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A influência de Vladimir Carvalho em minha vida intelectual


Vladimir Carvalho filmando O País de São Saruê

Folder da Semana Vladimir Carvalho no MIS. Ronaldo Simões, o Batata.


Felizmente possuo este documento histórico que pode comprovar a grande influência de Vladimir Carvalho em minha vida. É parte do meu diário estudantil universitário e foi escrito em julho do ano de 1982, em pleno processo eleitoral para a eleição geral de vereadores, prefeitos, deputados federais, senadadores e governadores (governadores que, até este ano, eram eleitos por eleição indireta e não eleição direta como iria acontecer depois de tantos anos de ditadura militar). Ou seja, era a primeira vez que eu participava, como cidadão e como estudante de ciências sociais, de uma eleição direta como aquela, já que eu tinha vindo de Brasília, onde passei quase toda a minha infância, desde os quatro anos de idade, e toda a minha adolescência e, portanto, nunca tinha presenciado um processo eleitoral, porque, Brasília, naquela época, não podia votar (era vetado pela constituição). Eu, portanto, simplesmente nunca tinha votado em minha vida e este ano era o primeiro em que iria votar. Mais do que isto, era a primeira oportunidade que eu estava tendo de participar ativamente, como militante do nascente Partido dos Trabalhadores em Campina Grande na Paraíba, e como estudante de ciências sociais, de um processo político eleitoral. Isto quer dizer que, além da militância partidária de base (porque eu não era candidato a nada, embora o número de militantes do PT nesta data fosse muito reduzido), aquela experiência era para mim uma oportunidade de aprendizado científico do conteúdo de minha própria matéria universitária. Ou seja, para além da opção pela práxis marxista que eu já havia feito ao sair de Brasília, no final de 1979, eu estava aprendendo a analisar a realidade de um processo eleitoral in loco e ao vivo com os critérios científicos que estava aprendendo em sala de aula e nos textos que estudava para as disciplinas do curso do bacharelado em ciências sociais onde estava matriculado. Ou seja, isto era o próprio conteúdo das disciplias de ciência política e sociologiaque eu estudava em meu curso de ciências sociais na então Universidade Federal da Paraíba, campus II (hoje o campus II foi transformado, depois desmembramento da UFPB, em Universidade Federal de Campina Grande, UFCG). Este texto autocrítico que insiro aqui embaixo, faz parte desta minha práxis que visava um amadurecimento intelecto-existencial pelo qual eu buscava ansiosamente. É a menção a Vladimir Carvalho que quero indicar, como fator determinante da trajetória intelectual de minha vida, quando eu escrevi este texto, com 22 anos de vida (há quase 28 anos anos atrás).


Consegui localizar, entre meus arquivos, estas folhas soltas, já amareladas de meu antigo diário (mas eu, na hora de digitalizar, além de utilizar um recurso automático do programa para tornar mais nítida a escrita, acionei a opção por escanear em preto e branco, o que eliminou o tom amarelado do papel que também é importante para a indicação da idade que tem o texto; se alguém duvidar, o original está comigo e será muito bem guardado em meus arquivos que estou organizando). Eu já as havia transcrito para o computador, mas somente agora é que tive a ideia de escanear o texto manuscrito. Como me adaptei rapidamente ao mundo digital, desde o fim do século passado, já não uso mais a prática da escrita com papel e caneta; a não ser muito raramente (especialmente quando estou em um lugar onde não tenho acesso ao meu computador, como nas salas de aulas atuais, da rede pública municipal de Campinas, que ainda não possuem computadores à nossa disposição, como creio que um dia terão, como já acontece com inúmeras escolas Brasil e mundo afora). As novas tecnologias digitais, pelo menos quanto à escrita, num primeiro momento, não deixam mais as pistas que deixavam a velha escrita com papel e caneta (a não ser que esta limitação, para a pesquisa historiográfica, um dia, possa ser superada por algum programa que torne possível remontar as etapas da escrita). Ou seja, na antiga tecnologia analógica do papel e caneta, geralmente, um texto com algum fôlego intelectual maior, antes de alcançar sua forma definitiva, passava por uma fase de rascunho em que era possível (se o escritor não amassava e jogava o rascunho no lixo) rever as rasuras e as várias fases pelas quais a escrita daquele texto final passou (desde que os rascunhos fossem guardados e não jogados fora). Além disso, a própria grafia das palavras é um elemento adicional que possibilita um certo conhecimento sobre alguns dos aspectos psicológicos do autor do texto (há até uma disciplina que é usada na perícia técnica dos departamentos judiciários e de polícia, chamada de grafologia). É uma pena que não possamos mais recompor a escrituração de um texto, na era digital, remontando as rasuras e sinais gráficos deixados nos rascunhos, porque um texto digital apaga as marcas pessoais e as marcas do tempo (por exemplo, um texto digital não fica amarelo pela passagem do tempo, como um papel). Por estas razões é que resolvi digitalizar estes papeis que tenho comigo (antes eu não os mostrava por vergonha, já que não estavam escrito à máquina).

Quando decidi riscar o nome de Vladimir Carvalho, só deixando aparecer as iniciais dele, esta foi uma estratégia que só surgiu tardiamente (quando eu já morava em Campinas como seminarista em uma instituição protestante) por causa do grande medo que eu ainda tinha, já no início de um novo período democrático (mas com a proximidade histórica face à ditadura militar anterior ainda muito contundente) de comprometer as pessoas queridas (ou de minha família ou simples colegas do tempo estudantil militante no interior da Paraíba) em relação a represálias dos setores direitistas da Paraíba ou da sociedade brasileira de modo geral (ainda hoje vemos como certos temas são sensíveis aos setores militares truculentos, egressos da ditadura anistiados como foram). Eu ainda tinha em minha mente o clima intensamente emocional de medo e intimidação que sofri nos meus momentos finais de Paraíba, como estudante universitário militante de esquerda morando no interior do estado e no final da ditadura militar. Não me esquecera completamente das ameaças de morte sistemáticas que recebi em 1983 (por pessoas que ficavam me esperando para me ameaçarem enquanto eu ia estudar na universidade ou quando eu voltava do campus) e ainda estava muito atordoado mentalmente. Por isto é que achei mais prudente não mencionar completamente o nome de Vladimir Carvalho (mas, através das rasuras, é possível ler o nome original e isto, é claro, não compromete Vladimir em nada), deixando uma indicação sobre quem estou falando somente através das iniciais do nome de tal modo que não fosse imediata a identificação, para quem não sabia de detalhes familiares de minha vida privada e, por outro lado, por uma questão de honestidade intelectual, mantendo, mesmo que indiretamente, uma indicação indireta sobre a pessoa a qual estava me referindo (por isto é que, ao invés de trocar os nomes, preferi deixar somente a indicação das letras iniciais).

Os meados da adolescência de que falo, foram os anos 1975 e 1976 (quando eu tinha 15 e 16 anos de idade e a ditadura ainda era suficientemente forte para causar a morte, sob tortura, de um Vladimir Herzog, por exemplo, em 1975, ligado ao PCB, e a execução truculenta do comitê central do PC do B, na chamada chacina da Lapa, em 1976). O apoio que Vladimir me deu foi um telefonema que ele me fez, quando a reportagem que saiu, no Correio Braziliense, sobre a premiação que recebi no concurso da Maratona Literária. Como já expliquei em outra postagem, eu tinha ficado muito assustado com tudo aquilo. O único telefonema que eu precisava ouvir era o dele e isto foi a única coisa que me tranquilizou (porque eu estava me sentindo um "traidor").

Alberto Nasiasene


15 de fevereiro de 2010


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