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As orquídeas da Mata Atlântica como riqueza ainda mal dimensionada



Vem do período colonial, não por causa dos índios, mas por causa da mentalidade colonizada ignorante dos colonos portugueses (e quero esclarecer que não porque fossem portugueses, porque os demais europeus também tinham a mesma mentalidade), a ignorância quanto às potencialidades econômicas das próprias espécies encontradas em nossos biomas. Não por acaso, o primeiro produto do agronegócio colonial foi um vegetal de origem indiana, a cana de açúcar. Claro que não quero passar por cima do contexto mercantilista da época e projetar em cima dele valores do presente. Não se trata disto, mas de apontar para um fato concreto que não vem de agora, nosso desconhecimento sistemático das potencialidades econômicas de nossa própria biodiversidade.

Não por acaso a Floresta Atlântica foi tão devastada sem nenhuma cerimônia nestes cinco séculos de ocupação deste território de Pindorama. Pior ainda, foi devastada colocando-se fogo e derrubando-se valores que, se comercializados, teriam rendido tanto ou mais do que o ouro tirado das minas. Os colonos, escravos e mestiços sob seu comando não viam nenhuma serventia tanto nas árvores e matos, quanto na imensa fauna existente na Floresta Atlântica que encontraram na costa brasileira (mas a população caiçara deve ser excetuada desta relação predadora para com a mata). Preferiam derrubar para plantar cana, por exemplo e, depois, café. Só que, ao fazer isto (dando uma nova interpretação degradante das práticas indígenas da coivara, que não era nunca em tal escala, muito menos para plantar grandes áreas com uma única espécie exótica, com a finalidade de exportá-la), estavam jogando fora uma riqueza incalculável.

Não por acaso, por exemplo, a Alemanha (país que terá uma poderosa indústria química no século XIX), terá tanto interesse em pesquisar nossos biomas, na trajetória de um Von Martius, por exemplo. Este naturalista bávaro, que virá na comitiva de D. Leopoldina, quando ela veio para o Brasil se casar com D. Pedro I, passou três anos pesquisando nossos biomas, mas o que fez não foi uma pesquisa científica supostamente "desinteressada" como se pode supor hoje, por "amor à ciência" em si mesmo (não que ele não fosse um grande amante do progresso do conhecimento botânico em sua época e não que ele não tenha se tornado o grande clássico precursor da moderna botânica que se pratica hoje no século XXI); muito menos com um interesse preservacionista que é típico em ambientalistas contemporâneos, mas não dos naturalistas da época. Ou seja, ao mesmo tempo em que ele ia pesquisando, em suas expedições Brasil adentro (os alemães tinham pouco conhecimento das potencialidades econômicas do interior da América do Sul e queriam vencer o atraso contra seus concorrentes ibéricos, ingleses e franceses), ia também selecionando, acondicionando em latas e mandando espécimes e mais espécimes tanto de nossa flora, quanto de nossa fauna, para os jardins botânicos alemães (no caso, principalmente o de Munique).

Burle Marx conta como só foi descobrir a importância da flora brasileira, na Alemanha, na década de 1920. Até então ele vivia, como a maioria dos brasileiros de classe média, de costas para esta imensa e bela riqueza que possuímos ao nosso redor. Ele conta, posteriormente, em suas expedições desbravadoras à procura de conhecer novas espécies para seus projetos de paisagismo, como era alienante ver que as cidadezinhas da própria Amazônia brasileira, em suas praças, ao invés de valorizarem as espécies riquíssimas da flora local, enfeiavam-nas com espécimes exóticas (isto só é possível ainda hoje porque temos esta mentalidade colonizada que nos induz a pensar que tudo o que é nosso e tropical seja inferior ao europeu e norte americano, ao ponto de derrubarmos nossas árvores para plantar, no mesmo lugar, espécimes da Europa, da América do Norte, da Ásia ou da Austrália). Não sabemos ainda, nas nossas cidades, diferenciar um flamboyant (africano) de uma sibipiruna (espécime nativa da Mata Atlântica). Portanto, como arquiteto, urbanista e artista plástico, foi Burle Marx quem nos ensinou, no melhor espírito antropofágico da semana de 1922, o quanto temos uma beleza incomparável em nossos biomas e que devemos não só nos orgulhar dela, mas saber valorizá-las (agregando valor econômico) em nossos jardins públicos e privados. Com ele, pela primeira vez, ao invés de importarmos o design inglês dos jardins (que estava na moda no século XIX), passamos aexportar nosso design paisagístico e florístico.

Enquanto aqui, deste lado do Atlântico, mal se sabia do valor que certas espécies de orquídeas poderiam alcançar no mercado internacional, os naturalistas que começaram a invadir o território brasileiro, com a abertura dos portos em 1810, já sabiam e já faziam sistematicamente o que hoje se chama de biopirataria. As orquídeas, por exemplo, alcançavam altos valores no mercado europeu do século XIX, tanto por seu valor estético e qualidades biológicas (é uma planta ornamental que continua viva, proporcionando, a cada ano, novas florações), quanto por seu potencial econômico, farmacêutico e culinário (a baunilha, por exemplo, vem de uma orquídea).

A baunilha, que é o fruto de uma orquídea, por quilo, atinge preços muito altos e isto já se sabe há bastante tempo (aliás, os portugueses tinham um verdadeiro fanatismo por estes frutos originados das Índias Orientais, tanto que se lançaram ao mar atrás deles, voltando com suas caravelas e naus carregadas de cravo da índia, canela, pimenta do reino, noz moscada etc.; as chamadas especiarias que valiam mais do que seu peso em ouro). Mas como não foram eles quem descobriram as utilidades e o método de plantação destas especiarias, mesmo no Brasil (país riquíssimo em biodiversidade, mais até do que na Indonésia), voltaram suas costas para as possibilidades de riquezas imensas que estavam disponíveis na Floresta Atlântica (só na era de Pombal é que irão descobrir as riquezas vegetais da Amazônia e esta foi uma das razões de Estado pra que Pombal tudo fizesse em sua estratégia geopolítica para manter aquele território nas mãos dos portugueses no século XVIII). Não que eu esteja a negar aqui toda a assimilação parcial que os colonos portugueses fizeram de espécimes vegetais que os índios lhes ensinaram a valorizar. Entretanto, a riqueza etnobotânica que os vários povos indígenas dominavam era e é muito mais complexa do que a base comum que permanece como patrimônio material e imaterial da cultura popular brasileira (ainda há muito o que se pesquisar e descobrir nesta área).


O interessante é que muitos dos remédios caros da indústria farmacêutica multinacional que compramos hoje, têm origem em plantas de nossas florestas, através da pesquisa bioquímica que os cientistas europeus fizeram em nossas espécies para isolar princípios ativos e elementos que seriam depois aproveitados na indústria química e na indústria farmacêutica. Portanto, pagamos ainda hoje o preço da ignorância e do espírito colonizado de abrir mão facilmente de nossas riquezas, sem saber que elas são riquezas preciosas que não se devem abrir mão, no próprio interesse nacional (não só por uma questão de patriotada, mas por uma questão de interesse econômico mesmo). Felizmente esta equação hoje está sendo mudada de modo que, eles que tinham o conhecimento botânico e químico, mas não as espécies que nós tínhamos e nós, que tínhamos as espécies, mas não o conhecimento botânico e químico, estamos a nos igualar por causa do avanço das ciências no Brasil (e vamos avançar ainda mais).

Estou escrevendo esta postagem para lembrar que não se deve desprezar as orquídeas (muitas delas sequer descobertas ainda, no interior de nossas florestas e pouco estudadas) como meras plantas bonitinhas, mas desprezíveis do ponto de vista econômico (como coisa que não vale à pena preservar). Para quem não sabe, certas orquídeas chegam a valer U$ 200.000,00 ou mais, no mercado internacional. Os holandeses sabem quanto podem valer a produção e comercialização de flores e não é de agora (é só lembrar da febre de especulação que houve na Holanda com os bulbos das tulipas, hoje, símbolo nacional na Holanda).

Carl Philip von Martius só esteve no Brasil por três anos, quando era jovem, mas o resto de sua vida,na Alemanha, ele irá dedicar ao estudo sistemático da botânica brasileira, tanto a partir do material que enviou para a Alemanha, quanto por causa da colaboração direta com o próprio imperador D. Pedro II. Foi ele que escreveu a maior obra até então já escrita sobre a flora brasileira, ensinando aos brasileiros quão rica era nossa flora e quão bonita.

Não só de petróleo viveremos nós, mas também (graças ao próprio dinheiro obtido com o petróleo) da pesquisa científica aplicada que irá descobrir inúmeras espécies que estão entre nós e podem se tornar nutritivos e saudáveis alimentos cultivados (mas as desconhecemos por causa dos hábitos alimentares que temos atualmente) por nossa agricultura (a Embrapa está aí para nos mostrar que já se foi a era em que desprezávamos nossas riquezas vegetais, enquanto que estrangeiros como Martius ficavam enlouquecidos com ela); ou remédios e materiais que serão aproveitados não só na indústria química e farmacêutica, mas também na indústria em geral. Além disso, uma agricultura tropical não existe só para gerar alimentos, mas também produtos vegetais que são matérias primas da indústria (vide o caso do algodão, importante fonte de matéria prima para a industrialização da Inglaterra). Foi a Embrapa que desenvolveu uma variedade de algodão que já nasce colorido (mas sem o uso da tecnologia da engenharia genética, porque há outros modos de fazer o melhoramento genético sem que se use a tecnologia dos transgênicos).

Além disso tudo, a própria pesquisa antropológica (na medida mesma em que os próprios povos indígenas vão se libertando da tutela de antropólogos brancos, com suas teorias colonizadas, como dizia um Darcy Ribeiro) irá aprofundando e difundindo para o público maior a imensa riqueza contida nos saberes etnobotânicos de nossos povos da floresta, do cerrado, da caatinga, do pantanal etc. Riqueza que foi e continua sendo desprezada por séculos (e, o que é pior, destruída, por causa do etnocídio constante de nossas populações indígenas). Bem ou mal que seja, no início do século XXI, com avanços e recuos, como todo processo histórico mais profundo, já estamos conseguindo reverter tudo isto em benefício dos povos indígenas (tanto porque este recente momento histórico foi o período em que ocorreu o maior número de demarcações de terras indígenas, quanto porque a população indígena está conseguindo se recuperar da depopulação causada por cinco séculos de domínio da etnia luso brasileira maior).


Por favor, devagar com o andor, porque a floresta é frágil e, felizmente, agora podemos aquilatar mais corretamente o estrago que fizemos ao nosso próprio clima ao derrubar as florestas. Não estou falando somente do acréscimo de CO2 na atmosfera, mas também dos impactos hídricos e atmosféricos que o desmatamento causa. Uma floresta, derrubada, imediatamente, provoca a diminuição de metade do nível de chuvas que havia antes dela ser derrubada. Isto quer dizer que o sertão do Nordeste e a própria faixa litorânea, ao leste desta região, não enfrentaria períodos de secas tão prolongadas, se sua cobertura vegetal florestal não tivesse sido derrubada para plantar cana. A própria caatinga é um tipo de floresta e sua derrubada só aumenta os problemas advindos com as secas, num ciclo vicioso que pode ser muito bem quebrado, restaurando-se a própria caatinga. Por outro lado, graças aos avanços da ciência e da própria agronomia modernas, é possível plantar mais, em menos áreas de plantio, devolvendo parte do território para a restauração da cobertura vegetal original, como defendo, dentro de um amplo movimento que não foi inventado por mim, de luta pela restauração da Floresta Atlântica (pelo menos 30% dela é a meta).

O Vieling, local onde acontece os leilões de flores da cooperativa da Holambra, aqui ao lado de Jaguariúna, onde moro. Os holandeses nunca foram bobos nesta questão e não é por acaso que a Holambra é a maior produtora e exportadora de flores do Brasil (e eles também estão investindo em orquídeas e bromélias decorativas).

É preciso abrir os olhos, portanto, para as nossas riquezas vegetais, porque dormimos em cima de uma riqueza que nem suspeitamos que existe e precisa ser pesquisada e transformada em produtos que enriqueçam nosso patrimônio econômico e industrial de modo geral, não apenas como commodities, mas como matérias primas para produtos de alto valor agregado, como a fabricação de remédios que são usados para o tratamento do câncer, por exemplo.

Alberto Nasiasene

Jaguariúna, 2 de fevereiro de 2014



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