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Até que ponto a cidade pode conviver pacificamente com a Floresta?

Teleférico visto de cima. Poços de Caldas, MG. Foto: Alberto Nasiasene

Antes de mais nada, quero advertir que esta postagem é desaconselhável para pessoas muito sensíveis. Se você prosseguir na leitura, isso será decisão sua. Não pretendo agradar às sensibilidades ecológicas da moda. Se você acredita em duendes, por favor, procure outro site. Se você finge que acredita em Saci ou no Curupira ou na Caipora, está convidado. Portanto, lá vai (não prossiga, caso você seja sensível e não goste de problematizar nada; aqui não é sua praia; vá procurar sua turma).

Há pelo menos três modos de se chegar ao Cristo de Poços de Caldas (poderiam ter colocado ali uma outra estátua que não fosse uma réplica do Cristo do Corcovado do Rio de Janeiro, mas, fazer o quê? estamos no Brasil onde tudo é mais fácil de ser copiado do que criado). Um deles, o que os turistas de fora mais usam, é pelo teleférico. Outro modo, é subindo por esta trilha (um dia quero subir e perder alguns quilinhos na subida). Por fim, há uma estrada por trás do morro e é possível chegar de carro. Não sou contra nenhum dos modos de se chegar aqui (mas mantenho meu desejo de que a estátua do Cristo fosse outra, porque esta imitação do Cristo é muito batida e não faz sentido copiar a original do Rio de Janeiro em lugar nenhum deste país). Não sou contra o turismo em geral, muito menos contra o turismo ecológico, ao contrário, sou a favor (é uma das indústrias que mais geram renda e empregos e, portanto, defendo este tipo de turismo, desde que sustentável e dentro de certos limites necessários, como já escrevi aqui no site). Fotos: Alberto Nasiasene

Descobri, através de um programa jornalístico televisivo sobre ecologia (há alguns deles tanto em TVs abertas, quanto em TVs pagas), que a Alemanha recuperou suas florestas e hoje possui um terço de seu território coberto por elas. Portanto, nesta perspectiva concreta, não é irrealista o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica que tem como meta chegar à restauração de nossa floresta costeira até, pelo menos, 30% do que ela era quando os portugueses chegaram por aqui, em 1500 (hoje ela ocupa apenas 7% do que era no século XVI). Como já afirmei muitas vezes aqui no site, não penso que seja um objetivo ecologicamente correto somente falar contra o desmatamento na Amazônia e esquecer o que se passa em nossos próprios quintais. Ao contrário, penso que isto é um tipo de alienação: as pessoas querem se sentir em paz com uma suposta consciência verde (que na prática não têm) defendendo algo que está bem distante delas, a Amazônia, mas nem percebem que, ao construir sua belíssima casa de praia no litoral sul do estado do Rio de Janeiro, ou no litoral norte do estado de São Paulo, o fazem avançando sobre resquícios de Mata Atlântica, ato que desmente inteiramente sua suposta consciência verde.

O autor, fotografado pela filha Loretta Paganini Feula Nasiasene

Outro elemento que julgo necessário apontar, sempre e tanto, é o de que as pessoas, no Brasil, falam muito em natureza e em produtos naturais (demonstrando ter uma suposta "ideologia de natureba" que está na moda), mas são incapazes de distinguir quais são as árvores originadas da Mata Atlântica (e, portanto, mais adaptadas a sobreviver no nosso meio ambiente sulamericano do que árvores importadas da América do Norte, da Europa, da Ásia e da África; porque a natureza levou milhões de anos para selecionar estas espécies, neste meio ambiente e não sem uma razão de ser, enquanto que o homem europeu no Brasil, no caso, o descendente de português, com mentalidade colonizada, por motivos ideológicos e culturais, importa pinheiros americanos e europeus para enfeitar suas cidades e suas casas, em um natal tropical que está mais para uma palmeira, só porque vêem nos filmes, nos cartões de natais, na televisão, as árvores de Nova York cobertas de neve). Tanto faz, para elas, desde que a árvore dê flores (sempre acusam quem aponta esta suprema contradição de "nacionalistas bitolados"). Ou seja, não conseguem entender que a introdução de espécies exóticas (e o termo exótico empregado na biologia não quer dizer beleza rara, mas espécie que vem de fora) causa desequilíbrios ecologicos que, muitas vezes, podem se tornar insanáveis.

Campos de altitude em Poços de Caldas. Foto: Alberto Nasiasene

Aliás, para tristeza minha, o próprio conceito de ecologia não é lá tão enraizado entre os próprios biólogos e educadores de ciências (já vi muitos deles que defendem o plantio de árvores indistintamente, quaisquer que sejam elas, para ajudar a diminuir os níveis de CO2 na atmosfera do planeta, sem nenhuma consciência de que em cada região há determinadas espécies nativas que são as mais adequadas, porque não se trata apenas de gerar fotossíntese, mas de restaurar o equilíbrio ecológico do meio ambiente em que vivemos, tanto quanto isto seja possível, com a presença inevitável de seres humanos). Pode parecer exagerado o que estou afirmando, mas quem duvidar disto, é só fazer uma ligeira sondagem para averiguar.

Podem ficar tranquilas, minhas queridas, não há abelhas, não há vespas, não há besouros, não há nenhum inseto que seja atraído por estas mercadorias de plástico (e todo mundo que visitar suas casas irá pensar que são flores de verdade mesmo). Além disso, você não precisa nem adubar, agoar, podar, cuidar etc. Elas não morrem. Ideal para estar na moda. Vocês podem comprá-las em Pedreira, São Paulo, cidade vizinha de Jaguariúna, na região metropolitana de Campinas. Combina com a louça da casa. Fotos: Alberto Nasiasene


Claro não estou nem tocando no fato de que os tais "naturebas;" que falam muito em natureza e em expressões tais como "ecológica e ambientalmente correto" mas não querem saber de grilos, de pererecas saindo dos vasos sanitários, de pernilongos (borrachudos) saindo das matas etc. quando vão fazer seus acampamentos e passar suas férias nas praias paulistas, por exemplo; se esquecem que a maioria das espécies animais é invertebrada (ou seja, insetos) e de modo algum estão dispostos a conviver mais pacificamente com estes bichinhos. Pior ainda, como irei demonstrar aqui, o conceito de verde e natureza que eles querem é apenas uma mercadoria a mais que se compra em vitrines de lojas em São Paulo (o cúmulo do "natureba" são as flores de plástico que parecem realmente ser flores reais, mas sem cheiro, sem pólem e eternamente verdes, porque não precisam de água).

Para as mamães muito preocupadas com as picadas de abelhas e vespas em seus pimpolhos: aqui, em Pedreira, vocês podem comprar este verde de última moda, que não causa nenhum tipo de alergia, porque não há pólem nenhum nestas florzinhas de plástico. Tudo muito facilmente higienizável. Além disso, não há o perigo de que escorpiões se escondam por baixo desta falsa moita. Não são umas gracinhas os bonequinhos de louça?... Fotos: Alberto Nasiasene

Apesar de tudo isto, acredito que podemos sim criar as gerações futuras com outra mentalidade que nada tenha a ver com esta ecologia natureba de gôndola de supermercado. Claro que estou falando é da educação ambiental que não foge dos reais problemas (como foge uma suposta educação ambiental protocolar, focada no aluno, como no cliente, de construir cartazes para pregar nas paredes da escola e constar nos projetos pedagógicos inócuos falando e fazendo coisas que não problematizem e não afetem em nada a atual estrutura sócio-econômica capitalista em que vivemos). Não é este tipo de educação ambiental que acredito e que defendo. Ao contrário, defendo uma educação ambiental necessária que irá criar não só uma mentalidade ecologicamente adequada, autosustentada, mas, juntando-se, no ponto de vista da cidadania democrática, a movimentos sócio-econômico e políticos (por favor, não se confundam com o que estou dizendo aqui, porque não estou a falar de um suposto Partido Verde, PV, ou um suposto Partido Evangélico, digo, Partido Ecológico Nacional, PEN, que nada têm de ecológicos) que vai muito além do mero conscientizar inócuo, mas mergulha em uma transformação mais profunda que a própria natureza global está nos forçando a fazer se quisermos sobreviver neste planeta (a despeito de todos os movimentos escatológicos judaico-cristãos e muçulmanos que acham que o fim é inevitável e desejável).

A moda verde chegou às vitrines de Pedreira, SP. Vejam que beleza!... Qualquer dona de casa pode demonstrar, para as amigas (e para os filhos das amigas) que está por dentro do "ecologicamente correto" da ideologia natureba e verde paulista (com a vantagem de não ter que aguentar os insuportáveis insetos, sem precisar ligar para o 156...). Fotos: Alberto Nasiasene

Aqui vou inserir outras fotos de Poços de Caldas que mostram que nem tudo está perdido, mas ainda é necessário ir além (porque, de um lado da encosta da antiga cratera do vulcão ativo que foi a área há mais de oitenta milhões de anos atrás, vemos a Mata Atlântica, mas do outro, ela sumiu). Além disso, a maioria das pessoas que habitam a cratera do vulcão não sabem distinguir qual a diferença entre uma quaresmeira (árvore da Mata Atlântica) e um flamboyant (árvore de Madagasgar), de modo que a cidade propriamente dita, está replenta de uma mistureba de espécies que nada tem que ver com o meio ambiente original do lugar (demonstrando que o equilíbrio ecológico que havia antes da chegada do europeu está, até agora, completamente quebrado; mas creio que um dia ele pode ser restaurado para se aproximar mais do que era originalmente).

Para quem não conhece, apresento uma quaresmeira, belíssima árvore da Mata Atlântica.

Poços de Caldas, MG. Foto: Alberto Nasiasene

O teleférico que sobe a encosta da montanha em Poços de Caldas (as bordas da antiga cratera vulcânica)

e a Mata Atlântica ao fundo). Poços de Caldas, MG. Foto: Alberto Nasiasene

A cidade vista da floresta é diferente da floresta vista da cidade e penso ser interessante aprofundar esta perspectiva do ponto de vista científico. Há uma outra interação ecológica que se estabeleceu e é preciso saber, detalhadamente, quais são estas relações entre estes dois ambientes, o florestal e o urbano e em que medida eles podem viver mais harmonicamente. Poços de Caldas, MG. Foto: Alberto Nasiasene

A floresta vista da janela do bondinho. Até que ponto esta floresta recebe a influência poluidora da cidade abaixo, não posso precisar (nem em que medida a floresta ajuda a repor níveis de oxigênio na atmosfera local). Mas, além da fotosintese, uma floresta tropical atlântica interfere diretamente na formação de chuvas, de modo que desmatamento da Mata Atlântica significa diretamente redução de chuvas locais e, consequentemente, aumento de temperatura. Muitas são as questões a serem investigadas permanentemente por cientistas e ambientalistas militantes e não podemos ficar passivos apenas vendo a bela natureza que se descortina. Poços de Caldas, MG. Foto: Alberto Nasiasene

No alto, a chegada do teleférico e a vegetação natural diferente, campos de montanha a mais de 1600 m de altitude (é uma vegetação que lembra o cerrado, mas não é cerrado e sim um campo de altitude, como não sou um botânico, preciso pesquisar para entender esta vegetação sujeita ventos e muito frio no inverno; provavelmente, a geada cobre este capim todos os anos). Poços de Caldas, MG. Foto: Alberto Nasiasene

Do outro lado da encosta, cadê a floresta? Para quem não sabe, eucalipto não é uma árvore sequer brasileira (é australiana e, no caso, não deveria estar aqui, porque esta era uma área de Mata Atlântica). Vemos até pinheiros americanos, mas e o nosso pinheiro que era típico desta região da Serra da Mantiqueira, a Araucária? Lá atrás, vemos as fazendas e, talvez, não deu para que eu pudesse conferir, resquícios de Mata Atlântica. Meu irmão achou belíssima a paisagem deste lado e foi a pedido dele que fotografei (mas devo confessar que me deu uma tristeza e que não tive vontade de fotografar não, só o fiz porque não quis ser antipático com ele que não sabe distinguir ainda um jequitibá rosa, árvore da Mata Atlântica, de uma tipuana, árvore do norte da Argentina e Bolívia muito comum de ser encontrada em cidades brasileiras). Isto mostra o quanto ainda estamos longe de uma verdadeira conscientização ecológica. Mas não sou tão pessimista assim. Já vejo sinais de que estamos mudando. A floresta não é inimiga da cidade e a cidade não precisa ser inimiga da floresta. Por isto mesmo é que precisamos investir mais na produção de pesquisa e conhecimento biológico sobre nosso próprio meio ambiente (nos diversos biomas que temos) não só pelo prazer de conhecer, mas porque este conhecimento servirá para criar remédios, produtos, modos de fazer e de ser que nos tornarão um povo especial ainda mais, em meio ao concerto das nações. Não é um nacionalismo bobo de ufanista, mas um amor profundo pelas coisas brasileiras que aprendemos com estrangeiros que as valorizam mais do que a maioria de nós.

Rota Mogiana de Alberto Nasiasene é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil. Based on a work at www.rotamogiana.com.

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