade, uma plantação de eucaliptos que nada tem que ver com agricultura e com reflorestamento. Espero que a área destinada a este tipo de plantio, no decorrer deste século, vá diminuindo, aos poucos, com a recomposição da verdadeira floresta tropical atlântica que havia antes. Imagem obtida no Google.
Este é um dos sistemas alternativos de agricultura orgânica. As hortas são feitas em forma de mandalas. O problema maior ainda é o preço que permanece muito caro para o cidadão comum. No dia em que este tipo de agricultura orgânica passar a ganhar escala e os preços começarem a cair, facilmente os alimentos produzidos por este tipo de agricultura orgânica deixarão de ocupar o nicho de classe média mais esclarecida que ocupa hoje.
A agricultura florestal é outro tipo de agricultura orgânica alternativa que convive mais harmonicamente com o meio ambiente e aproveita as lições milenares da própria natureza para melhorar a produtividade, sem a necessidade de emprego de agrotóxicos. A floresta tem uma sabedoria que foi desenvolvida ao longo da evolução e da adaptação ao clima e meio ambiente que a agricultura industrial não consegue reproduzir, porque quebra toda a cadeia de desenvolvimento natural e relacionamento entre espécies diferentes existente em um sistema florestal.
Mas não sou um pessimista, creio que iremos recuperar grande parte de nossa floresta atlântica e o papel desempenhado pelas plantações de eucalipto será menos nocivo à biodiversidade de nossos biomas (que se corte este tipo de madeira para diversos fins é melhor do que se derrube uma floresta autêntica). Há alternativas para a agricultura em grande escala que são mais adequadas ao equilíbrio ecológico do meio ambiente brasileiro em geral. Ou seja, não só a agricultura orgânica, sem agrotóxicos, mas novos métodos de plantio, como a agricultura florestal, e novas espécies de nossa própria flora que mal conhecemos ainda, podem ser cultivadas, mesmo que não descartemos tanto as espécies exóticas que comemos, quanto a agricultura comercial em larga escala. Além disso, neste novo século, novos métodos de agricultura podem surgir e se desenvolver até em prédios de vários andares, dentro de uma cidade como São Paulo, como é possível ver através de novos estudos. Se as terras agricultáveis forem diminuídas pelo aumento da produtividade e pela adoção de novas técnicas urbanas de agricultura (pelo menos no que toca ao produtos hortigranjeiros) e pecuária, os biomas originais podem tomar um maior fôlego e, com isto, as questões ambientais planetárias irão melhorar, com a redução de CO2 na atmosfera e a diminuição de agrotóxicos no solo e nas águas. Alberto Nasiasene Jaguariúna, 12 de fevereiro de 2013
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