Moçambique ainda está constituindo-se enquanto nação
Moçambique é um país em construção e será uma nação diferente do que ocorreu no Brasil. Ora, se é costume dizer que o Brasil é um país em construção, com seus quase duzentos anos de independência face a Portugal (faltam apenas cinco anos para completarmos os duzentos anos); imaginem então em relação a Moçambique, que só ficou independente de Portugal em 1974 (é um país mais jovem do que eu, que nasci em 1960). Isto tem seu lado favorável e desfavorável, ao mesmo tempo, como tudo o que é humano.
Portanto, penso que os intelectuais e estadistas de Moçambique precisam refletir criticamente (ou seja, com critérios conceituais) em como vão induzir a formação de uma nação pluri étnica que mantenha uma unidade nacional sem negar a suas etnias o status de legitimidade e autonomia. É uma dialética que a Coroa portuguesa não quis que acontecesse no Brasil até o início do século XIX. Para o contexto de então, face à experiência da colonização espanhola, que não conseguiu manter as colônias unidas em um só país, foi um avanço que o Brasil se tornasse independente de Portugal e mantivesse sua unidade territorial (mas hoje não temos tantas certezas assim, porque nos perguntamos, avanço para quem?). Entretanto, é preciso que se saiba que a manutenção da integridade territorial só se deu depois de inúmeras guerras civis internas (no Brasil não se costuma falar nestes termos, mas foi isto mesmo o que ocorreu durante o período do primeiro reinado e todo o período regencial posterior, no segundo reinado; ou seja, de 1822 até 1840). Estas guerras civis na história do Brasil recém independente são chamadas de "rebeliões regionais" (tanto faz o nome, o evento é o mesmo, guerra civil, ou rebelião regional). Houve pelo menos uma em cada região do país. Algumas delas de efeitos devastadores, como a Cabanagem, na Amazônia e a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul.
Ainda continuo estudando estes fenômenos, como historiador que sou. Mas felizmente não estou sozinho, porque é uma temática muito estudada por historiadores brasileiros, sempre com novos enfoques e novos avanços nas pequisas. Por exemplo, estes dias estive vendo, na TV Escola, que é uma televisão vinculada ao Ministério da Educação, uma série sobre a Cabanagem e estou aprendendo elementos novos, porque esta guerra civil da primeira metade do século XIX envolveu inúmeras populações indígenas e quilombolas no Pará e Amazonas (os quilombolas eram escravos fugidos que se escondiam em regiões afastadas chamadas de quilombos, se não me engano uma palavra que vem de uma das línguas de Angola, se não me engano, o quimbundo).
Temos hoje um imenso país, sétima economia do planeta, em processo político conturbado por causa de políticas públicas e democráticas que começaram a sacudir a estrutura socioeconômica profundamente desigual, desde 2003. Imensas massas populacionais foram incluídas no mero mercado consumidor que era monopólio de uma pequena classe média que se cercava (muitas vezes, em muros de condomínios fechados) de privilégios. Por isto mesmo, desde que estas imensas massas começaram a usufruir de direitos mínimos que não tinham, a tal velha classe média já demonstrava sua repulsa a compartilhar, minimamente, privilégios que não eram democratizados para os restantes segmentos sociais.
Há setores que nunca quiseram ser integralmente assimilados à nacionalidade brasileira, como os setores descendentes de imigrantes da Itália e da Alemanha em áreas como a Serra Gaúcha, Santa Catarina e Espírito Santo. Estes setores mantiveram sua mentalidade e cultura originária como um verdadeiro quisto colonial dentro do território brasileiro e promovem, em alguns momentos, um movimento anti patriótico de separatismo ingrato (porque, se vieram da Europa, mesmo que com pequenos capitais, vieram porque lá não tinham as mesmas oportunidades que obtiveram aqui neste país que tanto desprezam). São setores racistas que não aceitam nossa cultura luso brasileira como algo digno de ser defendido, porque é uma cultura mestiça com forte componente indígena e africano. Nada fizeram por construir esta nação, porque, quando vieram para cá, já encontraram um país formado anteriormente com muito esforço e sofrimento de povos indígenas e escravizados africanos, mas querem se apropriar de forma excludente do que encontraram aqui, generosamente, por parte da etnia luso brasileira. Portanto, de um certo ponto de vista, estes setores racistas separatistas representam sim um movimento neo colonial e neo imperialista que está exercendo uma força política contra os interesses deste imenso território e este imenso povo brasileiro.
Se nossa unidade territorial se deu em favor das classes dominantes de origem ibérica, isto não anula o fato histórico de que a riqueza que foi criada neste país (a sétima economia do planeta) foi criada pelo povo trabalhador brasileiro desde os séculos coloniais anteriores (riqueza cumulativa ainda presente em nosso patrimônio histórico e natural). Nosso desafio, para este século XXI, no médio e longo prazo, é democratizar esta unidade territorial em favor do povo brasileiro, não em favor de setores minoritários que são herdeiros de ondas colonizadoras anteriores.
Se Moçambique ainda está se constituindo como nação (processo que já realizamos, duzentos anos depois de nossa independência de Portugal), podemos dizer que o Brasil ainda está se constituindo como democracia de massas e, desde 2003 até o presente momento, meramente começou a organizar com mais consistência seu Estado de Bem Estar Social que está sendo duramente atacado com a intenção de desmonte pelas forças golpistas que tomaram de assalto o poder (irrigadas por todo tipo de canais extra legais de corrupção econômico-política). Mas este processo de corrupção que drena grande parte da riqueza gerada pelo povo trabalhador deste país, não começou agora, já que vem de longe, desde o período colonial.
E não venham com o sofisma hipócrita de que os povos anglo saxônicos, por serem protestantes, são, por natureza, mais honestos com o trato com a coisa pública. Os fatos históricos estão aí para apontar que a Inglaterra, por exemplo, foi um país que comandou um longo processo de pirataria patrocinado pela própria rainha Elizabeth I (naquele tempo em que a Inglaterra era um país bem mais pobre do que a Espanha, por exemplo). Sem falar que este processo de espoliação das colônias espanholas e portuguesas da América foi o que gerou o financiamento do processo que culminou com a Revolução Industrial na Inglaterra do século XVIII (o ouro arrancado, sob o trabalho dos escravizados nas Minas do Brasil, foi parar na Inglaterra, como sabemos, por causa de trapaças diplomáticas dos ingleses que nunca foram honestos com os outros povos que dominaram com base na esperteza e na astúcia).
Neste ponto, a história de Moçambique e Brasil também correm paralelas uma a outra, já que os ingleses também estiveram bem próximos à colônia portuguesa africana do Índico (os ingleses separaram os territórios de Angola e Moçambique, com a ocupação colonial do que hoje é Zâmbia, Zimbabwe, Malawi e África do Sul). Este processo foi tão ou mais desonesto e truculento do que o processo colonizador português (e os ingleses também lucraram muito com o comércio nefando, o tráfico de seres humanos, que ajudou não só a despovoar a África, mas a destruir suas estruturas produtivas).
Bem ou mal que tenha sido, no início do século XXI, estamos diante das mesmas forças históricas internacionais, mas em situação bem diferente do que estávamos nos séculos anteriores. Portanto, o desenlace da história permanece em aberto e nada garante que sairemos, ao final do processo, derrotados e aniquilados como pretendem. Alberto Nasiasene Jaguariúna, 5 de agosto de 2016
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