A utopia de Vladimir Carvalho está se tornando realidade em Brasília
O produtor Marcus Ligocki na produtora, em 18 de janeiro de 2011. Foto: Alberto Nasiasene
O produtor Marcus Ligocki na produtora, em 18 de janeiro de 2011. Foto: Alberto Nasiasene
Sempre sonhei com o desenvolvimento pujante da cultura em Brasília, em todos os sentidos, (aliás, esta era a intenção inicial do Lúcio e do Niemeyer). Ao ajudar a divulgar a obra e o atual trabalho museológico de Vladimir Carvalho sobre a história do cinema brasiliense e do Centro Oeste, em sua Fundação Cinememória, estou colaborando para que Brasília se torne um dos principais polos de produção de audiovisual do país, quebrando o monopólio do falso eixo São Paulo - Rio de Janeiro (para mim, um sinal de subdesenvolvimento que precisa ser superado num país tão grande e tão complexo como o nosso, que não pode se reduzir a esta dicotomia limitadora). Digo falso, porque este tal "eixo" não corresponde mais à realidade histórica atual do país. Como vocês devem ter visto no último censo IBGE, de 2010, Brasília já é a quarta cidade do país, só está atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador (mas tende a ultrapassar Salvador no próximo censo, em 2020; portanto, será a terceira maior cidade do país).
Setor de Rádio e Televisão Sul, onde está localizada a produtora Ligocki-Z que está produzindo o filme de Vladimir Carvalho, Rock Brasília: ninguém segura a utopia. 18 de janeiro de 2011. Foto: Alberto Nasiasene
Isto é, não dá mais para aceitar acriticamente o tal "eixo Rio-São Paulo," que, na verdade, desde meados do século XX passou mais a ser São Paulo-Rio (porque o polo mais dinâmico migrou, em todos os sentidos, até no populacional, do Rio para São Paulo) e agora, no início do século XXI, com o imenso desenvolvimento de áreas significativas do território nacional para além desta megalópole litorânea no centro-sul, representada pelo grande Rio e pela grande São Paulo, interligados pelas cidades conurbadas do Vale do Paraíba fluminense e paulista, passa, cada vez mais, a ser um eixo policêntrico com tentáculos vários como deve ser em um país quase metade de um subcontinente. Há importantes núcleos em várias das regiões do país, que se ramificam regionalmente, tanto no Nordeste, quanto no Sudeste, Sul, Centro Oeste e Norte e Brasília é um deles, no Centro Oeste do país.
Setor de Rádio e Televisão Sul, onde está localizada a produtora Ligocki-Z que está produzindo o filme de Vladimir Carvalho, Rock Brasília: ninguém segura a utopia. 18 de janeiro de 2011. Foto: Alberto Nasiasene
O estado de São Paulo tem passado, desde as últimas décadas o século XX, por um processo de descentralização sócio-econômica e geográfica (por isto é que Campinas é um grande centro em várias dimensões, mas não é só Campinas não, há outros centros internos no estado, porque a capital não monopoliza mais tudo o que se faz no estado). Este processo histórico tem suas raízes mais antigas do que se pode imaginar, mas, nas décadas finais do século XX, podemos ver claramente as áreas do interior que se espessaram sócio-economicamente e populacionalmente, ou seja: o Vale do Paraíba paulista, a baixada santista e a região de Campinas e corredor da Anhanguera. Outras áreas do estado também se desenvolveram, mas estas que cito são as principais (não esquecendo de apontar que a atual população deste estado é maior do que a da Argentina). Entretanto, não foi só em São Paulo que esta tendência à descentralização e interiorização do desenvolvimento e urbanização se deu, porque quase em todas as regiões este fenômeno também vem se dando ao mesmo tempo, em graus variados de intensidade.
Fachada do prédio onde está situada a produtora Ligocki-Z, em 18 de janeiro de 2011. Foto: Alberto Nasiasene
Interior do prédio onde está situada a produtora Ligocki-Z, em 18 de janeiro de 2011. Foto: Alberto Nasiasene
Brasília, por exemplo, para mim, que sou historiador e cidadão criado por lá, nos anos 1960 e 1970, é um paradigmático marco estratégico do processo de interiorização e diversificação tanto da economia, da política, da cultura, da tecnologia brasileiras, quanto do fluxo populacional que ocupou grandes áreas despovoadas e neglicenciadas do país, quando a capital era ainda o Rio de Janeiro (e os cariocas udenistas e lacerdistas não perdoam ainda hoje esta cidade e o Juscelino por isto mesmo). No longo prazo, foi um grande acerto político estratégico que o estadista mineiro desenvolvimentista, JK, deixou como legado histórico contundente (que nenhum udenista golpista conseguiu jamais erradicar) para as gerações futuras do nosso país (eu fico assombrado com o enorme desenvolvimento urbano desta cidade, em pleno século XXI, que vi nascer durante a década de 1960, como já afirmei em outras postagens deste blog; um país que gerou uma cidade capital como esta é um país admirável, um país vencedor, com um povo guerreiro - muito disto que estou dizendo, está presente na obra cinedocumentária de Vladimir e por isto mesmo é que ela é tão importante para a preservação deste processo histórico singular).
Sérgio Azevedo, editando o filme Rock Brasília na produtora Ligocki-Z, em 18 de janeiro de 2011. Foto: Alberto Nasiasene
Marcus Ligocki com a assistente de produção do filme Rock Brasília, que é também produtora da Ligocki,
em 18 de janeiro de 2011. Foto: Alberto Nasiasene
Ainda há muito o que se desenvolver e consolidar em Brasília, é claro. Não estou aqui a passar por cima de todas as debilidades enfrentadas pela área específica da produção audiovisual (ao contrário, tenho acompanhado, de longe, todo este imbroglio, especialmente o descalabro do governo passado do ex-governador José Roberto Arruda, do DEM). Entretanto, em meio à era digital que vivemos, creio que é necessário acreditar, em primeiro lugar, nas enormes potencialidades a serem exploradas que existem na área do audiovisual (e um dos méritos da obra cinematográfica de Vladimir está exatamente aqui também, ele acreditou nesta possibilidade, ao sair do Rio de Janeiro e se fixar na cidade, desde 1970 e dedicou todo o resto da vida dele, dentro da UnB e como intelectual atuante politicamente em Brasília, a esta luta e, por isto mesmo, pode ser considerado o fundador do cinema em Brasília sim, porque todos os outros que o antecederam no primeiro curso de cinema da UnB, abandonaram a luta na cidade e migraram para o tal eixo São Paulo - Rio, com a auto-demissão coletiva de 1965). A era digital potencializa ainda mais o processo de descentralização sócio-econômica, incluindo-se aqui também o aspecto da produção de audiovisuais, como afirmei em postagem anterior. Por isto mesmo é que admiro todos os que lutam pela cultura em Brasília e não a abandonam, porque eles, no futuro, serão também reconhecidos como fundadores de novas tendências (assim como o conteúdo deste filme que vocês estão fazendo em parceria com Vladimir irá deixar transparecer quanto ao rock).
Gabriela Brasil, uma produtora estagiária da Ligocki-Z, em 18 de janeiro de 2011. Foto: Alberto Nasiasene
Não tem importância nenhuma a existência de um mercado publicitário sui generis em Brasília como centro político administrativo do país (e de alta qualidade, melhor até do que muito mercado privado por aí). Moro num estado muito populoso (e numa região muito populosa deste estado), com população maior do que muitos países, com um mercado antigo, complexo e forte, mas nem por isto o portfólio de uma produtora como a Ligocki-Z deixa de me impressionar.
A equipe de produção e edição do filme Rock Brasília: ninguém segura a utopia, em 18 de janeiro de 2011. Foto: Alberto Nasiasene
Vladimir aponta a foto do brincante que ele é, no quadro de avisos da produtora Ligocki-Z, em 18 de janeiro de 2011. Foto: Alberto Nasiasene
Por isto mesmo é que tento me dedicar, em casa, onde moro, em Jaguariúna (uma cidadezinha agradável, de classe média e bonita, vizinha a Campinas, com 40 mil habitantes, integrante da região metropolitana da grande urbe campineira) à divulgação da obra e história do cinema que Vladimir fez e faz em Brasília (quando cheguei em Campinas, em 1985, quase ninguém sabia por aqui quem era Vladimir Carvalho; hoje, os jovens já sabem, principalmente os ligados ao mundo do audiovisual, especialmente depois da Semana Vladimir Carvalho no MIS-Campinas, em 2009, que foi a primeira semana do cinema documentário que o MIS realizou, com a presença do próprio cineasta; a segunda semana, em 2010, foi a do Renato Tapajós, que mora aqui mesmo em Campinas).
Alberto Nasiasene
Jaguariúna, região metropolitana de Campinas, São Paulo, 15 de maio de 2011
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