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Nossos desafios e nossa agenda


No debate político atual é preciso deixar bem claro alguns conceitos cruciais para evitar tanto as ambiguidades, quanto a confusão semântica de conteúdos. Por exemplo, quando se questiona o agronegócio como ameaça ambiental e socioeconômica é preciso deixar bem claro que o problema maior não é o negócio agrícola, mas a lógica do grande capital na agricultura. Isto é, em agricultura, não é possível pensar que não se haja a comercialização da produção, mesmo do pequeno agricultor ou agricultora. De nada adianta a agricultura familiar trabalhar intensivamente em sua pequena ou média propriedade agrícola se sua produção não puder ser comercializada no mercado local, regional ou nacional.

Portanto, devemos manter o foco correto ao discutir as questões relativas ao agronegócio, em meio às questões ambientais e socioeconômicas. Isto quer dizer que precisamos distinguir muito claramente o grande capital do agronegócio do negócio da agricultura familiar. Isto posto, é preciso agora distinguir vários tipos de grande agronegócio. Por exemplo, a maior parte do agronegócio é voltada para a produção de soja, de milho, de cana. Entretanto, este agronegócio do grande capital agrícola não produz todos estes produtos para alimentar a mesa do povo brasileiro. Ao contrário, grande parte desta produção vai para exportação e não para a mesa do povo brasileiro. Além disso, não há tradição popular, no Brasil, de grande consumo de soja. Ao contrário, a soja é mais usada, na cozinha brasileira, como fonte principal de óleo comestível (aqui não se usa o shoyu com intensidade que se usa nos países do extremo oriente para fritar tudo). Além disso, é matéria prima de rações animais. Claro, isto não deixa de ser importante para o consumo interno, mas é preciso lembrar que a maior parte desta produção é exportada.

Nem falamos do uso intensivo dos agrotóxicos e dos transgênicos pelo agronegócio. As questões ambientais são também importantes aspectos embutidos no agronegócio e as suas ligações com o poder econômico dominante também. Não se pode ocultar as ligações políticas do agronegócio com as classes dominantes mais truculentas e setores políticos mais retrógrados, com amplas raízes históricas advindas desde o período colonial.

Também não podemos esquecer que o agronegócio, enquanto negócio capitalista em si mesmo, não é o principal fator de desenvolvimento socieconômico para o nosso país. Ao contrário, é um fator que mantém a economia de nosso país sob a dependência de mercados centrais, de modo subordinado (em uma relação que não é muito diferente, estruturalmente, da relação da colônia brasileira com Portugal durante os séculos XVI, XVII, XVIII e XIX). Além disso, o valor econômico desta produção não é um valor que embute maiores valores agregados assim como os produtos industrializados o fazem. Portanto, não podemos nos deixar ser capturados, enquanto economia, somente pela importância bruta e relativa do agronegócio (já se vai longe o período da cana de açúcar colonial e do café imperial, com o trabalho escravo).

Somente o desenvolvimento do processo industrial com força e complexidade suficiente, dominando todas as fases da Terceira Revolução Industrial (inclusive a geração de conhecimento e novas tecnologias), em nosso país é que nos tornaremos, plenamente, uma sociedade desenvolvida em equivalência com os países centrais do capitalismo ocidental (não queremos manter uma posição subordinada, mas sermos parceiros em igualdade genéricas de condições). Portanto, não nos iludimos mais com a cantilena das camadas dominantes vinculadas ao agronegócio, desde Getúlio Vargas. Foi Vargas, ele mesmo, durante o período da República Velha, ministro da fazenda de Washington Luís, que desencadeou o mais sistemático processo de reversão das estruturas econômicas brasileiras em direção à criação de uma forte dinâmica industrializante interna que foi fazendo com que o Brasil fosse deixando sua dependência de exportação de um único produto agrícola, no caso, o café.

Por estas e por outras razões é que nos opomos decididamente contra o neoliberalismo que quer nos recolonizar. Não adianta nada todos os seus sofismas pseudo analíticos tentando nos convencer de que somos inferiores e destinados à dependência eterna face aos países do norte. Não é questão de dizer que isto não nos convence, porque não se trata de retórica e argumentação meramente discursiva. O que afirmamos é que nossos interesses socioeconômicos são opostos a estes interesses externos, com seus aliados internos. Portanto, estamos em campos opostos de luta política explicitamente. Isto quer dizer que não é pela mera argumentação verbal ou escrita que iremos continuar empunhando nossas bandeiras de lutas e nossas metas políticas, econômicas e sociais. Ao contrário, não acreditamos em bate boca, mas em ações concretas, sabiamente pensadas e planejadas coletivamente.

É interessante ressaltar que a candidatura neoliberal tucana venceu com maior margem onde o agronegócio é a atividade econômica predominante (até porque o grande capital do agronegócio não usa muita mão de obra trabalhadora, já que é intensamente mecanizado) e Dilma venceu em estados que, aparentemente, deram vitória à candidatura tucana, nas áreas onde predomina a agricultura familiar, como o Oeste de Santa Catarina (composto por imigrantes e descendentes de imigrantes de origem italiana). Portanto, ao analisarmos, detalhadamente, os mapas eleitorais temos muitas surpresas que nos fazem perceber que as dicotomizações simplistas de amadores são completamente equivocadas.

Portanto, é preciso agora matizar, mais detalhadamente, as diferenças internas da agricultura familiar. Por exemplo, há diversos modos e modelos de negócios de organização da agricultura familiar. Isto quer dizer que mesmo a agricultura familiar, pelo menos parte dela, usa também agrotóxicos e nem sempre tem uma relação mais adequada com o meio ambiente só porque é agricultura familiar. Não podemos confundir agricultura familiar com agricultura orgânica (ou agroecologia), porque são dois tipos diferentes de atividade agrícola que podem ser realizadas em pequenas e médias propriedades agrícolas. Ambas são agricultura familiar, mas pode ser que o pequeno agricultor também use agrotóxicos e não seja adepto da agricultura orgânica.

É esta agricultura familiar que garante a maior parte da alimentação do povo brasileiro, não o agronegócio, mas nada impediria, em tese, que o grande capital do agronegócio também tivesse uma produção alimentar e agrícola mais diferenciada e mais adequada ao respeito ambiental. Além disso, em tese, não haveria nenhum impedimento de uma agricultura orgânica em larga escala (mas não somos ingênuos em pensar que isto se dará espontaneamente, porque compreendemos claramente a ideologia avassaladora alienante dominante que conduz ou é conduzida pelo grande capital do agronegócio).

Portanto, na atual luta política precisamos ter bem claros estes conceitos e ir aprofundando o conhecimento empírico concreto sobre as questões relacionadas com a agricultura no Brasil, face aos problemas importantes do meio ambiente. O campo é vasto para quem está nesta luta, tanto na academia, quanto nos movimentos sociais, quanto nos movimentos políticos.

Alberto Nasiasene

Jaguariúna, 29 de outubro de 2014

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