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Novos recursos didáticos num novo século pleno de possibilidades


Este ano comecei a realizar um intercâmbio cultural-pedagógico com Moçambique através de um contato com um professor de história que é também diretor de uma escola primária em Moçambique, na Província de Gaza, na cidade de Chibuto. Inicialmente, comecei meu contato com ele através de e-mail (já sou velho e, como sou educador de adolescentes, já percebi que os e-mails já estão ultrapassados como forma predominante de comunicação e só velhos é quem os usam com mais frequência; porque as novas gerações usam outras formas de comunicação e raramente abrem suas caixas postais digitais propriamente ditas).

Este intercâmbio cultural com Moçambique surgiu inicialmente por causa de um projeto lançado por uma assessora da secretária municipal de ensino da Prefeitura Municipal de Campinas, chamado de Cores da Vida. É uma das formas de contribuir com a lei 11.645 que introduz o ensino da história e cultura da África e dos povos indígenas brasileiros como currículo obrigatório nas disciplinas de história, português e artes. Entretanto, como minha ligação afetiva e existencial com Moçambique remonta há trinta anos atrás, pelo menos (preparei-me durante quatro anos para ser enviado para Moçambique, na segunda metade da década de 1980), logo pensei em incluir também neste intercâmbio uma dimensão pedagógica. Por isto é que falo em intercâmbio cultural e pedagógico com Moçambique e, por meio dele, com o universo africano de modo geral.

É uma primeira tentativa de estabelecimento de vínculos pessoais, diplomáticos e culturais-pedagógicos com Moçambique nesta era digital que não havia na década de 1980 (se houvesse, já estaria conectado com Moçambique há mais de trinta anos seguidos). Estamos testando maneiras práticas, factíveis e baratas de comunicação que não demandam muito esforço, nem muitos investimentos financeiros em infraestruturas entre mim e o professor Ricardo Manganhe, mas também entre nossos estudantes cá no Brasil, na América do Sul, e lá, em Moçambique, na África.

Os primeiros resultados estão sendo animadores, porque não há nada como ver o rostinho dos adolescentes se comunicando diretamente com Moçambique e recebendo de lá respostas, imagens e textos escritos por moçambicanos. Ou seja, descobri como usar este recurso como instrumento didático para cumprir a própria lei 11.645 de modo prático e estimulante para os estudantes. Isto quer dizer que é dentro da sala de aula mesmo que o diálogo ocorre, algumas vezes, apesar da diferença de fusos horários (Moçambique está cinco horas adiantado em relação ao fuso horário de Brasília em que estamos; isto quando não estamos em horário de verão).

A própria diferença de fusos horários é didática para nossos estudantes, porque assim eles podem compreender de modo mais prático o que aprendem em geografia e descobrem que o nosso planeta é esférico de modo que a vida cotidiana das pessoas não ocorre no mesmo tempo e do mesmo modo em que está ocorrendo conosco. Além disso, nada como entrar em contato com pessoas de outros países africanos para tentar entender o que é a África hoje (não a África mitológica da religião que existe na mente dos afrodescendentes brasileiros, nem a África histórica da existência do tráfico escravista dos séculos anteriores que prevalece na imaginação do cidadão comum brasileiro) a partir da visão de cidadãos africanos.


Outro elemento estimulante que estamos descobrindo com este intercâmbio é o choque de culturas (apesar de falarmos, em tese, a mesma língua portuguesa). Os moçambicanos falam português como segunda língua (e com sotaque português de Portugal, não como se fala português no Brasil). Além disso, o vocabulário, o repertório existencial e os costumes são diversos dos que vivemos em nosso cotidiano. Isto é um fato de estímulo da curiosidade de nossos estudantes e abre um imenso caminho para pesquisa a partir da própria sala de aula.

Além de tudo, o intercâmbio cultural-pedagógico que mantenho com o professor Ricardo Manganhe me estimula a pesquisar mais profundamente a história de Moçambique (comprei inúmeros livros sobre a história, a economia e a cultura de Moçambique, além de ter pesquisado muito sobre a arte musical de Moçambique pela própria internet). Já estou mais familiarizado com a história e a cultura de Moçambique e posso entender melhor qual é o contexto social, econômico, histórico e pedagógico do qual fala o professor Manganhe dirigindo-se a mim via Whatsapp (que foi o meio mais prático de comunicação sugerido por ele no começo, já que, para ele, abrir a caixa postal de seu e-mail é mais difícil porque ele precisa se deslocar para uma cidade maior do que a que mora).

Aqui embaixo vou inserir trechos dos diálogos que mantive com ele, porque já os fiz pensando de modo mais refletido para aprofundar posteriormente em textos mais consistentes e teóricos.

Professor Ricardo Manganhe

Escola onde ele é diretor, em Chibuto, província de Gaza, Moçambique (a língua materna destas crianças é o shangana e é na escola que elas aprendem a falar português, a língua oficial de Moçambique)


Caro amigo,

professor Ricardo Manganhe.


Conectei meu whatsapp em meu lap top, com ajuda de um colega professor, na escola [que me ensinou como fazê-lo]. Pensei que seria uma boa maneira de tornar mais prático, como recurso didático, nosso intercâmbio, porque agora posso conectar a página do whatsapp na internet na televisão [da sala de aula], via cabo HDMI, de modo que os estudantes podem, todos, ao mesmo tempo, ouvir as mensagens de voz [de modo bem audível para todos eles ao mesmo tempo].


Além de tudo, com o teclado do lap top é muito mais fácil, para mim, que sou deficiente visual, escrever direito, sem que o aparelho do celular fique corrigindo erradamente as palavras automaticamente e não usando os acentos típicos do português [como ele faz de modo irritante, porque o programa não foi feito por um falante de língua portuguesa e o aparelho celular é feito mais para os adolescentes, que tem visão muito boa, não pra alguém que enxerga mal como eu, que já sou velho].


Você me fez uma pergunta uns tempos atrás. Agora é que gostaria de respondê-las (porque no teclado do lap top é mais fácil).


Como disse, em mensagem de voz, no Brasil temos vários tipos de sistemas de ensino. Temos o sistema público e temos o sistema privado. Dentro do sistema público, temos vários níveis de responsabilidades e organizações. Por exemplo, temos o nível federal, com escolas técnicas de nível médio e universidades (geralmente, as melhores universidades que temos). Além disso, temos o nível estadual e municipal. Por isto é que dizemos que somos professores da rede pública municipal de Campinas e não da rede pública estadual paulista. Isto quer dizer que nosso sistema municipal é administrado pela Prefeitura, que, no Brasil, tem as funções de governar uma cidade (o prefeito é o governante eleito diretamente por meio do voto popular dos eleitores, mas ele governa com uma Câmara de Vereadores, com vereadores também eleitos pelo voto popular). Este é um ano de eleições municipais no Brasil. Os mandatos duram quatro anos, mas podem ser reeleitos por mais quatro (ou não, dependendo das eleições).


No caso do estado de São Paulo, temos uma rede estadual de ensino que possui uns 250 mil professores (é imensa e espalhada por todas as cidades do estado de São Paulo). A rede estadual é gerida pelo governo estadual, com seus secretários. No caso paulista, estamos com um mesmo partido, o PSDB, no governo há várias eleições seguidas. Este é um partido que adotou uma ideologia neoliberal que nada tem que ver com o próprio e suposto nome do partido (não há nada de socialdemocrata mais neste partido que nasceu em 1988).


Em Campinas somos, atualmente, governados pelo PSB em coligação com o PSDB. O prefeito é do PSB (mas veio do PSDB) e o vice prefeito é do PSDB. Entretanto, apesar dos nomes, também o atual partido do prefeito Jonas Donizete não é mais defensor da ideologia socialista democrática porque também aderiu ao ideário neoliberal e renegou sua própria história recente (rompeu a aliança que tinha com o Partido dos Trabalhadores anteriormente e foi compor com a oposição neoliberal ao Lula e à Dilma).


Na área da educação, temos leis nacionais, chamadas de federais, que são as que organizam de modo geral o sistema público de ensino (independentemente de ser municipal ou estadual), mas temos também leis estaduais e municipais (que não estão acima das leis federais). Portanto, certas realidades não mudam, independentemente de qual seja o partido que esteja no poder (pelo menos em tese, porque, agora, com o golpe em andamento, não temos mais segurança jurídica para afirmar isto categoricamente).


A rede estadual paulista, governada pelo PSDB, é gerida sob um ideário neoliberal muito danoso na educação. É o que eles costumam chamar de "choque de gestão", ou "enxugar a máquina estatal" e gerir melhor os recursos financeiros, que, na prática, significa cortar gastos [muito mais do que racionalizar gastos para evitar desperdícios, significa, pura e simplesmente, cortar, mantra neoliberal que gostam de entoar para suas cabeças de planilha]. Por isto é que o número de alunos em sala de aula, para cada professor, na rede estadual, pode chegar até 50 ou mais alunos matriculados em uma mesma turma. É um descalabro, porque com esta quantidade de alunos por professor, nas condições em que vivemos nesta sociedade industrializada do século XXI, é praticamente impossível ensinar com qualidade [e o objetivo claro deste tipo de política é somente gastar menos com folha de pagamentos, já que com menos turmas, menos professores são necessários].


Nossa rede municipal, que não obedece aos critérios da rede estadual, não tem classes tão numerosas quanto as estaduais. Entretanto, estamos vivendo uma transição histórica na educação brasileira que aponta (se o golpe não prosperar) para que o país invista pelo menos 10% de sua economia na educação (com o dinheiro que virá do petróleo entrando nesta conta). Antes o Brasil estava investindo por volta de 5% de sua economia em educação pública. Com o plano decenal, aprovado em 2014 ainda no primeiro mandato da presidenta Dilma, temos a meta de, em dez anos, quase que dobrar este índice até atingir os 10% do PIB.


Esta é uma das razões do golpe, não querem que a sétima economia do mundo invista pesado na melhoria de seu sistema público de ensino (tanto interesses internos, como, por exemplo, o sistema privado de ensino; quanto interesses externos, porque, em dez anos, com dez por ceto do PIB transforma-se radicalmente a realidade social e política de um país)


Não querem que o Brasil se consolide como potência de porte médio e, se continuarmos a seguir o rumo que estávamos seguindo, ser a quinta economia do planeta. Isto significa, para os países mais industrializados, como a Alemanha, por exemplo, ter o Brasil como um forte concorrente econômico externo e, para os EUA, um aliado incômodo que pode se recusar a dizer sim senhor, como eles querem e fizeram até antes do governo Lula, em 2003.


Nosso projeto de escola integral que está em vigor na escola onde leciono, tem menos de trinta estudantes por classe e as crianças e os adolescentes estão recebendo educação durante o dia inteiro, já que entram às 8:00 e saem às 16:20 h. São crianças e adolescentes da periferia social brasileira que, se continuarem a obter uma educação de qualidade melhor, a cada ano, dentro de dez anos, deixarão de ser excluídas social e economicamente de uma sociedade municipal como a campineira, extremamente racista e concentradora de riquezas nas mãos de umas poucas camadas sociais tidas como "elite" (no nosso caso, aqui, em Campinas, geralmente, de cor branca e origem, muitas vezes, italiana). Por isto mesmo é que enfrentamos, cotidianamente, uma luta intensa em avançar nesta enorme conquista (sendo que parte do próprio professorado, com origem na suposta elite, ou ideologicamente identificados nesta tal elite, não é parte dos sujeitos que protagonizam a linha de frente pela melhoria da qualidade do ensino público).


Depois irei tentar explicar pontos específicos desta fala.

Semeando História de Alberto Nasiasene é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil. Based on a work at semeandohistoria.com.


Alberto Nasiasene


Jaguariúna, 16 de junho de 2016

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