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A estética da seca na filmografia de Vladimir Carvalho

Centro de Itabaiana, cidade natal de Vladimir, na época do inverno, que, na Paraíba, é sempre a estação chuvosa (no caso, Itabaiana recebe muito mais chuvas periódicas do que o sertão, porque não está na região do semiárido nordestino)


Os críticos de cinema cariocas e paulistas, que não têm ideia mais concreta e mais detalhada do que é o Nordeste e a Paraíba, pensam que Vladimir é sertanejo e acham que Itabaiana fica no sertão, não compreendendo que isto não é verdade e esta ideia equivocada só vem da insistência de Vladimir, como homem nascido e criado na zona da mata açucareira paraibana e pernambucana, em retratar o sertão. Não compreendem estes críticos que se Vladimir tem uma atração muito forte pelo sertão, em sua filmografia, isto vem exatamente do fato de que ele não seja um sertanejo. Isto quer dizer que a visão estético-existencial dele é uma visão externa ao sertão, muito diferente da visão interna do sertão que há na obra de um Ariano Suassuna.


Olaria às margens do rio Paraíba, em Itabaiana. Note-se a umidade abundante existente na região.

Quero dizer com isto que a visão de Vladimir sobre o sertão paraibano é uma visão estética idealizada sob o ponto de vista de quem não é originado desta paisagem seca, mas da paisagem sempre úmida e verde da zona da cana paraibana (no máximo, com a visão momentaneamente seca do agreste, que é uma zona de transição, constituída predominantemente por árvores da mata atlântica que perdem as folhas na estação anual da estiagem; que na Paraíba é no verão, ao contrário do centro-sul). Isto é, exatamente porque ele não é originado de lá é que ele se sente atraído por esta paisagem exótica para ele (e é exótica pelo acentuado contraste, evidentemente, com sua terra natal). Note-se, por exemplo, que a fotografia do sertão que há em um filme como O País de São Saruê é uma fotografia que congela e eterniza a estética da seca, porque o filme foi inteiramente filmado durante as férias de verão de Vladimir, na segunda metade da década de 1960, exatamente quando não há chuvas no sertão e a paisagem fica inteiramente seca, sem folhas (principalmente quando os invernos chuvosos são fracos e se emendam numa longa seca de anos seguidos). Mas isto não quer dizer que esta seja a aparência permanente do sertão, como um carioca e paulista pensam frequentemente.

Vladimir Carvalho com Glauber Rocha no Hotel Nacional de Brasília durante a realização do festival de cinema de Brasília

Quando fui morar em Campina Grande na Paraíba (cidade do final da região transitória do agreste entre a zona da mata úmida e o sertão semi-árido), como estudante universitário de sociologia, no final de 1979 e início dos anos 1980, sempre que conversava sobre a arte que tinha como referência o sertão nordestino, com amigos que eram originados do sertão, um dos aspectos que me chamavam muito a atenção na visão deles sobre sua própria terra natal era que eles não viam beleza alguma na seca e em seus efeitos estéticos diretos sobre a paisagem (rural ou urbano-social). Ao contrário, o conceito de beleza da paisagem sertaneja, para eles, estava sempre ligado ao inverno e às chuvas, quando a paisagem do sertão e da caatinga transborda em vida verdejante (que, para eles, era sinal de alegria e não de tristeza como na seca).




Portanto, a autoimagem interiorizada dos sertanejos sobre sua própria paisagem não era a de um sertão seco, mas a de um sertão verde e isto contrastava fortemente com minha própria imagem interiorizada, em Brasília, onde fui criado e onde vivera toda minha adolescência, sobre o sertão (por causa de uma obra como a de Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, em Vidas Secas). Eu nunca conseguia convencer meus amigos sertanejos de como era bela a estética dramática da seca (eles ficavam sempre indignados comigo por ver beleza onde eles só viam feiúra e sofrimento).


Isto quer dizer que, para quem estava de fora da paisagem sertaneja, como eu, observando-a contemplativamente a partir da ótica subjetiva de uma outra paisagem geográfica-social e existencial, havia algo de belamente trágico na paisagem da seca. Por isto é que eu sentia uma enorme curiosidade em ver de perto o sertão. Foi o que fiz em uma de minhas viagens exploratórias que fiz por terra, de ônibus, quando ainda era estudante secundarista, antes de morar na Paraíba enquanto estudante de sociologia, no final dos anos 1970. Lembro-me de quanto fiquei decepcionado ao ver uma paisagem verde, ao passar pelo sertão, porque, naquele momento histórico a mídia falava muito sobre a seca que estava ocorrendo no sertão do Nordeste há 7 anos, por causa do El Niño. Fiquei decepcionado porque não vi a seca propriamente dita (só vi a seca verde, um tipo específico de seca que não deixa a paisagem ressecada, mas, por causa da insuficiência de chuvas, prejudica somente a agricultura, porque a caatinga permanecia verde).


Ora, como sou também originado da zona da mata paraibana, região do Brejo paraibano, região da cana de açúcar, é claro que minha visão e gosto estético sobre o sertão não tinha nada em comum com a visão de meus amigos sertanejos, porque nosso ponto de vista subjetivo sócio-existencial era oposto e, por causa do confronto existencial com este ponto de vista sertanejo propriamente dito é que comecei a mudar minha visão interior sobre o sertão (mas ainda não deixei de me sentir fortemente atraído pela paisagem ecológica, sócio-econômica e cultural, exótica para mim ainda hoje, do sertão).


Alberto Nasiasene

Jaguariúna, 26 de janeiro de 2008

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