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O petróleo como matéria prima vai muito além de mero combustível


O petróleo como matéria prima vai muito além de mero combustível. Aliás, a tendência é que o uso do petróleo como combustível decresça cada vez mais, mas isto não significa que o uso do petróleo como matéria prima irá desaparecer. Isto é, precisamos entender como o petróleo é utilizado como insumo importantíssimo para uma cadeia produtiva que vai desde a fabricação de tecidos, passando pela de fármacos, até a multidão de tipos de plásticos e tintas. São tantas as aplicações do petróleo como matéria prima de produtos finais que nem suspeitamos que foram confeccionados usando o petróleo, lá atrás, como matéria prima original. Aliás, a maioria das pessoas nem suspeita que os diversos tipos de plásticos sejam uma das aplicações do petróleo, nem que as tintas que empregam na pintura de suas casas também o sejam. Muito menos ainda, a maioria sequer suspeita que remédios sejam feitos utilizando o petróleo como matéria prima (mas é claro que ninguém precisa se preocupar com intoxicação, porque, no caso dos fármacos, o petróleo entra como matéria prima, mas só é aplicado depois de passar por uma longa cadeia produtiva que o transforma em outros produtos derivados indiretamente do petróleo, mas já muito transformados).

Isto tudo quer dizer que um país que domine todo o processo de prospecção, extração, refino, utilização e transformação de todos os tipos de derivados do petróleo é um país industrializado em um alto grau de complexidade. Este é o caso do Brasil e é por isto mesmo que as políticas públicas criadas nos últimos anos para o petróleo nos distinguem, por exemplo, da Arábia Saudita e dos países árabes. Não quisemos repetir a história destes países tanto no tratamento que eles dão ao petróleo, quanto no destino final da riqueza financeira auferida com a exploração do petróleo (no caso da Arábia Saudita, o petróleo, além de não servir como principal insumo para alavancar todo um processo industrializante no país, mantém uma das monarquias absolutistas arcaicas e concentradora de riquezas do planeta nas mãos de uma família real bem extensa; com suas centenas de príncipes e filhos de príncipes etc.). Este não foi o caminho escolhido para o nosso próprio país, por várias razões, entre elas porque já tínhamos toda uma experiência prévia com a constituição de um patrimônio petroleiro desde Vargas, na primeira metade da década de 1950 (com uma empresa estatal própria que foi, com o passar dos tempos, alcançando padrões de excelência próprios e alçados ao nível das grandes empresas petroleiras mundiais).

Além de tudo isto, especialmente após a descoberta do petróleo da camada do pré sal, ocorrido desde o final do governo do presidente FHC, mas especialmente no governo do presidente Lula e Dilma, houve um movimento social, econômico e político intenso que enfrentou e venceu as enormes pressões externas e internas contra a utilização da riqueza do petróleo a favor de nossos próprios interesses nacionais, mas especialmente com a decisão de investir prioritariamente a riqueza auferida por meio de impostos advindos da produção do petróleo em educação e saúde. O petróleo acaba, mas a educação que o petróleo vai financiar fica para sempre no país, não se esvaindo em contas particulares de milionários individuais concentradores de petrodólares, porque gera um círculo virtuoso que ajuda a alavancar o processo de desenvolvimento socioeconômico e cultural do país. Um povo que tem um processo de educação democratizante e de qualidade não se torna nunca mais uma sociedade pobre e dependente de outras. Vide o caso do Japão, que, aliás, nem tem grandes fontes de matéria prima.

Como fomos colônia de Portugal durante séculos e país dependente de exportações de produtos primários (commodities), sem uma industrialização pujante desde o final do século XIX (como no caso do Japão); embora um país (ou colônia, durante a época colonial) muito rico em matérias primas (tais como a cana de açúcar, o ouro, os diamantes, o café, o ferro etc.), já sabíamos que possuir grandes riquezas naturais não era garantia de desenvolvimento equilibrado em prol de amplas camadas populacionais, nem de industrialização. Aliás, as minorias ricas que têm suas origens nas raízes coloniais, não só do Brasil, mas de outros países latino americanos, com a exportação de produtos primários (commodities) para os países europeus, Japão e para os Estados Unidos, iludidas pelo dinheiro farto das exportações (em períodos de alta no comércio internacional em relação ao produto de que dispõem), nem percebem que a principal fonte de riqueza dos países centrais aos quais estão subordinados não é a de possuir grandes reservas de riquezas naturais, nem grandes extensões de terras agricultáveis, mas a de possuírem um parque industrial que gera altos valores agregados aos produtos que fabricam (mesmo que tenham que importar todas as matérias primas primárias de outros países, como é o caso do Japão). Pensam que é o dinheiro, em si mesmo, que é a fonte da riqueza; dinheiro auferido pela produção de commodities. Ora, o dinheiro (como objeto; real, em papel ou metal, moeda, ou virtual, na forma de cartão plástico, ou dígitos em sistemas informatizados; nada mais é do que um valor abstrato que tem sua origem no mundo concreto da produção) não é a principal fonte de riquezas, ele é apenas uma ilusão se se pensa que é a principal fonte de riquezas de um país. Mesmo que um indivíduo possa movimentar enormes somas de dinheiro, sendo considerado multimilionário, não se pode pensar que um país é como um indivíduo detentor de grandes quantidades de dinheiro.

Um país que possui muito dinheiro acumulado, através de depósitos externos e intermediação financeira e comercial entre outros países, só muito fragilmente pode manter uma aparência de riqueza e na medida em que os outros países que produzem produtos agrícolas, minérios ou produtos industrializados diversos que são trocados, por meio do dinheiro, no comércio internacional. Isto porque não é o dinheiro, em si mesmo, que é a principal fonte de riquezas de um país, especialmente depois que o tal "lastro" em ouro, da moeda em papel, foi abolido, pelos Estados Unidos, no início dos anos 1970. Além disso, mesmo antes do anos 1970, já se sabia que não era o ouro, em si mesmo, que representava a principal fonte de riquezas, pelo menos desde o século XIX.

Portanto, a riqueza auferida com o petróleo pela Arábia Saudita, por maior que seja a quantidade de petrodólares depositada em seus bancos, na medida em que o petróleo vai se esgotando, se esvairá como castelo de cartas. Pior ainda, se esta riqueza ilusória for concentrada nas mãos de uma pequena elite, em detrimento da maioria da população, após o esgotamento das reservas, o resultado dela não irá gerar um país rico (se esvairá para fora das fronteiras do próprio país rapidamente). Já sabíamos disto, porque fomos um país riquíssimo em ouro e diamantes, no período colonial (especialmente no século XVIII), mas toda esta riqueza, além de ter sido canalizada para Portugal, nem em Portugal ficou por muito tempo, indo parar nas mãos da Inglaterra exatamente porque este último país estava começando a criar um processo que hoje nos acostumamos a chamar de Revolução Industrial.

Ora, antes de continuarmos a apontar a importância do petróleo para a indústria, é importante perceber claramente certos conceitos básicos, que podem nos ajudar a entender e analisar, criticamente, o próprio processo da Revolução Industrial ocorrido na Inglaterra no século XVIII. Um dos primeiros, senão o primeiro, intelectuais a utilizar esta expressão "Revolução Industrial" foi Engels, que escreveu o livro A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. Hoje já perdemos de vista o que significava esta expressão, porque já confundimos indústria com fábricas há muito tempo, mas, antes da "Revolução" industrial, o termo indústria estava mais associado à produção (industriosa) manual de produtos não necessariamente tirados da agricultura. Portanto, o artesanato medieval, por exemplo, era considerado como "indústria" (ou seja, como processo industrioso de se criar produtos por meio de habilidades manuais e intelectuais de um determinado tipo de trabalhador ou de trabalho; trabalho feito em casa ou em oficinas próprias). Neste sentido, havia a indústria dos tecidos e das vestimentas bem antes do advento da Revolução Industrial na Inglaterra na segunda metade do século XVIII. Por incrível que pareça, havia sim um comércio internacional de lãs e sedas entre o sul da Europa e a região que hoje é a Bélgica (e Portugal era um entreposto comercial deste comércio marítimo) que gerava a indústria (artesanal) das confecções em tecidos. Havia também, bem antes da Idade Moderna, regiões especializadas em produzir certos objetos materiais baseados em madeiras (a indústria naval, por exemplo, antes da chamada Revolução Industrial, era feita utilizando a madeira), em couros, em metais etc. Estas regiões já promoviam o comércio com outras regiões em busca de trocas que fossem vantajosas para si; trocando o que tinham pelo que não tinham, com a mediação dos mercadores que se tornaram banqueiros (e utilizavam moedas em metais preciosos ou não, porque o cobre também era usado como forma de moeda).

É importante perceber, portanto, a importância de não deixar o petróleo que temos escoar todo para a utilização de combustível que será queimado, não somente por uma questão de consciência ecológica, mas porque esta é uma matéria prima nobre que é importantíssima para várias cadeias industrializantes. Mas, como sabemos, não é a existência de petróleo que faz de um país uma nação rica e industrial. Ao contrário, a Arábia Saudita até pode ser rica (mas será mesmo, se levarmos em conta o nível de vida material de toda a sua população e não apenas o da minoria dominante que governa o país?...), mas de modo algum é um país industrializado e, mais cedo ou mais tarde, quando o petróleo acabar, toda esta riqueza irá escoar rapidamente de suas fronteiras como a água que cai em tempestades ocasionais no deserto.

É possível ver, através destas fotos, como o petróleo movimenta a indústria. Ou seja, não se trata apenas de mero combustível a ser queimado (aumentando o efeito estufa), mas de uma matéria prima nobre que é utilizada da forma mais versátil possível. Claro, o elemento carbono, que está na base da própria vida no planeta Terra (não por acaso a vida é tão versátil também), é o que fornece esta imensa versatilidade para o petróleo como matéria prima que alimenta toda uma imensa e complexa cadeia industrial que abarca vários setores da economia industrial.

A vantagem do Brasil, em relação à Arábia Saudita é que, a despeito de não possuirmos reservas de petróleo em nosso subsolo no mesmo nível da quantidade bruta que há na Arábia Saudita (até agora, as maiores reservas mundiais), é que decidimos democraticamente tomar precauções para evitar que o petróleo existente em nosso subsolo se torne uma maldição, ao invés de uma bênção dos céus. Mesmo porque, o uso do petróleo como combustível irá diminuir neste século XXI e o que sobrará será a sua utilização como matéria prima para o processo industrial. Não posso aquilatar como será esta transição e como ela afetará o próprio parque industrial petroquímico, na medida em que as refinarias deixem de produzir grandes quantidades de gasolina e diesel (pela diminuição do consumo deste tipo de combustível fóssil, substituído por outros tipos de combustíveis mais autossustentáveis e menos danosos para o aquecimento global); mas posso perceber que isto se dará, de um modo ou de outro. Por isto mesmo é que o Brasil também tem outra vantagem, a de já deter o domínio da produção de combustíveis renováveis tais como o etanol e o biodiesel (e desde a década de 1970, após as crises do petróleo que redefiniram os rumos da própria economia capitalista mundial).

Outra vantagem que temos, face à Arábia Saudita, é que temos um processo histórico muito mais democratizante do que aquela monarquia absolutista por direito divino, com uma larga tradição popular de lutas pelos interesses nacionais brasileiros, dentro de uma longa história em que fomos colônia de um país europeu que nos sugou as riquezas por séculos até conseguirmos nos libertar dele. Nossas estruturas econômicas permaneceram voltadas para o exterior, em detrimento dos interesses de amplas camadas populacionais, mas, ao longo de todo o século XX, acumulamos experiências e mais experiências que chegaram a dar o tom jurídico-político no momento em que as descobertas do petróleo da camada pré sal estavam acontecendo e estas descobertas ajudaram a dar impulso aos setores sociais que não queriam continuar com os modelos calcados em políticas neoliberais decididas pelos conservadores europeus e norte americanos acostumados a explorar o mundo em seu próprio benefício. Mas isto se deu dentro de um solo em que já tínhamos experiência prévia com um processo desenvolvimentista industrializante voltado para os interesses nacionais. Além disso, os setores que acumularam experiência nesta área já tinham experiência histórica de luta política contra os setores que defendem interesses externos em detrimento dos interesses internos do nosso povo.

O melhor de toda esta política vem do fato de que os impostos auferidos pelo petróleo não vão abastecer as contas pessoais de milionários príncipes e empresários árabes, mas serão redistribuídos na forma de investimento em educação para toda a população, de modo que o petróleo pode acabar, mas o que ele deixará para trás não será apenas areia movida pelos ventos quentes do deserto. Alberto Nasiasene


Jaguariúna, 9 de fevereiro de 2014



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