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A mata atlântica é uma floresta que tentaram destruir completamente, não uma simples mata


Sempre prefiro, quando posso, usar a expressão floresta atlântica ao invés de mata atlântica. Não por acaso prefiro esta terminologia, já que, ao usarmos uma expressão como "mata", ao invés de "floresta", estamos reduzindo a natureza "selvagem" a uma dimensão "domesticada" que, no início, ela não tinha. Mas é claro que não gosto de fazer tempestade em um copo d'água só por causa de palavras (pior seria se chamassem a mata atlântica de bosque atlântico) e não irei brigar com ninguém só por causa de terminologias. O que tenciono fazer ao usar a expressão floresta atlântica é demonstrar meu respeito para com a floresta que deveria estar à minha volta, mas foi destruída (porque moro em território legal da floresta atlântica que tem, inclusive, uma legislação específica para ele) e aos povos indígenas que habitavam nela muito antes dos portugueses por aqui chegarem (grande parte das cidades em que habitamos surgiu em aldeias indígenas prévias e, se escavarmos a maioria delas, em seus centros urbanos, iremos encontrar os vestígios da civilização material destes povos).

Imagens de internet (domínio público)

Há muita desinformação e desconhecimento sobre a abrangência do desmatamento que se fez no leste do Brasil (desmatamento que começa desde os primeiros anos após 1500) e, hoje em dia, foca-se exclusivamente na Amazônia e na floresta que há por lá (nada contra o foco na amazônia, mas contra sua exclusividade, em detrimento da floresta atlântica, muito mais destruída). Um dos equívocos recorrentes, mesmo nos meios científicos e ecológicos, é o de pensar que o que sobrou da floresta atlântica, nos poucos remanescentes primários não devastados, é a aparência do que seria a floresta original. Por causa deste equívoco de percepção, chega-se também a conclusões equivocadas, como a de que a floresta atlântica possui árvores menores do que as da floresta amazônica. Isto é, mesmo que a média atual de altura das árvores da floresta atlântica seja menor do que a média da floresta amazônica, é necessário lembrar que os portugueses começaram o desmatamento desta floresta costeira, desde 1500, através do corte das árvores mais altas e mais grossas (justamente as mais antigas). O próprio pau-brasil, tão cortado e tão impiedosamente procurado por causa de seus poderes de colorização dos tecidos na cor vermelha, antes do advento das anilinas artificiais, produzidas pela indústria química, perdeu seus espécimes mais antigos, mais altos e mais largos logo nas primeiras décadas e nos primeiros séculos de colonização (a ponto de, o que sobrou, tenha quase sito exterminado da face do planeta).

Acima os frutos e sementes do jequitibá e abaixo os frutos e sementes do jatobá. Imagem de internet (domínio público)

Para inúmeras utilidades, as grandes árvores da floresta atlântica (as mais antigas) foram cortadas e até hoje, mesmo nas áreas remanescentes que, aparentemente, são "matas virgens" não houve tempo suficiente para que as árvores de espécies que atingem uma maior longevidade atingissem também seu tamanho e seu diâmetro máximo como o daquelas grandes árvores que os portugueses encontraram na floresta que ficava perto do oceano Atlântico (e que passamos a chamar de "mata atlântica"). Quanto maior e mais larga uma árvore, mais antiga ela é. Há pelo menos um remanescente de jequitibá rosa na divisa de São Paulo com Minas Gerais, na Serra da Mantiqueira, que tem mais de 3 000 anos de idade, mas havia muitos outros com esta idade ou mais (um botânico como o alemão Martius, no início do século XIX, afirmava que algumas árvores provavelmente tinham mais de 4 000 mil anos de idade; ou seja, eram mais antigas do que o faraó Ramsés II do Egito Antigo).

Imagem de internet (domínio público)

Só por este detalhe, o de que uma árvore como um jequitibá, um jatobá, um angelim, uma peroba etc., possa atingir milênios de vida e tornar-se uma gigante muito larga, em meio à floresta, dá para se ter uma dimensão mais correta do que foi a floresta atlântica ao tempo em que os portugueses começaram a chegar nesta costa sul atlântica em 1500. Isto também quer dizer que não deu tempo ainda, em quinhentos anos de história (muito pouco tempo em escala ecológica mais ampla), para que a floresta atlântica, mesmo nas áreas remanescentes "quase intactas" possa recuperar plenamente seu esplendor original (já que um jequitibá de mais de 4 000 anos de idade, ao tombar pela força do machado ou da serra elétrica, levará outros 4 000 anos para ser substituído em sua plenitude por uma mudinha que tenha sobrevivido à derrubada, em 1 500, quando Cabral chegou com sua frota de madeira por aqui). Portanto, vejam a dimensão do crime que se pratica ainda hoje ao se derrubar uma árvore milenar, em questão de minutos, uma árvore deste porte pode ser derrubada, mas para que ela chegue a este tamanho novamente são necessários milênios.

Já aqui, nesta gravura antiga, vemos que não estamos diante da floresta original. Imagem de internet (domínio público)

Por estas e outras descobertas que venho fazendo, por meio da leitura de publicações antigas (de cronistas, de clérigos católicos e protestantes, que por aqui estiveram no século XVI, de naturalistas do fim do século XVIII e início do século XIX) e novas (publicações científicas de biólogos em geral, botânicos e ecologistas em específico, agrônomos, engenheiros florestais, geólogos, geógrafos, historiadores, antropólogos etc.), sobre a floresta atlântica, vou tomando ciência de que, na verdade, nós tínhamos dois núcleos florestais equivalentes, em 1500, o da costa leste atlântica (com suas especificidades, é claro) e o núcleo mais interior da floresta amazônica (com suas especificidades; mas com semelhanças e ligações com o núcleo mais ao leste por meio das matas ciliares que beiram os rios do cerrado e por meio da caatinga). Na verdade, pelo Tratado de Tordesilhas, nós nem teríamos direito à floresta amazônica, porque ela estava em terras que se destinavam à colonização dos espanhóis (foram os bandeirantes paulistas, mateiros e preadores de índios, os que alargaram o território que pertenceria aos portugueses). Assim como afirmei em postagem anterior, que a caatinga (que também foi devastada em seus exemplares mais altos e mais antigos e era muito mais complexa do que o que sobrou dela), ligando-se ao cerrado, ia até as terras do atual Paraguai, Argentina e Bolívia (o Chaco), separando os dois núcleos florestais mais densos e mais úmidos (floresta ombrófila densa), o do litoral atlântico e o do interior amazônico; afirmo agora também que povos muito mais complexos do que supomos habitavam estas florestas, tanto a do leste, quanto a do interior amazônico e somente agora é que estamos, por meio da pesquisa arqueológica e antropológica (e histórica), nos dando conta disto.

Imagem de internet (domínio público)

Estes povos da floresta mantinham com ela uma simbiose socioambiental muito intensa e sabiam fazer o que se chama hoje de "manejo florestal" de maneira muito mais eficaz, evidentemente, do que os portugueses e espanhóis foram capazes (inclusive porque eles desprezaram a cultura destes povos "selvagens" como intrinsecamente inferiores e, por consequência, muito do know how dos povos indígenas, quanto ao manejo das florestas, foi destruído, junto com as epidemias, as correrias, a escravização, a catequização etc.). Além disso, ao contrário do que se imagina ainda hoje, estes povos indígenas não viviam tão isolados uns dos outros, porque também faziam parte de um amplo e continental complexo cultural inter-étnico que mantinha relações de intercâmbio material e imaterial até com o império inca, nos andes (incluindo-se as guerras entre si, mas também formas de comércio e de inter-dependência material e especialização geográfica, inclusive com vias de locomoção que eles mantinham entre distâncias colossais).

Imagem de internet (domínio público)

Até o século XX, permanecemos de costas não só para a América espanhola, mas para estas riquíssimas, complexas e antiquíssimas civilizações indígenas que os europeus destruíram. Entretanto, podemos resgatar parte desta riqueza aniquilada, tanto na floresta atlântica (que devemos e podemos restaurar), quanto em relação aos povos indígenas com os quais temos uma imensa dívida histórica a ser saldada.

Imagem de internet (domínio público)

Dedicarei o resto de meus dias a contribuir com esta imensa tarefa (que não começou agora, mas, no século XXI, está recebendo um impulso mais vigoroso que irá gerar um círculo virtuoso).

Alberto Nasiasene

Jaguariúna, 5 de abril de 2013

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