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O outro lado do Atlântico se parece conosco, porque não ficou parado no tempo; como nós


A África não ficou parada no tempo colonial, muito menos podemos pensar que os africanos vivem, em sua maioria, em meio a selvas espessas, entre leões, elefantes e girafas. É claro, a África se urbanizou e está, bem ou mal que seja, industrializando-se e desenvolvendo-se como os demais países ocidentais. Aliás, as culturas nacionais negras africanas atuais nada têm de orientais, como na Ásia (ou como no norte do continente, na parte árabe e muçulmana), mas são intimamente ligadas ao ocidente, porque, afinal, bem ou mal que tenha sido, foram ex-colônias de países europeus e, portanto, após à independência, adotaram a língua do colonizador europeu como língua oficial do país (portanto, as línguas oficiais dos países da África negra são o inglês, o francês e o português).

Um dos preconceitos mais irritantes (e revoltantes) contra as sociedades africanas é o de pensar que os povos africanos originários não possuem línguas, mas "dialetos." Com este conceito, o de "dialeto," querem se referir a línguas imperfeitas, com um status gramatical e linguístico menor do que o de línguas propriamente ditas (que seriam as do mundo mais desenvolvido); o que é um erro científico, linguístico e antropológico grosseiro, porque as línguas africanas tais como o zulu, o iorubá, o tsonga, o shit shangana, o quimbundo, o ovimbundo, o suahili, são línguas tanto quanto o português, o inglês, o francês e o alemão o são. Elas continuam sendo faladas por milhões de pessoas como língua materna, ao lado da língua oficial do país (que pode ser o inglês, o francês ou o português).

Por incrível que possa parecer aos nossos alunos adolescentes (e aos adultos desinformados e deformados pelos preconceitos), muitos deles afro descendentes, as cidades africanas não são muito diferentes das cidades brasileiras (eles interiorizaram uma imagem negativa da África, que, no Brasil, é associada somente à escravidão e ao passado, ou, quando se pensa nela nos tempos atuais, costuma-se imaginar que lá só exista pobreza, fome, doenças como a Aids, favelas, selvas e animais selvagens etc.). Querem ver como a imagem que a maioria dos brasileiros tem da África é um estereótipo que não corresponde à realidade muito mais complexa do continente negro? Aqui irei inserir algumas fotos de cidades africanas que já mostrei para meus alunos (sem dizer de que país se tratava e eles, geralmente, pensam que é um país da Europa, Canadá, Austrália ou EUA) e eles sempre ficam surpresos ao descobrirem que as fotos são da África atual (porque a imagem mental que eles possuem da África não é esta, é claro):

Cidade do Cabo, na África do Sul (aqui faz mais frio do que na cidade do Rio de Janeiro e São Paulo, porque está muito mais ao sul do que São Paulo e recebe os ventos gelados do continente antártico).

O metrô de Joanesburgo, maior cidade da África do Sul que não é tão diferente de São Paulo ou Nova Iorque. Aliás, o metrô que vemos aqui é o legado da última copa que foi realizada neste país, em 2010, herança benéfica que ficou para a África do Sul. Lá também aconteceram manifestações contra a copa, mas a copa veio, foi um sucesso e passou, deixando para trás não uma terra arrasada como supõem coxinhas brasileiros, mas um legado de investimentos em transportes públicos.

Nairobi, capital do Quênia, é uma metrópole, mais ao norte do continente negro, que não é tão diferente das cidades existentes nas Américas, ou é?...


Lagos, capital da Nigéria, não é nada parecido com filmes de Tarzan, é claro. Também não podemos encontrar tantas diferenças face às cidades brasileiras, como se supõem por aqui deste lado do Atlântico.


Costumo argumentar com meus alunos adolescentes, quando problematizo a imagem da África que eles mesmos têm, que se mostrássemos Campinas, para o resto do Brasil e para o mundo, uma das mais ricas e maiores cidades do estado de São Paulo (que é, por sua vez, o estado mais populoso e mais rico do país), só através de imagens como estas que vocês verão abaixo, o que é que vão pensar de nós? Vão pensar que aqui só existem problemas e uma gente muito pobre, miserável, passando inúmeras necessidades e perigos. Claro, entretanto, que por aqui não há só pobreza, problemas de moradia, de esgotos etc.

Mas se mostrarmos, por outro lado, somente imagens como estas que vou inserir abaixo, sobre Campinas, o que iriam pensar de nós? Que aqui é "primeiro mundo" (esta figura de linguagem ridícula que não explica e não descreve porcaria nenhuma e que costuma pensar o mundo em termos pré queda do Muro de Berlim, com parâmetros ideológicos tipicamente originários da Guerra Fria na segunda metade do século XX). Mas tanto uma imagem, quanto a outra, ambas parciais e meias verdades, não corresponde à verdadeira visão global que temos de Campinas, para o bem e para o mal. Sabemos que aqui há sim estas duas realidades presentes e que a África, com suas várias sociedades independentes entre si, em países que são ex-colônias europeias como nós, nesta questão, não é muito diferente da sociedade capitalista que construímos deste lado do Atlântico. A diferença está em que nos libertamos do colonialismo direto de Portugal mais de cem anos antes do que os países da África, mas, por outro lado, ainda hoje revelamos certos traços coloniais, desde a dependência de mentalidades colonizadas até estruturas socioeconômicas dependentes, como os países africanos revelam e, por isto mesmo, podemos dialogar construtivamente com respeito a esta questão, face à experiência de desenvolvimento dos países africanos. Além disso, na África, por exemplo, em Angola e Moçambique (ex-colônias portuguesas), muitos países passaram por experiências de socialismo (na esfera de Moscou) que nós nunca tivemos por aqui e, mesmo depois da fim da ex-URSS, o tipo de capitalismo de mercado que surgiu por lá não é bem o "modelo" apregoado pelo "consenso de Washington" de final do século passado ("modelo" que tentou ser implantado a fórceps no Brasil na era tucana FHC).

Bairro do Cambuí, considerado atualmente chique, mas é bom não esquecer que esta foi uma área de chácaras no século XIX e herdou uma numerosa população negra ligada às famílias cafeeiras como agregados após a libertação dos escravos (esta população não saiu completamente do bairro e ainda está radicada por aqui, embora "invisível" para os esnobes).

Pois bem, embora fiquemos chocados com uma distorção deliberada sobre nossa própria realidade, quando focam somente as questões mais negativas de nossa sociedade e de nossa cidade, é isto o que se faz com o continente africano de modo geral (e sequer nos questionamos suficientemente para ficar também chocados com tamanha distorção). Por isto mesmo é que a imagem que se tem da África no Brasil é bem negativa, induzindo as pessoas a reforçarem seus inúmeros preconceitos contra os povos africanos, de modo geral, preconceitos que são acrescentados aos muitos outros preconceitos racistas que advém do período escravocrata (de tal modo que é muito difícil dissociar das mentes de nossos jovens a imagem racial e a condição escrava).

Como costumo dizer para eles, raça e escravidão são processos históricos diferentes (todas as raças, ao longo da história, foram, em algum momento, escravizadas e foram os escravos brancos da Grécia e Roma que construíram aquelas civilizações clássicas que estão na base da cultura ocidental). No Brasil, os primeiros a serem escravizados foram os povos indígenas (e a maioria dos nossos jovens não consegue entender isto, porque, na mente dos brasileiros em geral, permanece a associação indissolúvel entre raça negra e escravidão, como se uma palavra fosse sinônimo da outra). Não por acaso, a própria população negra brasileira tem uma auto imagem tão negativa sobre si mesma e não por acaso, de mil maneiras, como defesa psicológica, esta mesma população tem uma tendência a se auto negar (mas isto é uma das consequências do racismo à brasileira e de modo algum deve ser creditado como um traço negativo característico próprio da população negra brasileira).

Joannesburgo

Entretanto, aos poucos, por meio de esforços persistentes, estamos quebrando este ciclo vicioso para dissociar estes elementos do processo histórico e estruturá-los, como sociedade democrática, de outras maneiras, em direção a um futuro em que poderemos, em tese, ser sim uma verdadeira democracia racial, mas não por meio do aburguesamento e embranquecimento (este era o programa de nossas elites desde o século XIX, não o nosso) do imenso contingente de população negra e mestiça brasileira, mas porque seremos uma sociedade menos desigual pelo menos. Uma burguesia negra em nada pode ser considerada "melhor" do que uma burguesia branca, muito menos só porque, supostamente, seja adepta de religiões afro brasileiras (este conceito, prevalecente entre a própria esquerda, é muito equivocado, porque não percebe que qualquer grupo religioso pode se vincular a ideologias políticas de direita que nada tem em comum com o ideário secular libertário de esquerda) que seriam menos preconceituosas e menos injustas do que o cristianismo, em suas variadas versões.

Portanto, são muitos os elementos a serem discernidos neste processo histórico, para além da raça, da escravidão e da religiosidade. Todos estes elementos podem assumir conformações diferentes, ligando-se entre si de diferentes maneiras e tessituras sociais e culturais, dependendo do contexto socioeconômico que lhe dá sustentação, mas, mesmo depois que o contexto socioeconômico que lhe deu sustentação tenha sido redimensionado, as mentalidades surgidas do contexto original não se dissolvem assim tão facilmente como pensa o marxismo vulgar economicista e mecanicista. O resíduo de antigas superestruturas de conformações sociais concretas e históricas fica como fenômeno histórico, no presente de sociedades que nunca serão fenômenos homogêneos e puros como nas ideações dos puristas teóricos de academia (Engels já havia percebido claramente isto).


Alberto Nasiasene Jaguariúna, 16 de março de 2014


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