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Até que ponto as cidades litorâneas podem conviver com os mangues?

Um dos biomas mais importantes que compõe o complexo da Mata Atlântica, o mangue, é um dos que mais precisa de nossa atenção, porque está em risco de extinção. Este é um bioma específico que é importantíssimo não só para a produção de O2, retirando CO2 da atmosfera, mas porque é o berçário de inúmeras espécies terrestres e marinhas. Onde as grandes cidades brasileiras se estabeleceram em nossa costa atlântica, os mangues foram tratados como mato feio a ser destruído e aterrado. É o caso de Recife. Entretanto, nem tudo está perdido, porque, de alguma forma, ao longo destes cinco séculos de colonização, os mangues conseguiram chegar, bem ou mal, ao século XXI e podem ser recuperados porque as cidades não precisam ser suas inimigas. Ao contrário, o mangue pode e tem trazido inúmeros benefícios ecológicos para a melhoria da qualidade de vida dos grandes centros costeiros, além de representarem um valioso atrativo turístico que precisa ser melhor aproveitado.

Recife

Recife

Recife, visto através de seus rios

Não que o Recife tenha vocação para ser uma Miami (sonho de consumo de uma parcela da classe média brasileira de hoje), mas, hoje caiu de moda chamá-la de a "Veneza brasileira" ou compará-la com Amsterdã (só por causa dos supostos canais das duas cidades europeias que, no Recife, são rios?). No ínício do século XX, Recife, como as demais cidades importantes do país, a começar pelo Rio de Janeiro, queria mesmo era imitar Paris e, por isto, grande parte destas construções mais antigas que ainda vemos hoje na cidade nada tem que ver com o período holandês, mas com reformas urbanas promovidas sob o signo do afrancesamento. O Rio de Janeiro de início do século XX também pretendeu imitar Paris, desenraizando a natureza tropical, o que restava de arquitetura colonial (construindo prédios imitando os franceses, como o Teatro Municipal) e dragando o que podia dragar para eliminar a febre amarela endêmica. Por isto mesmo é que a influência da arquitetura de umLúcio Costa, Warchavchik, Niemeyer e Affonso Reidy entre tantos outros, no início do século (a partir da década de 1920), foi deciciva: com eles o Brasil alcançou a independência estética face aos padrões europeus, digerindo, num movimento antropofágico, a estética europeia com a estética colonial para criar um estilo modernista próprio da brasilidade. Claro que não sem ter que enfrentar, cotidianamente, sua contraparte colonizada na imitação servil do que fazem os arquitetos americanos, porque a moda pós-moderna de hoje tem mais a ver com Miami do que com Paris. Entretanto, não pensem que sou um anti-americano. Não sou. Não penso que tudo o que é bom para os Estados Unidos seja bom, automaticamente, para o Brasil; mas também não penso que nada que é bom para os Estados Unidos não tenha nenhuma validade para o nosso país só porque eles são yankees (e daí que sejam yankees?). Tenho aversão, é claro, à imitação servil do estilo cowboy texano, por exemplo, na região onde moro; estilo que nada tem que ver conosco, com nossas raízes caipiras e tropeiras mais profundas e autênticas do que a imitação alienada das danças countries e os rodeios (aqui temos nossa própria catira e nossas vaquejadas).

Recife

Podem haver algumas semelhanças entre Miami e Recife (inclusive porque a pequeno burguesia recifense não é infensa ao esnobismo novo-riquista, sem cultura, que demonstra a burguesia do centro-sul ao ter Miami como sonho de consumo; pelo menos nos tempos em que se imitava Paris os padrões culturais eram mais do que o meramente consumismo americanizado, porque imitava-se também o refinamento cultural europeu). Nem tudo o que é ruim para Miami, seria bom para o Brasil, nem o que é bom para Miami é ruim para o Brasil. Podem acontecer interseções de elementos comuns que são bons para as duas cidades, Recife e Miami, por exemplo; mas não necessariamente. Pelo menos os americanos da Flórida são obrigados a respeitar o seu bioma dos pântanos interiores como patrimônio natural (o Everglades). De fato, a cidade da Flórida fica muito bonita com o ornamento da vegetação costeira natural do lugar, mas o Brasil tem mangues mais tropicais e corais mais variados e num litoral muito maior do que os americanos sonhariam ter. Portanto, não precisamos imitá-los (eles é que tentam nos imitar neste quesito).

Miami

Miami

Miami

Miami

Everglades

Everglades

Todas as imagens acima são da Flórida, Estados Unidos, embora algumas delas, especialmente estas três últimas, se pareçam muito com imagens que bem poderiam ter sido feitas no Brasil. O Parque Nacional do Everglades tem até suçuaranas, só que lá eles não chamam por este nome, mas por puma. Tem também jacarés, que chamam de alligators. Pelas fotos que é possível conseguir facilmente por meio de internet, bem se vê que eles são fascinados por jacarés (não sei porque esta fixação deles por este animal, já que o Everglades tem outros animais muito interessantes também). Talvez eles gostem de fotografar e enfatizar seus jacarés para se sentirem mais tropicais do que o resto dos americanos enquanto que, por aqui, no Brasil, especialmente no fim do ano, gostamos de imitar as renas em trenós de neve que nem temos em nossa fauna, muito menos no clima em que vivemos no natal de verão que passamos todos os anos (talvez porque nossa mentalidade colonizada goste de se fingir temperada e nórdica, ao contrário dos americanos de Miami).

Os descendentes de donos de engenho e os modernos usineiros de hoje, que construíram suas fortunas derrubando a Mata Atlântica, em cima do lombo escravo, em Pernambuco e demais estados açucareiros vizinhos, inclusive a Paraíba e Alagoas, deviam seguir o exemplo dos americanos e criar um parque nacional tão vasto, para a preservação do bioma natural da Flórida interior, o Eveglades, mas nem se dão conta ainda da importância não só da preservação do pouco que restou da Mata Atlântica em seus estados (com os manguesais costeiros), mas de sua restauração. Portanto, mais do que torres de concreto armado que tentem competir com os vencedores nesta corrida inútil pelas alturas dos arranhas céus, deveriam estar é preservando e ampliando o patrimônio natural, inclusive como fonte de riqueza que o turismo pode representar para americanos que só têm uma vaga ideia do que seja a tropicalidade por causa de Miami. Os europeus, que estão relativamente mais próximos do Nordeste brasileiro do que do Rio de Janeiro, gostariam muito.


À esquerda, vemos a ilha onde está o Palácio do Governo, com o jardim onde está o baobá africano e onde Nassau edificou um palácio que hoje não mais existe. Claro que seria demais exigir de Nassau uma consciência ecológica típica do século XXI em pleno século XVII. Entretanto, o conde Maurício de Nassau tinha sim uma mentalidade avançada, cientificamente, para sua época, tanto que trouxe para sua corte renomados cientistas e naturalistas (no século XVII nem chamavam ainda certos exploradores de naturalistas, como no final do século XVIII e primeira metade do século XIX, antes do desenvolvimento da Segunda Revolução Industrial e das ciências da natureza como as conhecemos hoje, a física, a química e a biologia). Estes homens holandeses interessados na natureza tropical do Brasil estavam mais interessados em descobrir possíveis riquezas que pudessem ser incorporadas ao comércio internacional em prol da engrandecimento econômico da Holanda da época (o caso das tulipas é um fenômeno interessante de ser lembrado). Mesmo que o olhar deles fosse radicalmente diferente do nosso olhar sobre a mesma natureza, eles já valorizavam as espécies tropicais atlânticas muito mais do que os portugueses da época valorizavam e tinham um conhecimento enciclopédico (ou seja, um conhecimento mais filosófico e humanístico do que científico propriamente dito como o entendemos hoje, porque o próprio fenômeno do enciclopedismo só iria desabrochar no século posterior, com os franceses e Diderot, o século XVIII). Através dos inúmeros documentos que nos deixaram como herança histórica, inclusive as pinturas, podemos conhecer melhor a paisagem da região para compará-la com o que vemos hoje.


Estas torres mais recentes e o casario mais antigo foram construídos em cima do mangue. Um detalhe que vemos na primeira foto, a do casario antigo, é a presença dos galhos do flamboyant (uma árvore africana que nada tem que ver nem com o mangue, nem com a Mata Atlântica).

As duas gravuras do século XIX revelam o quanto o porto do Recife foi criado em cima de uma área de mangue original. O que há de específico aqui é a existência de um antigo recife de corais (outro bioma ameaçado de extinção) que havia entre os mangues e o alto mar. Não por acaso, o nome de Recife. Cadê o antigo recife de corais? O que restou dele foi só o esqueleto visível ainda hoje na barreira que impede a arrebentação das ondas do mar (e por isto mesmo é que se tornaram um local propício para o estabelecimento de um porto natural).




Os mangues brasileiros são muito vastos e ainda sobrevivem, apesar de todo tipo de agressão que sofreram ao longo dos cinco séculos de colonização. Representam um rico potencial a ser preservado tanto para a pesquisa científica, quanto para a melhoria da qualidade de vida de nossas populações litorâneas. A despeito do que muitos pensam de São Paulo, este estado tem um dos litorais mais longos do país e os mangues também são uma vegetação tipicalmente paulista que coexistem, mesmo em Cubatão, com indústrias que foram muito agressivas com eles (é um milagre que tenham sobrevivido e pudessem ter sido recuperados, como no caso de Cubatão).

O mangue em Cubatão SP. Na Baixada Santista.

Quantas espécies vegetais existem no mangue que são mal conhecidas? Quantas que ainda sequer foram descobertas? Quantos remédios poderia ser descobertos através desta vegetação? Quanta fonte autossustentável de alimento seria possível desenvolver através dos mangues (a população mais pobre do Recife pelo menos sempre teve no mangue uma fonte suplementar de dieta através dos caranguejos)? Além disso, os mangues são sim um atrativo turístico ainda mal explorado pela indústria turística (mas estamos falando de turismo autossustentável, não de turismo predador e destruidor). Não sou um cidadão costeiro, mas penso que a cultura caiçara, como é conhecida um determinado tipo de cultura caipira, aqui em São Paulo, é muito interessante de ser pesquisada e valorizada. Não vou muito à praia que, na realidade, nem está tão distante de onde moro, porque em três horas de viagem posso chegar a uma praia mais perto, em Santos ou Guarujá, mas nunca o faço, porque nunca fui muito praieiro. Sou um interiorano convicto e prefiro subir uma serra e entrar em uma mata do que ir à praia. A antepenúltima vez que fui à praia, em São Paulo, minha filha nem tinha nascido, ou seja, foi em 1992, em Ubatuba. A penúltima vez, foi em Peruíbe (uma praia que não é tão bela como as de Ubatuba), quando ela tinha somente cinco anos. Quase morri afogado em Ubatuba, em 1992, mas, a partir daí, prometi a mim mesmo que nunca mais entraria no mar para nadar. Apesar de tudo isto, penso que a paisagem marinha é muito bonita (só não tenho fixação por ela e, no verão, até prefiro subir a montanha atrás de um clima mais ameno do que o calor da praia). Em 2006 fui a João Pessoa e fiquei em frente à Praia de Tambaú, mas quase não fui ao mar, porque estava mais interessado no patrimônio histórico e nas velhas paisagens urbanas em que vivi meus anos de estudante universitário. Portanto, esta postagem que escrevo agora é mais uma demonstração de que a natureza original do país está a me atrair mais do que as ondas do mar.

Alberto Nasiasene

Jaguariúna, 3 de janeiro de 2013

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