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Como e porque quero me tornar documentarista

Alberto Nasiasene em 1979

Meu tempo é hoje. Eu não vivo no passado. O passado vive em mim.

Paulinho da Viola

Alberto Nasiasene e Vladimir Carvalho

Desde o começo, não me propus fazer filmes digitais de ficção, mas documentários. Dentre as possíveis correntes de documentários às quais poderia me dedicar, inclino-me, por "instinto", à corrente do cinema verdade, ou documentário participativo. Isto ocorre porque, evidentemente, minha formação prévia em ciências sociais e em historiografia me predispõe internamente a direcionar meu "olhar cinematográfico" para a realidade social que pretendo documentar no modo dos cineastas participativos (levando em conta o conceito de observação participante da antropologia).


É por isto que digo, sempre, que, seja em fotografia ou em imagens em movimento agora, meu olhar estético e conteudístico é o olhar do professor de história que não apenas usa sua câmera como ferramenta de trabalho (buscando colher um amplo acervo documental), mas que também a usa como maneira de se expressar artisticamente (tanto quanto possível).


Além destas motivações metodológicas internas, não posso ocultar que também estou sendo fortemente conduzido por uma motivação emocional que vem das profundezas de minhas memórias existenciais de final de adolescência e início de vida juvenil universitária. Naquele tempo, desejei sim fazer cinema, pelo menos curtas-metragens e só não consegui realizar nada porque, evidentemente, morando no interior da Paraíba precariamente como morava, em repúblicas e pensões, eu não tinha a menor condição financeira de assim fazer.


O impulso interior que sinto agora para realizar meus próprios "filmes digitais caseiros", entretanto, não é o mesmo de antes, porque há uma clara opção de gênero assumida: não quero mais realizar ficção como antes queria (por causa de meu profundo envolvimento com a literatura através da Maratona Literária e prêmios que recebi pelas monografias de análise literárias que escrevi), mas apenas documentários exclusivamente.


Também não posso negar peremptoriamente que recebi (e ainda recebo sim) uma forte influência pessoal de Vladimir Carvalho, não só como cineasta documentarista e intelectual, mas como ser humano que ele é. Entretanto, isto não quer dizer que participei de algum curso no qual ele foi professor, nem que tenha recebido dele uma influência direta em cinema, porque, quando saí de Brasília para ir ao encontro da Revolução no interior do Nordeste (indo morar em Campina Grande, na Paraíba, no campus II da UFPB, como estudante de ciências sociais), eu já tinha 19/20 anos de idade e a maior parte do contato pessoal direto que tive com ele aconteceu quando eu ainda era criança e adolescente, em situação de convívio familiar. Fui aluno de artes plásticas sim, mas não dele e sim de sua esposa Socorro, minha prima.

Vladimir Carvalho

Portanto, ao longo da vida, desde que eu era criança, Vladimir Carvalho surgiu diante de mim como uma grande descoberta fascinante de vida (pelo que ele era e é e pela obra que ele realizava). Isto quer dizer que a grande influência que recebi e ainda recebo dele é uma influência indireta, vista à distância (como um farol que me motiva a continuar absorvendo o que ainda recebo dele como paradigma de ser e de fazer). Quando eu ainda tinha 21 anos de idade, em visita de férias a Brasília (quando estive pessoalmente com ele em 1981), escrevi um esboço de autobiografia psicanalítica em que declarava formalmente que ele era o sol que brilhava na aurora de minha vida (como o sol do País de São Saruê).


Mas talvez não seja esta forte luz indireta que ainda recebo dele (simbolicamente) que explique minha forte motivação interior me impulsionando na direção da produção de documentários digitais (porque ele continuaria a ser o farol que sempre foi em minha vida, como exemplo de ser; "o pai que eu sonhei ter" em minha fantasia de menino paraibano). O que explica mais diretamente este impulso agora é o fato de que, desde 1979, tenho construído um caminho de vida que é só meu e que, de modo algum, se confunde com a carreira brilhante de professor universitário e cineasta que Vladimir trilhou.

Vladimir Carvalho com o presidente Lula e Gilberto Gil

Sou apenas um professor de história principiante na arte de produzir filmes digitais caseiros e nunca serei o que ele é agora. Mesmo assim, estou muito realizado, como ser humano e intelectual, por ter re-descoberto este caminho já me aproximando do crepúsculo de minha vida (antes que fosse tarde demais). Devo tudo isso sim ao curso que fiz no Museu da Imagem e do Som de Campinas no ano passado (e aos meus professores Juliana e Batata), mesmo que eu o tenha feito inicialmente apenas como maneira de me aperfeiçoar como fotógrafo amador, porque foi ali que houve uma profunda ebulição em minhas estruturas intelecto-existenciais (como se um coágulo sanguíneo interno tivesse sido dissolvido finalmente e liberado o acesso àquelas memórias e sonhos antigos de final de adolescência e início de juventude universitária de que falei; memórias que estavam soterradas em regiões profundas que foram abatidas pelo traumatismo craniano ocorrido com minha última tentativa de suicídio, por atropelamento, em 1984) que me fez tomar a decisão de começar a me aventurar nesta empreitada que estou começando agora.


Em e-mails escritos desde 2007, já mencionei o quanto este curso foi seminal em minha vida. Entretanto, faz parte do meu espírito dialético (às vezes barroco sim, cheio de parênteses e espirais do tempo, que só avançam quando retrocedem) dialogar continuamente com a memória e o tempo a partir do presente em que vivo agora, no contexto "intelecto-existencial" em que me situo historicamente, reelaborando, sempre, esta contínua relação enquanto vou vivendo. De modo que, até o fim de minha vida, irei me referir a esta re-descoberta de mim mesmo que ocorreu por causa de um curso de Pedagogia da Imagem no MIS-Campinas.


Por isto é que a primeira vez em que a Juliana me respondeu, com a citação do livro As Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino que se segue, eu chorei: " [...]

(...) era um passado que mudava à medida que ele prosseguia a sua viagem, porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia passado acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos (...) [...] – Você viaja para reviver o passado? – era, a esta altura, a pergunta de Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: ­– Você viaja para reencontrar o futuro?"

Talvez esta característica estilística dialética (de um barroco luso-brasileiro e paraibano que me é peculiar) seja transferida esteticamente para estes documentários, de maneira consciente e inconscientemente, mas, em todo caso, o meu ideal estilístico ainda continua sendo a clássica simplicidade de harmonia e serenidade (que um yogui atinge por outros meios não emocionais e racionais) que somente atingi pouco antes das ameaças de morte que recebi na vida anterior universitária que tive à vida em que vivo hoje. Se o Ângelo Pessoa foi o Profeta Prometido que me trouxe de volta a vida universitária que eu tinha na UFPB (e por ele e Mirza terei, eternamente, intensa gratidão), posso afirmar, por outro lado, que foram o Batata e a Juliana quem resgataram, como parteiros, os sonhos, os desejos e a vontade de fazer filmes que um dia eu havia tido. Portanto, nem preciso afirmar minha gratidão eterna (porque já escrevi e-mails anteriormente expressando esta gratidão), mas a re-afirmo novamente aqui.

Como já disse inúmeras vezes, nesta fase de principiante que estou vivendo agora, preciso sim da parceria essencial de meus mestres nos projetos nos quais já estou envolvido.

II

Apesar de que desde 2005 mais fortemente, quando ganhei vários livros sobre cinema e sobre a cinematografia de Vladimir Carvalho, ofertados por ele mesmo (e sem contar com as leituras teóricas que eu já tinha feito no final de minha adolescência e início de vida estudantil universitária, quando tive contato até mesmo com as teorias e ensaios do Eisenstein), foi a partir de 2007, durante o curso Pedagogia da Imagem, que venho procurando me aprofundar teoricamente (mais sistemática e intensamente) a respeito tanto da técnica cinematográfica quanto da estética específica do cinema face às outras artes. Além disso, comecei a me aprofundar também no conhecimento sistemático da história do cinema em geral e do cinema brasileiro em particular.


Entretanto, desde o começo deste ano de 2008, decidi me concentrar no estudo teórico preliminar a respeito de roteiros cinematográficos de modo geral. Digo estudo teórico preliminar porque, neste caso, só é possível falar em verdadeiro aprofundamento através da própria experiência prática, seguida de uma auto-reflexão que só a vivência concreta pode trazer. A teoria ensina procedimentos genéricos e conceitos específicos sobre roteiros, além de dar informes sobre experiências concretas de muitos roteiros e roteiristas, mas não transfere este conhecimento automaticamente a quem lê tal ou qual manual ou livro teórico específico sobre o tema. Ninguém aprende escrever um romance ou poema lendo um manual qualquer, mas criando, na prática concreta, um etilo próprio, por tentativa e erro; mesmo que esta criação baseie-se em princípios teóricos apreendidos previamente. Portanto, precisei primeiro tentar assimilar, minimamente, alguns princípios quanto à escrita de um roteiro antes de começar a trilhar meu próprio caminho.


O próximo passo que dei, a partir do início do ano letivo, foi o de começar a me aprofundar na especificidade teórica e prática do documentário. O documentário, além de ter um estatuto teórico diferenciado, face ao cinema de ficção, possui também especificidades práticas que o diferencia da prática cinematográfica de ficção. Por exemplo, no documentário da corrente "cinema verdade" ou "documentário participativo", não há a existência prévia de um "roteiro de ferro" detalhado que sirva de guia literal para as filmagens (embora isto não queria dizer que não haja planejamento prévio antes das tomadas). No caso, o roteiro vai sendo confeccionado na medida mesma em que o projeto do documentário vai se desenvolvendo passo-a-passo.


Para realizar este aprofundamento de que falo, comprei os seguintes livros desde o final de 2007:


Aumont, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 2006.

Comparato, Doc. Da criação ao roteiro, o mais completo guia a arte e técnica de escrever para

televisão e cinema. Rio de Janeiro, Artemídia Rocco, 2000.

Bernard, Sheila Curran. Documentário, técnicas para uma produção de alto impacto. Rio de Janeiro:

Elsevier, 2008.

Da-rin, Sílvio. Espelho Partido, tradição e transformação do documentário. Rio de Janeiro, Azougue,

2006.

Dubois, Philippe. O ato fotográfico. Campinas: Papirus, 2007.

Einsenstein, Sergei. O sentido do filme. Rio de Janeiro, Zahar, 2002.

____. A forma do filme. Rio de Janeiro, Zahar, 2002.

Carrière, Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

____. Prática do roteiro cinematográfico. São Paulo: JSN, 1996.

Gomes, Paulo Emílio Salles. Um intelectual na linha de frente. São Paulo: Brasiliense/Ministério da

Cultura/Embrafilme, 1986.

____. Crítica de cinema no suplemento literário V1 e V 2. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

Mascarello, Fernando (org.) História do cinema mundial. Campinas: Papirus, 2006.

Mauro, Humberto. Sua vida/sua arte/sua trajetória. Rio de Janeiro: Arte Nova/ Embrafilme, 1978.

Moss, Hugo. Como formatar o seu roteiro, um pequeno guia de master scenes. Rio de Janeiro,

Aeroplano, 2002

Watts, Harris. Direção de câmera, um manual de técnicas de vídeo e cinema. São Paulo: Summus, 1999.

Xavier, Ismail (org). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal/Embrafilme, 1983.


Ainda tenho uma lista bibliográfica que irei comprando e aprofundando aos poucos:


Aumont e Marie Michel. Dicionário Teórico e Crítico de Cinema. Campinas: Papirus.Vou encomendar

agora, neste fim de semana (pela internet)

____. A estética do filme. Campinas: Papirus. Vou encomendar agora, neste fim de semana

(pela internet)

Bernadet, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Brasiliense.

Gomes, Paulo Emílio Salles. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento.

Mannoni, Laurant. A grande arte da luz e da sombra. São Paulo: Senac.

Nichols, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus/Martins Fontes. Vou encomendar agora,

neste fim de semana (pela internet)

Souza, José Inácio de Melo. Paulo Emílio no paraíso. Rio de Janeiro: Record.


Quando digo que comecei a me aprofundar teoricamente no estudo do cinema, estou querendo indicar que, dentro de meu curto orçamento financeiro de professor de história de uma rede pública de ensino e do pouco tempo livre disponível que me sobra, além das aulas, ou por entre as aulas, vou dando um passo de cada vez, seguindo um plano de estudos sistemáticos que vou elaborando (e re-elaborando continuamente), porque esta é minha tendência espontânea de ir construindo, aos poucos, um solo teórico consistente que me proporcione construir um arcabouço (uma superestrutura), dominando com desenvoltura, os conceitos básicos e os conhecimentos empíricos mínimos em qualquer área de conhecimento específico em que me embrenhe por curiosidade ou necessidade. Não me contento com nada menos do que isto, desde minha adolescência. Se tivesse uma infra-estrutura financeira e de tempo que me desse maior autonomia, é claro que esta superestrutura seria construída com maior rapidez do que posso agora (um dia, lá longe, em minha aposentadoria, irei me dedicar somente às minhas pesquisas e à minha produção escrita e iconográfica, mas ainda não posso fazê-lo agora).


No assessoramento agendado com a Juliana, no MIS, que tive, no dia 29 de agosto agora, recebi dela uma cópia do capítulo 6 do livro Introdução ao Documentário, de Bill Nichols, da editora Papirus, "Que tipos de documentários existem?"; que faz parte dos textos bases do Grupo de Estudos de Cinema Documentário dos MIS-Campinas(quero me associar direta e indiretamente a este grupo, através da tutoria do historiador do Museu, Orestes) e participar, tanto quanto for possível, das projeções e debates do cineclube do MIS por ele coordenados.


Este capítulo foi importante para mim porque me deu um discernimento mais preciso dos seis modos específicos de se fazer documentários. Com este discernimento teórico mais detalhado, pude consolidar a convicção de que o modo com o qual mais estou me identificando no momento é o do "documentário participativo (cinema verdade)", pelas razões que já apontei acima.

Segundo Bill Nichols, quando assistimos aos documentários produzidos por este modo específico, o espectador espera testemunhar o mundo histórico através da representação desta realidade criada cinematograficamente por alguém que nela esteve engajado ativamente, evitando a postura pretensamente neutra de um observador distante (que supostamente teria evitado qualquer interferência sua na "realidade objetiva" por ele observada). Não só posso dizer que este modo de fazer imagens em movimento sobre uma determinada realidade, registrando-a documentalmente enquanto historiador que sou, é o que quero realizar com meus documentários, como já estou engajado nesta maneira de captar imagens que contam uma história desde que comecei a praticar com mais intensidade a fotografia digital. É esta abordagem que já venho praticando, portanto, desde 2004, quando comprei minha primeira máquina digital e, por isto mesmo, é claro que me identifico claramente com Bill Nichols quando ele diz que o documentário participativo enfatiza o encontro real vivido entre cineasta e seu tema focalizado. Talvez o que haja de específico no estilo que estou criando seja a dimensão existencial que está por trás de meu olhar sobre a realidade em questão, porque, de uma maneira dialética (barroca ou não), minha subjetividade está sempre em relação profunda (afetiva e memorialística) com a realidade objetiva enfocada, num diálogo imagético entre um passado e um presente que se põem na perspectiva do futuro (porque, enquanto historiador que sou, estou sempre preocupado em fazer a documentação do presente que quero "eternizar" para um possível interlocutor de um futuro remoto, em diálogo prévio com alguém que ainda não existe) a partir de uma diálogo oculto com um interlocutor real meu contemporâneo.


Claro que não posso deixar de me sentir atraído para dar continuidade a esta abordagem, mas não sei se esta abordagem dominará todos os outros projetos nos quais trabalharei futuramente, porque sou um principiante que apenas começou a praticar cinema digital caseiro, com minha primeira câmera digital filmadora amadora, a partir do final de maio de 2008. Não sei ainda quais serão as trilhas que serão abertas diante de mim, num futuro próximo ou distante. O que sei concretamente até agora é que encontrei um novo canal para expressar minha criatividade, para além dos livros que escrevo e da fotografia que pratico e continuarei escrevendo e praticando e por isto estou muito feliz com este novo caminho. Portanto, de modo algum irei abandonar a prática da escrita (que tanto me dá prazer e, como costumo dizer, me realiza tanto que, se por acaso me fosse dada a escolha de decidir entre falar ou escrever, diante de Deus, escolheria escrever sem titubear) e da fotografia. Muito menos estou pensando em deixar de ser educador de história em prol da atividade documentarista (só quando me aposentar e isto já é uma grande motivação que me impulsiona internamente também); sou suficientemente realista para não embarcar nesta ilusão (além disso, não tenho mais idade).

Obrigado, meus amigos.


Alberto Nasiasene


Jaguariúna, 6 de setembro de 2008


Rota Mogiana de Alberto Nasiasene é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil. Based on a work at www.rotamogiana.com.

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