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A geografia sociocultural carioca numa perspectiva histórica



Sempre que estou em férias, aproveito para aprofundar pesquisas, tanto em bibliografia, quanto em pesquisas de campo, em sentido sociológico e antropológico, de modo que, mais uma vez, fui aprofundar as pesquisas de campo que faço sobre o Rio de Janeiro desde 2013, quando fui matricular minha filha na UFRRJ. Aqui embaixo vou publicar os e-mails respostas que escrevi para um amigo professor da UFPB porque este conteúdo é um relatório do que estava fazendo, no calor da hora. Já estou em casa novamente, aqui, em Jaguariúna, região metropolitana de Campinas, SP, no dia 27 de janeiro de 2016. Eis a série de e-mails:


Meu Caro Amigo, Ângelo [me perdoe se não lhe faço uma visita, mas como agora apareceu um portador, mando notícias nesta fita]


Alberto gravando o depoimento do cacique Tupã Darci.

Foto: Loretta Nasiasene. 2016


Acabo de voltar de um périplo em que fui fazer vários documentários, entre eles o dos guaranis de Maricá (estou muito feliz por ter tido a honra de poder fazer estas tomadas lá na aldeia, a mesma aldeia que estava em Niterói, mas foi tirada de forma criminosa do lugar ao lado do sambaquis, por causa da ganância do capital imobiliário). Depois fui a Araruama e ao Sítio do Burle Marx para fazer outros documentários. Estou com um material bem rico para editar em casa assim que voltar.

Alberto gravando depoimento do cacique Tupã Darci. Abaixo, filha do cacique, Sofia e Loretta.Foto: Loretta Nasiasene. 2016



Quando voltar irei procurar os VHSs e averiguar se eles estão comigo ou se os descartei (só guardei os vídeos em que há algum tipo de gravação pessoal, como maneira de tentar recuperar o conteúdo, mas, em todo caso, verei se ainda estou com estes filmes). Ainda tenho um último documentário a fazer amanhã e depois falarei dele. Até logo.


Alberto Nasiasene

Loretta filmando a confecção de uma cesta guarani.

Foto: Alberto Nasiasene. 2016



Olá Alberto, tudo bem?


Que coisa mais rica. Gostaria muito de ver a Folia.


Quando morei em Campinas, em diversas ocasiões pude ver algumas dessas manifestações populares profundas, como a Festa de Santa Cruz (Carapicuíba) e do Divino (São Luiz do Paraitinga), entre outras. Parece que elas nos colocam em contato com algo mais vital. No final do primeiro capítulo de "Dialética da Colonização", Alfredo Bosi nos fala sobre uma dessas festas e é sempre emocionante ler aquele relato.


Na Sexta-feira à noite Elomar e João Omar (filho dele) se apresentaram no Espaço Cultural. Foi algo maravilhoso. Elomar está com 78 anos e continua firme na sua arte e nas suas convicções. No final, Vital Farias foi chamado ao palco e ambos fizeram um dueto. Foram longamente aplaudidos em pé pelos presentes.


Gostaria de saber se você ainda tem os VHS's e se, por ventura, entre eles estariam o "Beaumarchais" e o "Capitão Conan". Acontece que em João Pessoa tem um senhorzinho (Vianney) que vende DVD's e transforma VHS em DVD. Se você tive-los, bem como outros filmes interessantes, se pudesse me enviar pelo Correio, eu providenciaria as cópias e lhe remeteria em DVD. Quando você vier a João Pessoa, eu lhe levarei para conhecer o acervo de Vianney, é muito bom.


Abraços para você, Maria Ignez e Loretta.



Ângelo Emílio



Em 21/01/2016 14:14, Alberto Nasiasene escreveu


A comunidade do morro da Santa Marta tem dois ângulos socioambientais possíveis de ser vista, de lá para cá e de cá para lá (seja lá qual for o ponto de vista geográfico-social em que se coloque o observador participante). Estas duas fotos são um pequeno exemplo disto e foi com esta intenção primeira que subi o morro da Santa Marta. Fotos: Alberto Nasiasene. 2016


Obrigado, Ângelo.


Ontem estive no Santa Marta (fiquei sabendo que o povo de lá não gosta que chamem o bairro deles de D. Marta, porque eles o chamam como Santa Marta, que é a origem do nome do lugar por causa de uma capela com a santa homônima) para assistir e fazer o documentário sobre única Folia de Reis existente na zona sul carioca (foi o que eles me disseram). Foi lindo e empolgante (logo você poderá ver este documentário na internet). A festa foi feita num ponto de cultura localizado logo abaixo da laje onde o Michael Jackson realizou o famoso clipe dele com o Olodum (disseram-me que o cantor pop deu uma verba para ajudar o trabalho cultural do Robespierre, com quem estive no ponto de cultura e faz um trabalho musical com as crianças e adolescentes da comunidade Santa Marta). Comprei duas camisetas, na loja que atende turistas que fica ao lado da laje, uma com uma gravura da comunidade com seus barracos um em cima do outro e outro com o símbolo do Olodum, mas com a assinatura da comunidade Santa Marta (para mostrar para meus estudantes quando estiver dando aulas, porque nós ensinamos de muitas maneiras, até pelas maneiras indiretas presentes nas vestimentas e atitudes que temos diante deles).

A comunidade do morro da Santa Marta tem dois ângulos socioambientais possíveis de ser vista, de lá para cá e de cá para lá (seja lá qual for o ponto de vista geográfico-social em que se coloque o observador participante). Estas duas fotos são um pequeno exemplo disto e foi com esta intenção primeira que subi o morro da Santa Marta. Fotos: Alberto Nasiasene. 2016


Subimos pelo bondinho/teleférico que leva até lá (a paisagem é deslumbrante), conversando tanto com moradores (negros), quanto com turistas argentinos (convidei os argentinos para irem lá no ponto de cultura conosco e eles foram). Fui com o meu parceiro Alejandro (e o irmão dele David) que é estudante de arquitetura na UFRRJ e a Loretta (eles vão sair, nos créditos, como os co-diretores e eu como assistente de direção porque os estou apresentando para o mundo como tais). Depois desta visita ao Santa Marta, fomos ao Museu do Índio, que fica bem perto da base do teleférico e lá fiz outro documentário e fiquei surpreso porque o museu já está realizando novamente exposições em sua área permanente de exposições (em julho esta parte estava fechada e não tinha previsão de ser aberta para a visitação) com a temática miçangas como elemento da cultura imaterial e material ao mesmo tempo dos povos indígenas brasileiros. Comprei a segunda pulseira de miçangas na loja do museu, desta vez uma pulseira guarani da aldeia de Paraty; em julho comprei uma pulseira cayapó que está embaixo deste de agora, no braço direito; no braço esquerdo uso a pulseira guarani que comprei na Tekoa Pyau, no Jaraguá, em dezembro último (nunca tiro estas pulseiras de meus braços, porque elas são resistentes, não molham e não desbotam e porque me fazem sempre lembrar destes povos todas as vezes que as vejo e também porque as pessoas sempre me perguntam o que são, onde comprei etc.; sendo uma boa oportunidade de divulgar a cultura indígena sempre e sempre).

A comunidade do Santa Marta vista de dentro. Fotos: Alberto Nasiasene. 2016.


O material captado é muito rico, mas só posso começar a trabalhar com ele quando chegar em casa.

A comunidade do Santa Marta vista de dentro. A única Folia de Reis da Zona Sul do Rio de Janeiro. Sim, pasmem, o Rio tem, intrinsecamente, esta dicotomia básica que caracteriza a sociedade brasileira, os incluídos e os excluídos, mesmo onde os excluídos nem são vistos e ficam invisíveis (sem falar que a Zona norte nem consta no mapa do metrô; porque é o não-lugar, o não existente na geografia mental do carioca de classe média; fenômeno comum na geografia mental de classe média, Brasil afora, não um privilégio do Rio de Janeiro; só que, em cada cidade, esta geografia da exclusão social se manifesta de maneira geomorfológica diferente; no Rio está nos altos morros e na zona que vai para o norte). Fotos: Alberto Nasiasene. 2016.



Sobre os vídeos, devo lhe dizer que não tenho como transformar o VHS em versão digital, nem tenho mais o aparelho de reprodução de VHS (que hoje é raro de se encontrar).


Até logo.


Alberto Nasiasene



Para mim, o trabalho cultural que o Robespierre desempenha neste Ponto de Cultura que fica embaixo da laje onde o Michael Jackson fez o famoso clipe no Rio de Janeiro, junto com o Olodum, é tão revolucionário quanto o desempenhado, guardadas as devidas proporções, é claro, ao que o Robespierre francês fez após 1789, na França. Não por acaso, tendo este nome, ele foi predestinado socialmente, pelos pais, para fazer o que faz hoje. Fotos da Folia de Reis na Comunidade do Santa Marta, no aniversário da cidade do Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 2016. Alberto Nasiasene


Olá Alberto,

Fico feliz que você esteja trabalhando a pleno vapor. Isso é muito bom Tenho uns primos brizolistas de velha guarda na Zona Norte do Rio, lá pras bandas do Grajaú, Méier e Água Santa (bairros velhos de trabalhadores e antiga classe média baixa, hoje bastante degradados na malha urbana). Conheci o Rio junto com um deles, entrando em lugares que os turistas não entram. Nunca tive paciência para carioquismos, paraibanidades, pernambucanidades paulistanidades, gauchismos e essa leseira toda. Me parece que podemos ser singulares e, ao mesmo tempo e dialeticamente, cosmopolitas. Não gosto da grande, absoluta maioria dos pressupostos dos estadunidenses: seu Estado é imperialista, sua sociedade faz a apologia da competitividade etc. Entretanto, reconheço alguns aspectos da cultura daquele povo que fazem parte do patrimônio humano e, quem sabe, num futuro possamos partilhar de muito do que há de bom em todas as culturas. Dito isso, penso que a oportunidade de você ter conhecido outros lugares e gentes do Rio de Janeiro, pode ter lhe possibilitado um outro olhar. Usufrua do que esses lugares e pessoas têm de bom a oferecer. O resto, bem, o resto merece apenas o silêncio No caso daqui, me envolvo muito pouco com a política local. Não tenho a menor paciência pra perder com gente do jaez de Cássio Cunha Lima e quejandos. Melhor trocar ideias com alunos, ler ou fazer qualquer outra coisa. Também, na Universidade, o que me atrai é o espaço da sala de aula; por esse as coisas valem à pena. O restante a institucionalidade pode ser atirada no lixo, sem a menor pena. Gostaria de lhe perguntar uma coisa. Quando saí de Campinas em 2010, eu e Mirza lhe demos algumas fitas de VHS, com material que havíamos gravado ao longo de tempos. Nunca consegui encontrar dois filmes franceses que tinha gravado (não sei se, eventualmente, estariam numa daquelas fitas), chamados "Beaumarchais, o insolente" e "Capitão Conan". Se, por acaso, você tive-los poderia reproduzir para mim? Ficaria muito grato. Por falar em Mirza, depois de algum tempo, a visitei e hoje temos um contato regular. Numa dessas viagens, fiquei na casa dela em São Paulo e estamos conseguindo cultivar uma bela amizade. Estou muito feliz por ela. Agora em 2016 ela está ingressando num pós-Doutorado em Turismo na USP. Está animada com as perspectivas. Bom, tenho de sair para uma consulta médica. Depois podemos nos falar por Skype. Abraço. Ângelo Emílio. Em 19/01/2016 21:51, Alberto Nasiasene escreveu:

Metrô do Rio, estação Coelho Neto. Foto: Alberto Nasiasene. 2016.



Sei que você lembra que eu tinha total aversão ao "carioquismo" (e continuo tendo). Na verdade, sempre deixava claro que odiava (e ainda continuo odiando) o bairrismo e a curta visão coxinha desta classe média carioca (udenista), especialmente a da zona sul (o Leblon é o bairro que sempre vota com os tucanos) com a qual convivi desde minha adolescência, em Brasília [para os fundamentalistas que não sabem ler metáforas, como licenças poéticas, quero esclarecer que uma coisa é dizer que odeio a mentalidade de uma pessoa ou grupo de pessoas, outra bem diferente é odiar as pessoas enquanto pessoas; do mesmo modo que podemos debater ideias de forma bem acalorada, mas isto nada tem que ver com agredir verbalmente e bater fisicamente em pessoas de modo violento; porque estaríamos diante do crime de ódio e eu sou, por princípio, contra isto, porque sou um pacifista e advogo a resistência democrática não violenta, como Gandhi e Luther King - além disso, como está escrito na epístola do apóstolo Paulo, em Romanos, de que Deus odeia o pecado mas ama o pecador, podemos ver que, metaforicamente, até Deus odeia certas coisas, mas não pessoas - em tempos de ódios fundamentalistas diversos declarados a pessoas e a grupos de pessoas e de fascismos potencialmente genocidas, é bom separar o joio do trigo de forma bem nítida - uma coisa é debater ideias, outra bem diferente é bater em pessoas 30 de janeiro de 2016]. Nada mais coerente com a visão de um jovem que queria ser comunista e entrar para o PCB e estava lutando contra a ditadura militar, como eu (o golpe de 1964 foi desencadeado pelas forças udenistas e militares exatamente no Rio de Janeiro e aquelas imagens nunca me saem da cabeça). Por isto mesmo é que minha visão sobre o Rio de Janeiro não coincide em nada com a visão desta gente ainda hoje. Aliás, disse-lhe, em Campinas, em agosto do ano passado, na Livraria Cultura do Iguatemi, que eu conhecia o Rio de Janeiro no final de minha adolescência, por causa dos concursos da Maratona Literária de 1978 e 1979, mas era um conhecimento que ia do Galeão até a zona sul da cidade (fiquei hospedado no hotel Novo Mundo, ao lado do Catete) e que esperei minha filha crescer para que pudesse vir regularmente visitar o Rio de Janeiro, mas a partir de uma outra perspectiva completamente oposta à visão coxinha carioca de ser neo udenista e neoliberal (mas também muito avessa, ainda hoje, ao carioquismo bairrista, seja ele qual for, mesmo que o carioquismo da zona norte e baixada fluminense).

Metrô do Rio, estação Coelho Neto. Foto: Alberto Nasiasene. 2016.


Ou seja, sempre estive em busca de uma maior autonomia intelectual face ao senso comum carioquista e bairrista (seja lá de que local fosse) quando cresci em Brasília, convivendo com todo tipo de gente vinda de toda parte do país e do mundo. Talvez seja por isto mesmo que minha formação como pessoa, nos alicerces fundamentais, seja bem mais ampla, em termos de visão de mundo, do que as dos diversos bairrismos regionalistas e nacionalistas estreitos: afinal, cresci em Brasília, no centro do Brasil e em relação com outras nações amigas, através de embaixadas e corpo diplomático (coisa que o Rio de Janeiro da época imperial proporcionou, que sempre me atraiu como pesquisador, pelo menos desde o meu envolvimento na pesquisa da obra do cearense José de Alencar e vim ao Rio de Janeiro, como vencedor da III Maratona Literária). Talvez minha filha tenha captado isto de mim em sua formação como ser humano, em casa, ao ser criada, desde um ano de idade, em Jaguariúna (lugar onde os fascistas locais se acham no centro do universo - para eles não é que Jaguariúna faça parte da região metropolitana de Campinas é Campinas que faz parte da região metropolitana de Jaguariúna).

Metrô do Rio, estação Coelho Neto. Foto: Alberto Nasiasene. 2016.


Bem, nada disto é tão difícil de entender para quem teve uma formação em ciências sociais em Campina Grande, no então campus II da UFPB. Afinal, por lá, consolidei ainda mais este conceito fundador de que todos os povos são etnocêntricos e que um cientista social não pode se deixar levar pelo etnocentrismo (embora seja extremamente difícil se livrar desta limitação imanente etnocêntrica, mesmo na antropologia mais aberta para a análise dos "outros" povos e etnias). Por isto mesmo, mesmo estando bem aqui, em Seropédica, como estou agora, a escrever este e-mail, tento manter este senso objetivo de análise e vivência (intelecto existencial) que, ao mesmo tempo, procure se distanciar de fortes pendores etnocêntricos, mas sem perder um certo distanciamento científico necessário para fazer a análise da realidade na qual estou imerso (sem esquecer de me autocriticar a mim mesmo constantemente). Não posso fugir de quem sou, mas posso sim ir evoluindo em meu pensar, em meu fazer e em minhas perspectivas intelecto existenciais. Afinal, não sou uma ilha, mas um ser social (mesmo com toda a autonomia de que me caracteriza, até dentro do arquétipo do "aquariano" que é um ser desconsertante mesmo, até por ser completamente imprevisível dentro de um padrão positivista linear evolucionista, porque é, intrinsecamente dialético), de modo que tenho plena consciência dos jogos dialéticos dos relacionamentos sociais (afinal, o conceito central que aprendi em sociologia, na UFPB, foi o de que o foco da sociologia é a análise das relações sociais), com suas teses, anti-teses e sínteses constantes. Por isto mesmo é que, desde a militância estudantil, na UFPB, aprendi que a história não avança linearmente, mas por saltos qualitativos e que nossa própria vida, dentro da sociedade e no processo histórico inerente a ela, passa por fases distintas (é inútil tentar preservar o nosso próprio passado de forma linear, em meio a uma realidade sempre mutante).

Loretta e Alejandro, meus parceiros na filmagem da Folia de Reis no Santa Marta, vistos no teleférico que conduz até a laje do Michael Jackson. Foto: Alberto Nasiasene. 2016.



Já não sou o mesmo que era quando você me conheceu em 2002, nem quando nos despedimos em 2010 (velha tese defendida por Heráclito, na Grécia Antiga, que sempre levei muito a sério, a de que, ao atravessarmos um rio pela segunda vez, já não estamos mais atravessando o mesmo rio que atravessamos anteriormente). Nada mais coerente com a trajetória marxista e dialética que assumi desde minha formação universitária no interior da Paraíba e nada mais coerente com o menino paraibano que foi criado em Brasília, todo fora do padrão e fora de qualquer figurino (ainda hoje, como indivíduo que se aproxima velozmente da fase da velhice, já que só faltam quatro anos para eu entrar para a esfera de proteção do Estatuto do Idoso, que começa aos 60 anos de idade).

A comunidade do Santa Marta vista através do teleférico. Foto: Alberto Nasiasene. 2016



Ainda continuo sem saber o que será de mim daqui há dez anos, porque a Loretta não quer voltar para São Paulo nem que a vaca tussa e eu já lhe disse que até estou disposto a vender minha casa em Jaguariúna, para comprar alguma terra no Rio de Janeiro para ela plantar, como ela deseja (os preços por aqui são bem mais em conta do que por lá onde moramos). A única coisa que sei é que estou feliz por poder fazer minhas próprias pesquisas antropológicas, sociológicas e historiográficas no estado do Rio (mas a partir de uma perspectiva completamente ao avesso da atividade científica da academia carioca e na perspectiva do povo deste estado; mas não necessariamente com o mesmo olhar do povo carioca e fluminense, porque não pretendo me render ao senso comum do carioquismo, muito menos ao bairrismo deles, que tanto detesto ainda hoje). Talvez esta seja também a herança maior que trago, dentro de mim, de Antonio Gramsci, com o seu conceito de Nacional Popular, na perspectiva da filosofia da práxis (como ele aludia ao marxismo) e sob o ponto de vista da aliança que sempre procuro fazer com os oprimidos pelo capital; mas já penso por contra própria, desprendido de amarras dogmáticas ligadas a qualquer autor, pelo menos desde os vinte e cinco anos, quando cheguei em Campinas para estudar em um seminário protestante, em 1985.

Alberto Nasiasene, visto pela filha Loretta Nasiasene, no Rio de Janeiro. 2016.



A luta prossegue seu rumo e nem todos se libertaram ainda. Velho mote que me motivava interiormente, vindo da poesia de Carlos Drummond de Andrade e do teatro do oprimido do Boal (ele ia muito ao Teatro Lima Penante, do departamento de teatro universitário da UFPB e eu comprei os livros que ainda tenho dele neste momento histórico, de início dos anos 1980). Isto quer dizer que a conjuntura política e econômica não podem destruir a forte motivação de luta militante que manifesto desde minha adolescência passada em Brasília-DF (na verdade, como tive traumatismo craniano, em 1984, estes anos todos posteriores a esta data estive em busca de mim mesmo e posso lhe dizer que já me reencontrei comigo mesmo, em uma nova fase de vida, para dar prosseguimento às pesquisas que comecei desde minha adolescência - cheio de cicatrizes e hematomas, é verdade, mas isto só prova que a luta prossegue renhida até para somente sobreviver). Nestas alturas de minha vida, pouco me importa titulação alguma (mesmo que não esteja disposto a brigar com ninguém por causa de visões escolásticas que super-enfatizam estas coisas); o que me importa é dar continuidade à construção da obra que comecei a fazer desde minha adolescência, porque é a única herança de valor que deixarei não só para meus netinhos futuros, mas para as novas gerações (por isto tenho um enorme prazer em trabalhar com os jovens provindos dos mesmos estratos sociais para os quais dou aulas no Raul Pila, mesmo que eles estejam morando aqui, em Mesquita, no Rio de Janeiro - um destes jovens, o que lhe indiquei, é meu co-diretor em dois documentários já feitos que logo mais adiante você poderá ver por meio da internet e será também meu parceiro em outros projetos que estão agendados, o primeiro será amanhã, que, havia me esquecido, é feriado no Rio de Janeiro, porque é a data de fundação da cidade).

Alberto Nasiasene, visto pela filha Loretta Nasiasene, no Rio de Janeiro. 2016.



Esqueci também de lhe dizer que os parentes dos guaranis M'bya que vivem por aqui (o território deles vai da Argentina, Paraguai até o Espirito Santo) com os quais estou aliado, estão bem pertinho de vocês aí em João Pessoa (quem sabe, alguns deles moram na capital), mas também sofrem, como os de São Paulo, do processo de genocídio que culmina com a etapa do esquecimento total. Estou falando dos potiguaras (dos quais sou descendente) da Baía da Traição e outros lugares. A agressão à esta etnia é muito antiga e prossegue até no não reconhecimento de que eles são índios (e é por aqui que penso que você e seus estudantes orientandos podem começar a se aliar à causa indigenista e a fazer intercâmbios culturais com eles, como estou tentando fazer por aqui com os guaranis). Não lhe disse no outro e-mail (é bom guardar segredo em certas causas), mas pretendo fazer parceria com os guaranis M'bya de Maricá ainda nestes dias em que estou por aqui (talvez o meu maior projeto de pesquisa seja este, por isto mesmo, antes que ele seja realizado, prefiro não falar nada sobre ele, a não ser por alto). Antes de fazer o vídeo que fiz sobre a aldeia do Jaraguá, evitei ao máximo até mencionar que iria por lá (foi a Adriana Barão que atendeu a um pedido que lhe fiz, para obter a autorização oficial das autoridades e fazer uma embaixada oficial, em nome da secretaria de cidadania da Prefeitura de Campinas, da assessoria de cidadania da SME e do Muci; por isto é que fomos de carro oficial da prefeitura de Campinas). Os guaranis do Jaraguá estão sendo tão agredidos que até as meninas de 12 anos estão sendo estupradas (por isto é que tomo todo o cuidado para não colaborar com o processo genocida em curso; ao contrário, para combatê-lo com sabedoria tática e estratégica).

Alberto Nasiasene, visto pela filha Loretta Nasiasene, no Rio de Janeiro. 2016.


Como vê, um de meus temas de pesquisa (aliás, não vem de agora, mas desde minha adolescência) é o genocídio dos povos indígenas brasileiros (em todas as suas dimensões). Por isto mesmo é que pesquisei intensamente, no ano passado, que comemorou os cem anos do genocídio armênio, tudo o que pude pesquisar sobre o início do processo de genocídio moderno, através do primeiro grande processo de genocídio sistemático realizado contra todo um povo (no caso, pelos jovens turcos, em 1915; evento que chacinou, sistematicamente 75% da população armênia do mundo e só não conseguiu os 100% porque havia minorias armênias fora do território controlado pela Turquia em 1915), Foi por causa do massacre sistemático dos armênios a partir de 1915 que surgiu o conceito de genocídio, cunhado por um advogado polonês que advertiu que se a Liga das Nações não tomasse nenhuma medida contra tal descalabro, este evento iria se repetir (como se repetiu com os judeus poucos anos depois; afinal, o genocídio armênio foi inspirado por alemães que estavam na Turquia e ensinaram os conceitos de superioridade de raças, homogeneidade étnica no território, deportações que visavam o extermínio e técnicas de matança em massa, até mesmo com a utilização de gases venenosos - na verdade, os nazistas retomaram o processo e o aperfeiçoaram com mais sistematização não só com os judeus, mas ciganos, homossexuais, doentes mentais, aleijados, comunistas etc.).

Alberto Nasiasene, visto pela filha Loretta Nasiasene, no Rio de Janeiro. 2016.


Isto quer dizer que há lutas atuais que vão muito além e muito aquém da luta meramente conjuntural e política (como as lutas de sobrevivência dos povos originários para os quais, como educadores e historiadores, não só devemos voltar nosso olhar profissional, mas também cidadão). São as lutas invisíveis para as quais quero dar visibilidade por meio do meu trabalho, não com o clima denuncista, do qual não sou adepto, mas com as bandeiras da luta pela dignidade da existência humana face a este planeta, afirmando a cultura, a história, a existência e lutando por políticas públicas afirmativas como a 11.645.

Alberto Nasiasene, visto pela filha Loretta Nasiasene, no Rio de Janeiro. 2016.

Até logo. Espero que possamos fazer esta parceria, mesmo à distância. Neste ano de 2016 teremos uma parceria oficial com o professor Pedro Ganzeli, do instituto de educação da Unicamp (que irá orientar diretamente alguns dos professores que aderiram ao projeto de pesquisa co-autoral por ele proposto, inclusive minha pessoa, como você sabe) porque somos uma escola integral e temos uma jornada de pesquisa a cumprir em nossa própria escola. Vou escrever mais artigos sobre esta experiência e irei compartilhar com vocês


Alberto Nasiasene


Olá Alberto,


Vejo que você está muito envolvido com projetos e feliz. Engraçado que essas coisas estão acontecendo no Rio de Janeiro, cidade que não era lá uma de suas "santas de devoção" rsrsrs. A vida, às vezes, parece que dá voltas e nos permite viver situações que não imaginaríamos anos antes. É importante valorizar esses momentos. Essa de ir à África, me parece que é outra dessas felizes circunstâncias de atar velhos elos em novas correntes. Fico muito feliz por saber dessas notícias


Eu tenho um primo (filho de uma prima, o rapaz deve ter uns 30/32 anos) que é arquiteto e fez um belo projeto socioambiental em uma das favelas do RJ. Alguns lixões foram transformados em jardins e hortas comunitárias. É interessante quando essa moçada resolve por as mãos na massa. Isso nos estimula a ir além do ambiente de brigalhadas das tais "redes sociais"


Por esses dias, quando fazia o pequeno jardim em minha casa, um dos trabalhadores, chamado "Bau", me perguntou meio "de revestré" sobre Dilma. Eu falei algumas coisas, quando ele me interrompeu e disse: "Professor, hoje em dia um pobre pode comprar uma casa. Quando é que isso aconteceu?". Bom, esse pessoal não vai para as ruas atacar ou defender Chico Buarque (tá no batente), não vai assinar manifestos em favor de Dilma, não vai brigar nas redes sociais, não está a fim de fazer barulho. Mas sabe muito bem analisar suas condições concretas de existência e sabe muito bem o que quer em termos de melhores condições de vida


Tendo a ter um pequeno otimismo. Me parece que a sociedade brasileira está em movimento e está solapando velhos modus vivendi; as reações fascistinhas me parecem mais reativas do que ativas. São de pessoas que têm (ou pensam ter) privilégios e lutam com unhas e dentes para mantê-los. O filme da empregada (Que horas ela volta?), coloca essa questão de forma muito sutil


Uma amiga daqui (paulista do interior, radicada em Goías e morando em JP há uns 10 anos), passou no Doutorado em Educação na UFG e vai estudar Educação Indígena, a partir de 2016, retornado para perto da família. Ela se chama Vânia Silva. Depois vou repassar seu contato porque acho que há uma boa possibilidade de troca de figurinhas. No final do ano passado, eu e os alunos fizemos um trabalho interessante na turma de Introdução aos Estudos Históricos. Coloquei dois textos de Varnhagen e um de Manuel Antônio de Almeida (das Memórias de um Sargento de Milícias), escritos e publicados por volta de 1850, sobre a presença dos índios na História do Brasil. Muito interessante como o nosso "Pai Fundador" propunha, sem quaisquer disfarces ou delongas, defendeu o apagamento dos índios da história brasileira, em defesa da civiliza& amp; ccedil;ão e da religião. Os alunos gostaram muito e alguns fizeram trabalhos realmente muito bons. Essas coisas nos animam a tocar em frente.

No comecinho do ano, estive num restaurante de João Pessoa (Natural sei lá o que). Entrou um senhor, de uns 50 e poucos anos, extremamente parecido com você (com um pouco mais de cabelo). Seria um irmão seu? Pensei em abordá-lo, mas ele estava muito reservado e preferi não incomodar Por aqui, estou às voltas com a retomada da disciplina Teoria da História (só ministrei uma vez, em 2009) e uma optativa de Historiografia. Continuo coordenando o PIBID, com trinta alunos atuando em três Escolas Públicas. No momento, enfrentamos uma retração dos recursos, mas a coisa está avançando Nos falamos por aí. Abraços. Ângelo Emílio Em 19/01/2016 04:17, Alberto Nasiasene escreveu

Convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca. Foto: Alberto Nasiasene. 2016

Obrigado, Ângelo.

Vista do centro do Rio do ponto de vista da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Palácio Tiradentes, e ao lado do Paço Imperial, na Praça XV. Foto: Alberto Nasiasene


Feliz ano de 2016 para você também.

Vista do centro do Rio do ponto de vista da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Palácio Tiradentes, e ao lado do Paço Imperial, na Praça XV. Foto: Alberto Nasiasene


Estou no Rio de Janeiro, com minha filha, como sempre faço nas férias.

Paço Imperial, na Praça XV. Foto: Alberto Nasiasene. 2016.


Já fiz algumas filmagens que irei expor por meio do YouTube assim que puder e chegar e Jaguariúna

Paço Imperial, na Praça XV. Foto: Alberto Nasiasene. 2016.



Na quarta-feira irei filmar uma Folia de Reis no morro da D. marta, com um educador social que trabalha com menores em situação de risco (é o equivalente à Fundação Casa em São Paulo). O filho dele faz arquitetura na UFRRJ e é amigo de minha filha (ele tem uma visão muito boa para projetos sociais e quer trabalhar com projetos de urbanismo e arquitetura em favelas). Além disso, ele tem muito interesse em estudar melhor o patrimônio histórico arquitetônico (o levarei para minha casa, em Jaguariúna, para fazermos documentários sobre esta temática e para apresentá-lo à técnica de taipa de pilão em que ele está muito interessado). Já fiz, até agora, dois documentários com ele (porque, por incrível que possa parecer, ele já é um cineasta desde a adolescência e tem uma obra filmada que gostei muito e, por isto, estou produzindo em co-autoria com ele e a Loretta).

Paço Imperial, na Praça XV. Foto: Alberto Nasiasene. 2016.


Minha filha está avançando no curso de agronomia dela e eu tenho acompanhado as lutas tanto dos estudantes, quanto dos professores da UFRRJ (fiz dois documentários sobre a universidade agora, especialmente sobre a área de botânica, engenharia florestal e agronomia). Estou feliz por ter estas oportunidades e cheio de planos para novos projetos audiovisuais; inclusive com os índios guaranis (que já comecei a filmar, na aldeia do Jaraguá, em São Paulo, como é possível ver através da postagem do Rota Mogiana chamada de Tekoa Pyau, que significa aldeia nova). Se tudo der certo, irei a Maputo, como parte do intercâmbio cultural que minha escola irá fazer com uma escola pública de lá (com a contrapartida de trazer um educador de lá para ficar em minha casa e conhecer melhor nossa realidade educacional). Também quero aprofundar minha parceria com a aldeia guarani de São Paulo (São Paulo é a única cidade do país que tem três Centros de Educação e Cultura Indígena, os CECIs que pertencem à rede municipal de ensino de São Paulo capital).

Loretta na barca que conduz até Niterói. Foto: Alberto Nasiasene. 2016.


Como vê, estou cheio de perspectivas para este ano de 2016 e quero também manter nosso intercâmbio cultural com vocês aí em João Pessoa, especialmente com você e seus estudantes de história para trocarmos experiências de educação concreta e para mostrar como podemos cumprir a lei 11.645.

Loretta na barca que conduz até Niterói. Foto: Alberto Nasiasene. 2016.


Até logo Alberto Nasiasene Olá Alberto, tudo bem? Gostaria de lhe desejar, mesmo que atrasado, um feliz ano de 2016. Espero que Ignez e Loretta estejam bem. O final do ano passado foi barra pesada de trabalhos, por causa da reposição da greve e do acúmulo de muitas atividades. Ufa!!! Espero que 2016 seja melhor, inclusive do ponto de vista político, haja vista o terrorismo midiático-financeiro de 2015 Por esses dias, resolvi fazer uma pequena obra para criar um pequeno canteiro de jardim, com um gramado e duas palmeirinhas. O objetivo maior é arrefecer o calor da casa, que não é mole. Foi muito cansativo, mas valeu à pena. Quando você vier à Paraíba, está convidado para conhecer meu pequeno jardim Aproveito para lhe enviar os links de duas entrevistas de Jessé Souza, Presidente do Ipea, muito provocativas. Vale à pena ver: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/10/politica/1447193346_169410.html http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/01/1727369-a-quem-serve-a-classe-media-indignada.shtml Abraço. Ângelo Emílio

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