Economia criativa e solidária
Neste site, desde o início, aponto para as possibilidades de desenvolvimento, numa perspectiva econômica, sócio-ambiental e política, mais equilibrado e mais sustentável, que pode sim se contrapor, ao mesmo tempo, aos processos econômicos, sociais, políticos, culturais e ambientais, truculentos e avassaladores, que o modo de produção capitalista tem gerado neste país, desde que se implantou profundamente, a partir da esfera de produção econômica, com o fim da economia escravista, no fim do século XIX. Não sou daqueles que idealizam um passado romântico que se deve recuperar ipsis litteris (porque o passado nada tem de ideal, já que comporta também seus problemas, suas vantagens e desvantagens em todas as esferas da vida). Pode parecer estranho para quem não me conhece a fundo, mas, mesmo sendo historiador (ou talvez por isto mesmo), não gosto da idealização de um passado romântico que nunca houve e, quando estudo a história, estou mais preocupado em perceber as raízes, mesmo que sutis, do presente que temos hoje e tentar imaginar ou projetar, pela práxis cidadã, um futuro possível, coletivamente, nas lutas políticas que vivemos cotidianamente do que em ficar idealizando um passado de ouro que se foi. Já não sou mais um jovenzinho universitário vivendo em plena ditadura militar e não acredito mais em voluntarismos individualistas a la Guevara (embora devo ter muito destes arquétipos guevaristas ainda presentes em meu inconsciente, mas não os vejo de modo literal, mas reconstruídos de forma inteiramente diferente do que eram em minha juventude).
Em mais de trinta e cinco anos de lutas democráticas contra a opressão das estruturas sócio-econômicas e políticas dominantes desta sociedade profundamente desigual, já devo ter amadurecido alguma experiência de vida para não me iludir apenas com palavras de ordem, nem com superficialidades retóricas de discurso radicaloide de esquerda juvenil inconsequente (que gosta de esculhambar tudo, mas não tem o menor compromisso de ir construindo, aqui e agora, alternativas concretas e cotidianas para as classes populares). Como sou educador de história, em uma escola frequentada por uma camada social excluída secularmente, nesta cidade de Campinas, neste estado de São Paulo e neste país, posso afirmar que meu compromisso maior (principalmente através de minha atividade profissional, que é a educação) é para com este povo mais sofrido e mais atingido cotidianamente por todas as políticas macroeconômicas de vários tipos de capitalismo (o capitalismo baseado em crescimento puxado pelas multinacionais, no período da ditadura militar; o capitalismo industrializante desenvolvimentista dos anos do populismo trabalhista pré-1964, com a forte oposição udenista liberal golpista que o limitava e o intimidava; o capitalismo corporativista autoritário, simpatizante do fascismo, do velho Vargas do Estado Novo; ou o capitalismo liberal periférico dos fazendeiros de café pré-Revolução de 1930), herdeiros diretos e indiretos, nos corpos, nas mentes, nas casas e no bairro onde moram, das políticas macroeconômicas do período escravista imperial (afinal, minha comunidade é um quilombo urbano, chamado de "Buraco do Sapo", pejorativamente, pela classe média campineira, ou seja, uma das favelas de Campinas; mas eles preferem se auto-intitularem Vila Vitória - e esta auto designação faz referência à resistência das classes dominadas neste país diante da opressão econômica de cada dia). Não sou educador de história para reproduzir, passivamente, uma mão de obra dócil que pode ser queimada como carvão (como dizia Darcy Ribeiro) na fornalha deste modo de produção capitalista, muito menos nesta deletéria versão neoliberal aplicada principalmente nos anos 1990 (não por acaso sou inimigo visceral dos setores que querem trazer de volta as políticas macroeconômicas neoliberais para o centro das decisões políticas recapturando as rédeas do poder federal em suas mãos; rédeas perdidas na eleição de 2002).
Educo para a libertação cidadã que vai muito além do mero treinamento e formação de serviçais ou subempregados para a classe média campineira (não sou nenhum tutor de senzala para os netos dos senhores escravistas; muito menos para o que restou desta sociedade paulista dos preadores de índios do período bandeirista). Mas não creio em uma educação humanista meramente abstrata (como a jesuítica dos séculos coloniais) e alienada, porque sou adversário do suposto ensino tradicionalista bancário (do depósito compulsório e mecânico, nas mentes, via decoreba, sacado nas provas e avaliações mecanicistas formais enganadoras). Sei que é, muitas vezes, quase que como nadar contra a correnteza, entre massas de professores treinados (sem senso crítico suficientemente desenvolvido) para reproduzirem (sem perceber) o sistema opressivo e excludente em sala de aula, no sistema público de ensino (o sistema desenhado para os filhos do povo, não para os filhos da classe média mais remediada paulista), lançando, todos os anos, massas de indivíduos deculturados, despreparados, sem senso crítico e passivos para serem triturados pelo modo de produção capitalista neste estado de São Paulo ou para engrossarem as fileiras marginais de mercados ilícitos com substâncias provindas de plantas importadas ilegalmente dos países andinos e do Paraguai.
Ao longo destes anos em que mantenho este site e o Semeando História, tenho feito minha resistência cidadã ativa contra este estado de coisas e tenho nadado contra a correnteza do main stream da sociedade de massas industrial e alienante. Isto porque possuo um back ground socialista que não reneguei, pós Muro de Berlim (aliás, antes do Muro ser demolido, militante fundador do PT, já havia participado coletivamente de um processo de renovação do pensamento marxista que não era e nunca foi monopolizado pela versão stalinista, nem leninista, nem trotskista; já que as escolas de Frankfurt, Lukács e Gramsci, por exemplo, já apontavam outras direções metodológicas questionadoras tanto do stalinismo, quanto do trotskismo). Entretanto, como não nasci no estado de São Paulo e só cheguei aqui com vinte e cinco anos, em 1985, sempre senti muita necessidade de me situar, preliminarmente, nos alicerces históricos que fundamentaram a estrutura sócio-econômica, cultural, geográfica e política deste estado para poder fazer alguma contribuição original à luta comum por uma sociedade menos desigual.
A pesquisa sobre as tecnologias desenvolvidas pelos muitos povos indígenas que habitavam e ainda habitam o Brasil, é uma de minhas contribuições para a militância por uma sociedade mais equilibrada, tanto com respeito às estruturas sociais em si mesmas, quanto com respeito ao convívio destas sociedades com o meio ambiente. Além disso, não endosso nenhuma atitude escapista, como aquela da contra-cultura hippie dos anos 1960. O que endosso, ao contrário, é que devemos nos apropriar, criticamente, enquanto etnia luso-brasileira, elevando dialeticamente a um nível superior de vivência científica (afinal vivemos no século XXI e não defendo que devamos adotar, como neo fundamentalistas, a cultura de qualquer povo indígena, muito menos voltar a viver como se vivia tradicionalmente), toda esta infra-estrutura tecnológica anterior, neglicenciada e destruída em séculos de colonização, numa nova conformação moderna bem brasileira que consiga ressaltar, mais respeitosamente, a herança indígena que temos e que possa transformá-la em produtos culturais, intelectuais, morais, ambientais etc. Por "produtos" estou a me referir aos resultados práticos, tangíveis ou intangíveis, de conhecimentos que emergem da junção dialética de nossa rica herança européia portuguesa, com nossa herança, também riquíssima, indígena e africana.
Com isto, por outro lado, não estou a reforçar o chavão dos três elementos constitutivos de nossa herança sócio-cultural, como foi estabelecido na história tradicional sobre o Brasil; muito menos na versão gilberto freyreana. O que estou afirmando principalmente é que devemos rever, em detalhes e em profundidade, toda a imensa riqueza de nossa herança indígena e africana, incorporando ao senso comum, via educação pública, as novas pesquisas e descobertas feitas nestas décadas todas de século XX sobre os povos indígenas e africanos que ajudaram a constituir a formação social brasileira como a temos hoje (plena de contradições e tensões que vão muito além do modo de produção capitalista dominante propriamente dito).
Este movimento de revisão e incorporação, gradual, que a educação pública deve fazer à cidadania brasileira de modo geral, não é apenas um movimento puramente ético e moral de valorização abstrata de nossa plurietnicidade (não acredito em crises morais que explicam fenômenos históricos muito mais profundos e complexos). Ao contrário, penso que é um trabalho enriquecedor de nossas próprias forças produtivas em geral, que irá desembocar, direta e indiretamente, no desenvolvimento sócio-econômico do país como um todo. Isto é, não creio que devemos continuar a pensar a economia exclusivamente nos termos estritos das duas Revoluções Industriais que fundamentaram e difundiram o capitalismo como modo de produção pelo mundo (a começar pela Inglaterra). Claro que não defendo teorias e modismos "verdes" como "descrescimento" ou "economia sustentável" abstrata e esotérica (só presente no discurso de movimentos verdes, alienados convenientemente, complementares e parceiros de seus aliados neoliberais). Não creio que possamos proveitosamente voltar atrás da era industrial e vivermos sem indústrias, sem comércio e sem mercadorias, materiais e imateriais, que satisfaçam nossas reais necessidades; mas também não creio que o modo de produção capitalista, especialmente em sua versão mais deletéria, que é a versão neoliberal, seja a única maneira de realizar esta sociedade industrial ultramoderna (ou "pós-industrial" e "pós-moderna"). Não penso que devemos resgatar, ipsis literis, as comunidades socialistas utópicas pré-marxistas, por outro lado. O que afirmo é que outros modos de vida, paralelos ou substitutivos ao capitalismo truculento, podem ser criados por movimentos sociais mais amplos, não como resultados de crenças futuras que poderão acontecer, mas como realidades palpáveis que podemos averiguar (e mensurar) à volta do mundo e em nossa própria sociedade (e não devemos descartar a priori as sociedades indígenas existentes como possibilidades concretas de vida sócio-econômico e política que estão, aqui e agora, nos mostrando que o capitalismo não é a única via de se viver a modernidade, porque os índios podem continuar a ser índios, preservando sua cultura e estrutura social, sem deixar de aproveitar elementos de nossa sociedade; sem falar que, bem ou mal que seja, a China e Cuba estão aí também para nos mostrar que o socialismo concreto não morreu inteiramente enquanto realidade histórica atual, que pode não só ser pesquisada por historiadores, como a ex-URSS, mas por sociólogos, economistas, antropólogos, cientistas políticos enquanto realidade atual).
Bem ou mal que tenha sido a experiência do modo socialista de produção, na Ex-URSS, ficou provado que a sociedade industrial pode ter outra conformação que não a capitalista de total livre mercado (na verdade, livre monopólio) e Estado mínimo. O que ficou provado também é que aquela experiência, no confronto bélico, de Guerra Fria ou guerras quentes da periferia (Coreia, Vietnã, descolonização da África etc.), com o mundo capitalista industrializado ocidental da Otan, com base na produção lucrativa e eficiente da própria guerra, não foi bem sucedida por "n" motivos que ainda precisam ser melhor explicados analiticamente pelos historiadores não neo-liberais e não trotskistas. Além disso, ficou provado que o marxismo vulgar estava redondamente enganado ao acreditar que havia alguma lei evolucionista inevitável que conduzia a história rumo ao socialismo e ao comunismo, porque os acidentes históricos da conjuntura história específica, de final da década de 1980 (portanto, não tanto tempo atrás), dependente das escolhas humanas bem concretas (e bem subjetivas), presentes nas políticas de um Gorbachev (da Glasnost), diante de um Ronald Reagan (neoliberal) demonstraram que os processos históricos são construções humanas que podem avançar ou retroceder, construir e ser desconstruídos (e isto vale tanto para a ex-URSS, quanto para o neoliberalismo do mundo ocidental, que, aparentemente, saiu vitorioso da "Guerra Fria" mas não pode escapar de si mesmo, em sua hora da verdade, na crise de 2008).
Antônio Gramsci (que não deve ser lido com o viés stalinista, como alguns ex-stalinistas filo albaneses tentam fazer, porque ele era radicalmente adversário interno das políticas de Stalin e do modo mecanicista anti-dialético stalinista de pensar a sociedade presentes em grupelhos que se julgam "vanguarda do proletariado" sem procuração do próprio proletariado para isto) já havia apontado, desde os anos 1930, que havia outros caminhos a seguir para as conquistas socialistas (ou democrático-populares) em meio às democracias do ocidente que não eram os inaugurados pela Revolução Russa em 1917 (que ele contrapôs, metafórica e politicamente, entre as estratégias de guerra de posições versus guerra de movimentos, fazendo alusão à Primeira e Segunda Guerra). Este aprendizado eu o tive na militância do iniciante Partido dos Trabalhadores (inclusive convivendo com muitos destes trotskistas que hoje fazem parte de partidos que nasceram de dissidências internas do PT, como o PSTU e PSOL), enquanto era estudante de ciências sociais na UFPB (no início dos anos 1980) e ninguém o irá tirar de mim, porque está profundamente enraizado em minha vivência intelecto-existencial.
Alberto Nasiasene Jaguariúna, 9 de maio de 2013
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