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O cerrado está aqui, escondido

Aeroporto de Campinas SP

Dizem as pessoas muito viajadas que os aeroportos, no mundo inteiro, são muito parecidos uns com os outros, de tal maneira, que é possível a ilusão de que existe uma cultura mundial "globalizada" (quando, na verdade, o que existe mesmo é a dominação cultural ocidental sobre territórios e áreas estratégicas para o mundo capitalista em que vivemos). Não sou anti-ocidental, evidentemente, nem anti-ecológico. Ao contrário, tenho plena consciência de minha ocidentalidade; desde a maneira de viver (de comer e de me vestir) até a de pensar (científica ou esteticamente). Por outro lado, também não desejo abandonar todas as comodidades civilizatórias que estão impregnadas em meu cotidiano (a começar pela internet e pelo mundo elétrico e eletrônico), abandonando minha casa em Jaguariúna, meu emprego de professor de história, em Campinas, São Paulo, para ir morar em cima da Chapada dos Veadeiros, em Goiás (em "Busca do Tempo Perdido"), como um neo-hippie. Muito menos quero dar trela ao mundo "pós-moderno" e ecológico, como o da ideologia política dos "verdes" (sempre achei ridículo a importação e imitação subserviente de ideologias e movimentos nascidos em solo europeu ou norte americano) de desenvolvimento ecológico autossustentado (não tenho a menor simpatia pelo Gabeira, nunca tive, nem quando ele retornou do exílio dourado na Suécia, andando de sunguinha de crochê e vendendo seus best sellers muito lidos pela esquerda festiva de 1979 e 1980; até hoje não li nenhum deles, nem pretendo ler). O que quero afirmar aqui é apenas isto: os padrões urbanísticos que construímos, criados pelo mundo ideal (colonizado) da sociedade capitalista brasileira neste final de século XX e início de século XXI, passam pela erradicação de tudo que diga respeito à nossa tropicalidade, a começar pela Mata Atlântica (que vemos, nestas fotos aqui embaixo, apertada, em poucos vestígios que sobraram dela, entre áreas urbanizadas da região de Campinas). É este fenômeno sócio-econômico e histórico que quero ajudar a combater, porque creio que nossa riqueza está exatamente em nosso diferencial tropical (em todos os sentidos, desde o significado econômico que esta realidade tropical nos traz, até o significado estético que o modernismo e o tropicalismo trouxeram para nossa cultura) e que não precisamos erradicar o ambiente natural em que vivemos para que o desenvolvimento seja possível, mas podemos sim conviver mais harmonicamente com ele.

Região de Campinas. 23 de outubro de 2009. Foto: Alberto Nasiasene

Região de Campinas. 23 de outubro de 2009. Foto: Alberto Nasiasene

Região de Campinas. 23 de outubro de 2009. Foto: Alberto Nasiasene

Região de Campinas. 23 de outubro de 2009. Foto: Alberto Nasiasene

Região de Campinas. 23 de outubro de 2009. Foto: Alberto Nasiasene

Nem sempre, da janela de um avião, podemos perceber claramente, (especialmente quando não somos botânicos) em uma primeira vista, se o bosque que vemos embaixo, é um bosque constituído de árvores da Mata Atlântica remanescente, ou um bosque de eucaliptos, importados da Austrália. Infelizmente, a sociedade brasileira ainda pensa que reflorestar é plantar eucaliptos (ou qualquer outra árvore, como pinheiros, por exemplo) e eu vivo lutando, dentro da rede de ensino de Campinas, para que aprendamos a valorizar nossa natureza tropical e nossa Mata Atlântica, ensinando que reflorestar é trazer de volta a floresta que existia antes da chegada dos colonos portugueses. No caso do estado de São Paulo, embora houvesse (e ainda haja) manchas de cerrados dispersas aqui e ali por todo o estado, em 1500, toda esta imensa área geográfica do estado era coberta, predominantemente, pela imensa floresta tropical atlântica. Pode parecer que esta devastação total desta imensa floresta ocorreu desde o início destes cinco séculos, mas não. A maior parte do extermínio da Mata Atlântica no estado de São Paulo ocorreu mesmo foi no século XX.

O que sobrou da Mata Atlântica, em Campinas, foram estes pequenos bosques, descaracterizados e degradados, e a Mata de Santa Genebra. Creio, porém, que, com o tempo, é possível resgatar grande parte desta Mata Atlântica em Campinas e região, desde que lutemos por isto. Meu primeiro documentário foi sobre isto, o Plantando o Saber e eu já falei sobre ele neste blog. Em outubro agora, em viagem feita, às pressas, a Brasília, tive a oportunidade, inesperada, de ver, lá do alto (o avião chegou a uma altitude de 13 mil metros) que, por toda a área geográfica que vai de Campinas, São Paulo, a Brasília, Distrito Federal, há inúmeros pontos, entre imensas áreas agrícolas, que parecem ser da cobertura original florestal ou de cerrado. Fiquei surpreso com isto, visto neste ângulo, porque pensava que tudo estava completamente devastado, mas não está. Embora não exista mais um área contínua de floresta, existe sim inúmeros bosques isolados que devem ser os remanescentes da antiga cobertura de Mata Atlântica. O mesmo acontece com o cerrado. O que precisamos é valorizar ainda mais a preservação destes resquícios e lutarmos para que, de resquícios, eles se transformem em áreas maiores de florestas reconquistadas à devastação pura e simples. Creio que é possível sim reflorestar áreas imensas devastadas, mesmo que a floresta que possa crescer aí não seja a floresta original integralmente (porque inúmeras espécies vegetais e animais estão para sempre extintas).

Represa da Cachoeira Dourada, entre Goiás e Minas Gerais. 23 de outubro de 2009. Foto: Alberto Nasiasene

Lá em cima, é possível ter uma visão a respeito do crescimento de Brasília que não é possível ter no nível horizontal. Vejam toda esta imensa área urbana que é hoje Taguatinga, Ceilândia, Samambaia e Águas Claras. É uma conurbação que está emendando áreas urbanas que antes eram separadas. Entretanto, Águas Claras, uma área urbana de classe média, muito parecida com o bairro de Campinas que fica depois do Taquaral, na região da CPFL (até na altura dos prédios), é uma área que não existia até o final do século XX. Por isto é que penso que, na verdade, toda a área do Plano Piloto de Brasília está transformando-se, cada vez mais, em um centro ampliado da cidade (como o centro ampliado de São Paulo capital). É ele que está tombado pela Unesco e não as demais áreas urbanas do Distrito Federal. Como, pela constituição da República a capital do país é necessariamente município único, estas áreas que antes eram mais conhecidas através do termo "cidades satélites" nunca foram verdadeiramente cidades satélites, porque estavam e estão mais para o conceito de "distrito" interno de uma cidade do que para o de outros municípios. Grande parte das cidades brasileiras tem lá os seus distritos. Campinas tem pelo menos quatro, Barão Geraldo (onde está situada a Unicamp), Sousas, Joaquim Egídio e Nova Aparecida (nem por isto estes distritos são considerados cidades satélites de Campinas). Este núcleo urbano que vemos nestas fotos aqui embaixo é o mais populoso da cidade; muito mais do que o núcleo urbano do Plano Piloto; mas é enganoso pensarmos que este núcleo é o mais pobre e periférico, porque não é. Taguatinhga, por exemplo, é um núcleo urbano bem desenvolvido e Águas Claras, com seus prédios de apartamentos mais altos do que no Plano Piloto, é claramente um núcleo habitacional de classe média.

Taguatinga, Ceilândia, Samambaia, Águas Claras. Brasília, 23 de outubro de 2009. Foto: Alberto Nasiasene

Aqui embaixo vemos a área urbana onde fui criado em Brasília, a Asa Norte. Foi aqui que passei minha infância e minha adolescência. Só que, em minha infância e em minha adolescência, a Asa Norte não estava completa e a maior parte das áreas reservadas às demais quadras ainda não era construída (por isto é que digo que brinquei minha infância no cerrado interior que ainda havia nestas futuras áreas urbanas). Para além da Asa Norte, vemos o imenso campus da Universidade de Brasília (que, em minha infância, era também quase todo preenchido pelo cerrado, porque somente aos poucos é que a universidade foi sendo construída). Ainda há algumas quadras da Asa Norte que não foram construídas, mas logo elas serão preenchidas também (se não me engano, são as que foram doadas à UnB e ainda deve haver algum empecilho imobiliário que trava a construção destas poucas áreas remanescentes que ainda não foram construídas dentro do Plano Piloto; provavelmente algo a ver com a especulação imobiliária pura e simples).

Asa Norte. Brasília, 23 de outubro de 2009. Foto: Alberto Nasiasene

Até durante minha adolescência, nos anos 1970, a península do Lago Norte não estava inteiramente construída com as mansões. Lembro-me que ela permanecia quase toda vazia e somente algumas casas em algumas quadras eram construídas. Como vemos até hoje, não há nenhuma ponte ligando a península norte à Asa Norte, como há na península sul. Não sei por que isto acontece (já que a burguesia local ama pontes e as tem como pontos turísticos importantes).

Nas imediações do aeroporto ainda vemos áreas de cerrado importantes e belíssimas. Espero que elas não sejam devastadas nos próximos anos, pelas mansões que se erguem ao lado. Infelizmente, foi o que aconteceu nas áreas reservadas ao Park Way. Tenho uns amigos que se mudaram para lá e construíram sua casa. Lembro-me que a primeira vez em que estive lá, havia uma paisagem belíssima com buritis e que, alguns anos depois, ano passado, ela já não existia (eu pensava que aquele povo que estava indo morar naquele lugar pensasse que faz parte da qualidade de vida manter a paisagem natural como era, mas enganei-me, eles estavam mais preocupados somente com a beleza de suas casas).

Aeroporto de Brasília. 23 de outubro de 2009. Foto: Alberto Nasiasene

Alberto Nasiasene

Jaguariúna, 19 de janeiro de 2010

Rota Mogiana de Alberto Nasiasene é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil. Based on a work at www.rotamogiana.com.

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