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Capt. 5 - Escravos e Carcamanos

Nos anos 1990, um famoso cineasta nelson rodrigueano que se tornou jornalista temporão no PIG (partido da imprensa golpista), disse, em um telejornal que foi fundado pela ditadura militar nos anos 1960, que o modo de produção capitalista era uma questão de técnica de produção apenas e, dentro do admirável mundo novo da globalização neoliberal daqueles anos FHC não havia escapatória a ele (talvez porque tivéssemos entrado, finalmente no final da história, com o afunilamento das alternativas sócio-econômicas em uma única e definitiva forma de se viver a vida).

Claro que me diverti bastante com tal acacianismo de quem se pretendia comentador geral de tudo, com uma suposta erudição profunda sobre a teoria geral unificadora (que ainda não foi alcançada e, talvez, nunca o seja, nem na física) entre a teoria da relatividade de Einstein, as teorias quânticas e todas as teorias sociais das ciências sociais. O caro nunca leu Marx integralmente, embora tenha sido ex-integrante do Partidão, em Ipanema (aliás, a maioria destes ex-comunistas de Ipanema estão hoje filiados ao PPS, que se tornou partido anexo do PSDB).

Pouco me importa o que o tal cineasta pensa ou deixa de pensar, comenta ou deixa de comentar. Ele é irrelevante para a história brasileira (inclusive porque já não consegue mais fazer filmes rodrigueanos como fazia nos anos 1960 e 1970 e é incapaz de reinterpretar o Cinema Novo de um Glauber nos dias atuais, embora ele, oportunisticamente, se julgue ainda um intérprete de Glauber; se o Glauber estivesse vivou, duvido que o considerasse amigo agora). Não era um comentário simplório como aquele (que supostamente atingiria um público amplo das camadas populares; porque o tal jornal nunca foi lá muito popular, muito menos os comentários chatos de um intelectual que falava coisas difíceis de entender nas periferias sociais Brasil afora; embora o ibope mostrasse os números que mostram, isto não quer dizer que as pessoas realmente estavam assistindo aquilo, antes da novela das oito, muito menos que estavam prestando atenção e entendendo; que dizer então, de estarem concordando?...) que iria colocar por terra os conceitos elaborados por Marx no século XIX, porque, independentemente da vontade destes desgastados intelectuais orgânicos das classes dominantes brasileiras, a terra se move (como diria Galileu) e a história não acabou (ele mal poderia imaginar que o admirável mundo novo globalizante neoliberal iria entrar em colapso em 2008 bem no centro geopolítico onde se originou).

Por estas e outras razões é que me detive mais detalhadamente na explicitação do conceito de modo de produção em Marx (que nada tem que ver com técnica de produção econômica, como pensam os mais apressados que nem leram Marx). Foi a partir deste arcabouço conceitual que fiz minhas análises preliminares da documentação empírica com a qual trabalhei. Estas parte da investigação documental virá a seguir, aguardem.


Alberto Nasiasene


Jaguariúna, 11 de maio de 2012



Os conceitos de modo de produção, forças produtivas, formação social e região, empregados na análise do modo de produção escravista e a transição para o trabalho assalariado no Brasil

Engels

Segundo Engels, em carta endereçada a Joseph Bloch, em 1890[1], as condições econômicas são a base que condicionam, em última instância, a história. Quando se diz isto, entretanto, não está se dizendo que este seja o único fator determinante que atua sobre os acontecimentos históricos. O que se está dizendo é que as condições econômicas são a base, a infraestrutura da sociedade:


(...) pero los diversos factores de la superestrutura que sobre ella se levanta - las formas políticas de la lucha de clases y sus resultados, las constituiciones que, despues de ganada una batalla, redacta la clase triunfante, etc., las formas jurídicas, e incluso los reflejos de todas estas luchas reales en el cerebro de los participantes, las teorías políticas, jurídicas, filosóficas, las ideas religiosas y el desarrollo ulterior de éstas hasta convertirlas en un sistema de dogmas - ejercen también su influencia sobre el curso de las luchas históricas y priman, en muchos casos, sobre su forma. Es un juego mutuo de accinones y reacciones entre todos estos factores, en el que, a través de toda la muchedumbre infinita de casualidades (es decir, de cosas y acaecimientos cuya trabazón interna es tan remota o tan difícil de probar, que, podemos considerarla como inexistente, no hacer caso de ella) acaba siempre imponiéndose como necesidad el movimiento económico (...) (Engels, p. 8)

Segundo ele, somos nós mesmos quem fazemos a nossa história, mas a fazemos dentro de determinadas condições concretas que nos limitam. Entre estas condições que nos limitam, são as condições econômicas as que decidem, em última instância, os rumos aos quais somos lançados. Entretanto, também desempenham seu papel, segundo ele, mesmo que não decisivamente como no caso das condições econômicas, as condições políticas e até mesmo a tradição cultural. A história é feita de tal maneira que é o resultado final dos conflitos entre muitas vontades individuais, cada uma das quais, por sua vez, é o resultado de uma multidão de condições especiais de vida. A história, portanto, é o resultado de inumeráveis forças que se entrecruzam umas com as outras, dentro de uma contexto econômico que fornece a possibilidade real dela acontecer.

É sempre bom lembrar que como espécie biológica o homem não pode viver sem que tenha primeiro resolvido algumas questões de sobrevivência essenciais: comer, beber, vestir-se (protegendo-se do frio). O modo como ele, enquanto sociedade, vai resolvendo estas questões básicas ao longo da história é o que nós conhecemos como sistemas sócio-econômicos. Desta simples constatação básica é que se desenvolve a concepção materialista da história.


Para Engels[2], o movimento econômico se impõe sempre, em termos gerais, mas se acha também sujeito às repercussões do movimento político criado por ele mesmo e dotado de uma relativa independência (o movimento do poder estatal, de uma parte, e de outra, o da oposição, criada ao mesmo tempo que aquele). Isto é, assim como no mercado financeiro, em termos gerais, está refletido, de forma invertida, o movimento do mercado industrial, na luta entre o governo e a oposição está refletida a luta entre as classes que já existiam e lutavam antes; mas também de um modo invertido, não diretamente, mas indiretamente; já que não se dá com aparência de luta de classes e sim como uma luta em torno de princípios políticos.

Jacó Gorender

Segundo Jacob Gorender[3], na síntese do materialismo histórico incluída no prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política defrontamo-nos com estes dois conceitos centrais: o de modo de produção e o de formação social. Para ele, a economia política é a ciência dos modos de produção, de todos em geral e de cada um deles em especial, de sua sucessão e das transições de um para o outro. O modo de produção da existência material constitui o fundamento ontológico da sociedade humana. Isto é, quando falamos em ser social do homem nada mais estamos falando do que a produção e reprodução dos próprios homens como sociedade humana.


Quando falamos em sociedade humana no singular, segundo Gorender, estamos pensando no sujeito único e contínuo da história, pensando na humanidade como categoria sob a qual abrangemos desde as sociedades tribais até às mais complexas sociedades industriais do século XX.


O conceito de modo de produção não é o mesmo que formação social, porque as formações sociais não se reduzem aos modos de produção. As formações sociais compõem-se de modos de produção e formas de consciência social e instituições que os homens criam coletivamente sobre a base do modo de produção. No estudo das formações sociais e dos modos de produção, a economia política se une à sociologia e à ciência da história[4].

Sob o conceito de modo de produção não se compreende apenas a produção propriamente dita de bens materiais, porém por igual, sua distribuição, circulação e consumo. O modo de produção constitui uma totalidade orgânica e um processo reiterado de produção, distribuição, circulação e consumo de bens materiais, todas elas fases distintas e, ao mesmo tempo, interpenetradas no fluir de um processo único. Mas, neste, é a produção que pertencem a determinação fundamental e o ponto de partida recorrente. A produção contém, em si, as demais fases como seus pressupostos e momentos particulares. Por isso, é ela o princípio formador da organização social dos homens que chamamos de modo de produção. (Gorender, p. 10)

Do conceito de modo de produção, podemos abstrair duas categorias essenciais: as relações de produção e as forças produtivas. Segundo Gorender, os homens sempre produzem como seres sociais, ainda quando produzam como indivíduos isolados. Neste processo de produção, os homens estabelecem entre si relações objetivas, interdependentes de sua vontade, o que não implica que não adquiram alguma forma de consciência delas.

(...) Tais são as relações de produção ou relações econômicas, que constituem a base das relações dos homens na generalidade dos seus aspectos sociais, quer os associem comunitariamente ou os dividam em classes. Por outro lado, a produção resulta sempre da conjução de um agente subjetivo (os homens) com certos elementos materiais (ou meios de produção, que incluem os meios e o objeto de trabalho). Os homens e os elementos materiais, com e sobre os quais atuam, constituem as forças produtivas. O modo de produção tem a forma de estrutura de relações entre os homens, consolidadas, permanentes, repetidas no cotidiano da vida social, relações apoiadas nas necessidades da produção organizada segundo determinado caráter assumido pelo desenvolvimento das forças produtivas. O modo de produção é, assim, por si mesmo, um modo de reprodução continuado das relações de produção e das forças produtivas. (Gorender, 10 e 11)

Para Engels[5], por relações econômicas, nas quais está assentada a base determinante (mas não determinista) da história da sociedade, entende-se o modo como os homens de uma determinada sociedade produzem o sustento para sua vida e trocam entre si os produtos resultantes. Toda a técnica de produção e de transporte estão também incluídos aqui. Estas técnicas determinam, segundo ele, o regime de trocas assim como o da distribuição dos produtos. Entre as relações econômicas se inclui também a base geográfica sobre a qual aquelas atividades humanas se desenvolvem e os vestígios efetivamente legados por anteriores fases econômicas de desenvolvimento que se mantiveram em pé muitas vezes somente por tradição ou pela força da inércia. Além disso, o meio ambiente que rodeia esta forma de sociedade também está incluído no conceito mais geral de economia por ele denominado como infraestrutura.

Ciro Flamarion Cardoso

Segundo Ciro Flamarion Cardoso[6], a noção de forças produtivas surge quando consideramos os elementos do processo de trabalho, que são as forças de trabalho, o objeto de trabalho e o meio de trabalho, que formam os meios de produção, quanto à sua natureza, às suas dimensões, às suas relações e à intensidade do seu uso no contexto de um determinado meio histórico.


Para ele, é errôneo limitar as forças produtivas às técnicas e aos instrumentos de produção porque elas incluem também o homem em sua participação no processo de trabalho (com suas forças físicas e mentais, multiplicadas e eventualmente especializadas através da divisão social do trabalho).


As forças produtivas, segundo Flamarion, não são independentes do meio histórico. Além disso, o contexto histórico também está imerso em um meio ambiente que não é indiferente às potencialidades e aplicações das aptidões físicas e intelectuais do homem, de seus meios de produção e de suas técnicas. O homem modifica o meio ambiente, na medida em que enriquece ou restaura o solo som fertilizantes naturais ou químicos, quando não o destrói provocando a erosão acelerada. Além disso, ele introduz plantas, animais e instrumentos de produção da Europa e da África no continente americano difundindo a batata e o milho, por exemplo, que são originários da América, para o resto do mundo.

Henri Lefebvre

Segundo Henri Lefvre[7], o conceito de modo de produção capitalista designa em Marx o resultado global das relações de antagonismo. Estas relações de antagonismo não entram na prática social a não ser através de formas que as sustêm e mascaram. Por exemplo, a forma contratual (a do contrato de trabalho, ficticiamente livre, que liga os membros da classe trabalhadora e os da burguesia e que pretensamente os associa). Este resultado global compreende as elaborações jurídicas das relações de produção, as relações de propriedade codificadas (as ideologias que exprimem, dissimulando-as, as relações de antagonismos), as instituições políticas e culturais, a ciência etc.


A pergunta que se coloca Lefbvre é como datar o modo de produção capitalista como tal no momento histórico em que podemos dizer que ele está completamente constituído? Não podemos dizer que ele exista só porque há alguns elementos dele presentes aqui ou ali. A troca de mercadorias, por exemplo, existe desde a antigüidade. Marx já notava a existência de assalariados no período medieval, trabalhadores já privados dos meios de produção, que vendiam à burguesia local e aos mestres das corporações o seu tempo de trabalho. Mas isso ainda não era um indicador de que o modo de produção especificamente capitalista já existisse neste período. Só após o meado do século XVIII, na Inglaterra, a ascensão do modo de produção capitalista se torna possível com a substituição da manufatura pela indústria.


Segundo Lefvre, as relações de produção encerram contradições, tais como as contradições de classe (capital/ salário) que se ampliam em contradições sociais (burguesia-proletariado) e políticas (governantes-governados). Quando procuramos mostrar como se reproduzem as relações de produção estamos querendo demonstrar como se amplificam e se aprofundam, em escala mundial, as suas contradições.

Em conclusão, a hipótese estruturalista identifica apressadamente “modo de produção” e “sistema”; ela apresenta um sistema capitalista bem constituído desde a sua formação, com todos os seus órgãos. A hipótese que aqui se opõe a esta construção especulativa será a seguinte: nunca antes existe um sistema acabado, mas esforço no sentido da sistematização - no sentido da coerência e da coesão - a partir das relações de produção e das suas contradições.(...) (Lefvre, in Sociologia e Sociedade, p. 233 e 234)

A estrutura atual da pessoa re-produz à sua maneira, segundo Lefvre, as relações sociais introduzindo-as nas relações imediatas, na família, no casamento, no sexo nas relações entre pais e filhos, nas relações entre “superiores” e “inferiores”. Uma vigilância atenta permite fazer ressaltar estas atitudes, mas não afastá-las. A tensão permanece uma constante da realidade social, embora assuma formas diferentes.

Harry Braverman

As determinações sociais não possuem a fixidez de uma reação química porque são um processo histórico, afirma Harry Braverman[8]. Segundo ele, as formas concretas e determinadas de sociedade são determinadas e não acidentais. Entretanto, estamos diante dos “fatores” determinantes da tecelagem, fio por fio, da tessitura da história, jamais de um determinismo cego e mecanicista expresso em fórmulas externas.


Segundo ele, o feitio de nossa sociedade, ou qualquer outra sociedade, não é uma criação instantânea de “leis” que geram aquela sociedade num lugar e diante de nossos olhos, porque toda sociedade é um processo histórico que só pode ser apreendida como parte daquele processo. O capitalismo, por exemplo, que é uma forma social, quando existe no tempo e no espaço, na população e na história, tece uma teia de milhões de fios cuja complexa rede pressupõe muitos outros.


(...) É devido a esta sólida e tangível existência, esta forma concreta produzida pela história, nenhuma parte da qual pode ser substituída por suposições artificiais sem violentar seu verdadeiro modo de existência - é precisamente devido a isso que ela nos aparece como “natural”, “inevitável” e “eterna’. E apenas nesse sentido, como um tecido feito através dos séculos, podemos dizer que o capitalismo “produziu” o atual modo de produção capitalista. Isto é um grito remoto de uma fórmula pré-fabricada que nos capacita a “deduzir” de um dado estágio de tecnologia certo modo de organização social. (Braverman, pp. 29 e 30)

O trabalho humano, em contraste com o trabalho animal (especialmente quando ele é instintivo) é caracterizado por um poder do pensamento conceptual que tem origem em torno do excepcional sistema nervoso central, segundo Braverman. A cultura humana nada mais é do que o resultado desta capacidade de pensamento conceptual.


O trabalho como atividade proposital, orientado pela inteligência, é um produto específico da espécie humana, de acordo com Braverman, o que reflete, evidentemente, a sua inspiração marxista. Isto é, o trabalho que ultrapassa a mera atividade instintiva é assim a força que criou a espécie humana e a força pela qual a humanidade criou o mundo como o conhecemos hoje. O trabalho humano, através de sua objetivação em produtos tais como ferramentas, maquinaria ou animais domesticados, representa o recurso exclusivo da humanidade para enfrentar a natureza.


A especificidade da produção capitalista é a compra e venda de força de trabalho, o mercado de trabalho. Na existência de um mercado de trabalho livre estão implícitos três pré-requisitos básicos: primeiro, os trabalhadores são separados dos meios com os quais a produção é realizada e só podem ter acesso a eles vendendo a sua força de trabalho a outros; em segundo lugar, os trabalhadores estão livres de coações legais tais como servidão ou escravidão e em terceiro lugar, o propósito do emprego do trabalhador torna-se a expansão de uma unidade de capital pertencente ao empregador que atua como capitalista.


Este processo específico de trabalho começa com o contrato ou acordo que estabelece as condições da venda da força de trabalho pelo trabalhador e sua compra pelo empregador. Entretanto, precisamos enfatizar o caráter histórico deste fenômeno. Isto é, embora a compra e venda de força de trabalho tenha existido desde a antigüidade, até o século XIV ainda não tinha começado a se constituir uma considerável classe de trabalhadores assalariados na Europa, só vindo a se tornar numericamente importante com o advento do capitalismo industrial no século XVIII.


O contrato de trabalho só é realizado porque o trabalhador não tem outra alternativa para ganhar a vida. O empregador é o que possui um capital que ele se esforça para ampliar e para isso converte parte dele em salários. Deste modo, segundo Braverman, o processo de trabalho é posto para funcionar. Embora seja um processo para criar valores úteis em geral, tornou-se, com o capitalismo, um processo específico para a expansão do capital através do lucro. No capitalismo não se pode, portanto, encarar o trabalho pelo lado meramente técnico, já que ele expressa uma relação social básica específica de uma determinada sociedade historicamente datada. O que o trabalhador vende e o que o capitalista compra não é uma quantidade contratada de trabalho, mas a força para trabalhar por um período contratado de tempo.


Tendo delimitado os conceitos de modo de produção, formação social, forças produtivas e trabalho, precisamos discutir o conceito de região que empregamos. O conceito de região, empregado na análise histórica, segundo Ciro Flamarion, traz algumas vantagens. Estas vantagens são de dois tipos: a) estratégia de pesquisa, porque as dimensões e a relativa homogeneidade de uma região permitem um estudo exaustivo que seria difícil realizar tomando unidades demasiado grandes e heterogêneas; além disso, através do método comparativo aplicado a regiões bem estudadas, pode-se chegar a sólidas generalizações; b) é ao nível da região que as ações e interações entre o grupo humano e o território se percebem com mais clareza, já que em espaços mais vastos elas tendem a se diluir em generalizações menos específicas.

De fato, a única maneira possível de usar com proveito a noção de região consiste em defini-la operacionalmente de acordo com certas variáveis e hipóteses, sem pretender que a opção adotada seja a única maneira “correta” de recortar o espaço e de definir blocos regionais. As razões são principalmente duas: 1) no fundo, toda delimitação territorial é uma abstração, uma simplificação de uma realidade mais complexa para finalidades de pesquisa ou de ação prática; 2) além disso, as relações entre o homem e o espaço, que em princípio servem de base à definição regional, não são imóveis, modificam-se no tempo conforme os graus variáveis de organização e exploração do meio ambiente pelo grupo humano, pior ou melhor armado de forças produtivas. Por esses motivos, seria absurdo querer recortar o espaço de uma vez por todas em regiões unívocas e estanques (...) (Cardoso, p. 73)

O historiador, ao delimitar os “casos” a que se propõe estudar, segue três princípios básicos, diz Flamarion Cardoso, citando Pierre Vilar: 1) O espaço, um universo geográfico dotado de personalidade e homogeneidade, 2) tempo, necessidade de um corte temporal adequado que englobe o processo estudado, mas também as suas condições prévias e as suas conseqüências mais próximas, 3) o quadro institucional, a necessidade de homogeneidade das fontes para que se torne possível uma análise institucional e estatística sólida. É este conceito de região que empregamos nesta análise dos dados empíricos a que nos propomos nesta monografia.

Pierre Vilar

A nossa concepção teórica sobre o objeto de estudo que propomos analisar é a que concebe que as possibilidades de escolha dos “agentes econômicos” (integrantes de uma determinada classe social) estão estritamente limitadas por determinações econômicas e sociais. Os “agentes econômicos” são vistos aqui como homens de sua época em estreita dependência de fatores estruturais e conjunturais que escapam ao seu completo controle e limitam as suas escolhas possíveis (a despeito de toda a sua criatividade e dinamismo individuais). Esta concepção associa os enfoques microeconômicos aos macroeconômicos na tentativa de se apreender a sua tensão dialética encarnada no contexto específico da região por nós delimitada geográfica e temporalmente[9].

Notas

1. ENGELS, Fridrich. Cartas sobre el materialismo histórico 1890-1894.

2. Em carta a Conrad Schimidt, datada de 27 de outubro de 1890.

3. GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. P. 9

4. Em carta escrita a Conrad Schimidt, em 1890, Engels afirmou: “(...) Hay que estudiar de nuevo toda la historia, investigar en detalle las condiciones de vida de las diversas formaciones sociales, antes de ponerse a derivar de ellas las concepciones políticas, del derecho privado, estéticas, filosóficas, religiosas etc., que a ellas corresponden. Hasta hoy, en este terreno se ha hecho poco, pues ha sido muy reducido el número de personas que se han aplicado seriamente a ello. Aqui necesitamos masas que nos ayuden; el campo es infinitamente grande, y quien desee trabajar seriamente, puede conseguir mucho y distinguirse. (...)” (Engels, p. 6)

5. Em carta endereçada a A. W. Borgius, datada de 25 de janeiro de 1894.

6. Cardoso, Ciro Flamarion. Agricultura, escravidão e capitalismo, pp. 25, 26.

7. LEFVRE, Henri. “Estrutura social: a reprodução das relações sociais”. In FORACHI, Marialice Mencarini e MARTINS, José de Souza. Sociologia e sociedade; leituras de introdução à sociologia.

8. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista; a degradação do trabalho no século xx.

9. Esta concepção está expressa claramente em Agricultura, escravidão e capitalismo, de Ciro Flamarion Cardoso, p. 50.

Rota Mogiana de Alberto Nasiasene é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil.

Based on a work at www.rotamogiana.com.

Postado há 11th May 2012 por Alberto Nasiasene


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