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Aos poucos fui seguindo minha intuição até descobrir que poderia fazer meus próprios documentários

Bastidores da gravação do programa Sala de Cinema, Vladimir Carvalho, veiculado na Sesc TV. Fotos: Alberto Nasiasene. 2009

Até este momento histórico, embora estivesse envolvido com o curso da pedagogia da imagem, no Museu da Imagem e do Som de Campinas, matriculado no curso, eu vivia insistindo para que meus amigos fizessem o que, sem perceber claramente, somente eu mesmo é que poderia começar a fazer (talvez porque eu não queria ser pretensioso e arrogante aos olhos deles). Somente aos poucos é que fui me dando conta de que o que eu argumentava para os outros serem convencidos, por estar muito claro dentro de mim, era o que somente eu mesmo poderia fazer e, gradualmente, fui sendo arrastado, sozinho, para ir construindo as relações com o mundo, a sociedade, as ideias e projetos que eu expunha para meus amigos na intenção de convencê-los a fazer, em equipe, estes empreendimentos culturais (como eles não queriam, não podiam, ou tinham compromissos mais importantes do que aqueles que eu apresentava para eles e sempre recusavam meus convites, fui levado a fazer eu mesmo, sozinho, com aqueles que acreditaram em mim e em meu potencial para realizar aqueles projetos audiovisuais).

Foto: Alberto Nasiasene. 2009

Mal sabia que eu mesmo me tornaria um cineasta documentarista, com as novas mídias digitais disponíveis neste início de século XXI, mais acessíveis economicamente, do que as velhas mídias em película analógica, muito mais caras e inacessíveis; que era o que ainda estava, neste ano de 2007, ainda não completada a primeira década do século XXI, muito forte em minha mente e, por isto mesmo, eu pensava que o sonho juvenil que tive, em minha época universitária na UFPB e UnB, de me tornar também um cineasta, era algo fora de cogitação, em 2007. Com quarenta e sete anos naquela altura ainda me lembrava que, mesmo para Vladimir Carvalho, um clássico do cine documentário brasileiro com repercussão mundial, com quem tinha convivido familiarmente mais intimamente, desde os anos 1960, quando criança e adolescente, porque ele era e ainda é, formalmente, casado (em comunhão universal de bens) com a prima de meu pai e eu o considerava "o pai que sonhei ter", fazer filmes documentários era muito difícil, nas condições econômicas em que ele vivia enquanto professor universitário de cinema da UnB, vejam só.

Foto: Alberto Nasiasene. 2009

Sendo assim, se era muito difícil para Vladimir, imaginem para mim... Entretanto, embora eu já tivesse percebido, sociológica e historicamente, que a tecnologia digital aplicada ao mundo imagético estava tornando, cada vez mais, acessível os meios de produção de imagens para amplas massas (inclusive para mim), ainda não tinha tomado posse inteiramente da ideia de que eu mesmo poderia sim realizar o antigo sonho estudantil universitário de ser um cineasta também.

Foto: Alberto Nasiasene. 2009

Eu já refletia muito, do ponto de vista historiográfico-sociológico e econômico, como disse, nas novas possibilidades estéticas, com vigor criativo e ousadia metodológica, que as novas tecnologias digitais estavam colocando à nossa disposição. Sabia perfeitamente bem que estávamos vivenciando uma verdadeira revolução tecnológica que teria profundas implicações sociais, econômicas e estéticas e estava tentando convencer os meus amigos mais próximos que isto estava acontecendo e que eles é que precisavam se apropriar destas ideias e não percebia que era eu mesmo que deveria fazer isto, abrindo caminhos, sem esperar que eles tomassem uma iniciativa que não estavam prontos para tomar. Muitos de meus amigos até debochavam de mim por defender tais ideias (me julgando um D. Quixote que "viajava demais na maionese" falando de fantasias irrealizáveis; porque não conseguiam raciocinar com os novos parâmetros que estavam à disposição para o pensamento crítico e problematizador) e ficavam incrédulos, do alto das titulações acadêmicas deles (na Unicamp ou na USP) ou de postos burocráticos alcançados nas máquinas culturais disponíveis em prefeituras e instituições públicas ou privadas diversas.

Foto: Alberto Nasiasene. 2009

Por isto é que fui desenvolvendo as estratégias, táticas, técnicas, estéticas e propostas de re-apropriação da linguagem do cinema (estudando-as intensivamente) para aplicá-las diretamente nas novas tecnologias digitais que estavam muito acessíveis para mim mesmo, um simples educador de história do ensino fundamental (faziam esta tentativa de releitura da linguagem cinematográfica, desde sua origem, porque percebia claramente que não era porque as novas tecnologias digitais estavam acessíveis a qualquer um que produções estéticas de uma qualidade mínima iriam surgir espontaneamente, desprezando-se a linguagem do cinema que ainda continuava sendo o segredo da construção de qualquer audiovisual minimamente consistente esteticamente). Talvez eu ainda não acreditasse muito em mim mesmo, como disse, tanto porque não queria parecer arrogante, quanto porque estava ainda inseguro diante do novo e das tentativas que comecei a fazer, timidamente (já que ninguém estava querendo mergulhar de cabeça nestas possibilidades que eu estava enxergando claramente, fui chegando a conclusão que seria eu mesmo que teria que ir abrindo caminhos).

Foto: Alberto Nasiasene. 2009

Mas, no ano de 2009, depois que já tinha feito um documentário sobre a Cinememória de Vladimir, em Brasília, quando tive a oportunidade de ir também ao programa veiculado na Sesc TV, Sala de Cinema, como convidado especial da produção de entrevista com Vladimir Carvalho (naquele dia dois cineastas foram entrevistados, Bráulio Mantovani, roteirista de Cidade de Deus e outros, e Vladimir Carvalho, um clássico do cine documentário brasileiro, conhecido mundialmente), comecei a enxergar mais claramente, até por observar a produção do programa e conversar com os demais convidados, três, além de minha pessoa, que eu também poderia entrar neste mundo novo que estava se abrindo para os ilustres desconhecidos como eu e tantos outros que queriam também se expressar por meio da linguagem cinematográfica (apesar do pretenso monopólio de uns poucos cineastas, a tal panelinha do cinema brasileiro, que estavam muito presos ainda ao século passado e ao mundo mais restrito das tecnologias analógicas). Aliás, alguns se apresentaram, no programa, para o público, como cineastas (sem ter nenhuma obra cinematográfica propriamente dita e eu só quis me apresentar como historiador, mesmo já tendo alguns documentários realizados; tive medo de ser por demais ousado e, por timidez, nem falei de meus documentários já finalizados e exibidos no MIS Campinas).

Foto: Alberto Nasiasene. 2009

Claro que somente aos poucos é que fui me dando conta que o tipo de cinema documentário que estava e estou fazendo nada tem em comum com o mundo da indústria do cinema, em grande escala, da era da película e intencionalmente fui buscando resgatar, diante das enormes possibilidades técnicas da era digital, as próprias origens artesanais da expressão cinematográfica, quando ela nasceu no final do século XIX. Contribui com esta minha pesquisa também conhecer mais de perto as produções audiovisuais apelidadas de vídeo-arte (por mais que este nome seja inadequado, ele distingue um determinado tipo de produção de audiovisual que está mais preocupada com a expressão artística do que com a produção de obras para o circuito comercial tradicional das salas de cinema de Shoppings Centers, como ponta mais visível da tal indústria do cinema convencional). Além disso, fui procurando me aprofundar na própria contribuição já secular da fotografia e da pintura para incorporá-la, cada vez mais conscientemente, em meu fazer documentário artesanal e posso dizer, agora, que já tenho uma produção de documentários, com a tecnologia digital, que está ultrapassando os 250 títulos e, neste ritmo, nem sei onde irei parar).

Foto: Alberto Nasiasene. 2009

O que sei é que pretendo permanecer na esfera da produção autoral de documentários, inspirando-me em Jean Rouch, nos filmes de Vladimir Carvalho que me influenciaram desde minha infância, no Cinema Novo e na produção de artistas diversos, clássicos e contemporâneos, na tentativa de criar um estilo e uma assinatura pessoal que sei que está em evolução e não sei para onde irá caminhar (só o tempo dirá).

Alberto Nasiasene

Jaguariúna, 7 de dezembro de 2015.

Caro amigo


Em março do ano passado, eu passei um e-mail comentando uma série de vídeos sobre história do Brasil, feitos por Clóvis Bulcão, que podem ser vistos por meio da biblioteca virtual do futuro da USP. Estou reenviando-o aqui porque ainda acredito no que disse.

Aliás, na última vez que estive com vocês, agora no começo de janeiro deste ano de 2007, quando Mirza chegou do trabalho e falou do projeto de pesquisa no qual ela estava envolvida (a respeito da investigação arqueológica e histórica sobre aquela ferrovia nordestina), eu logo disse para ela que o que ela estava me dizendo ali se parecia muitissimamente com o argumento de um filme documentário que poderia facilmente ser transformado em roteiro. Parafraseando uma afirmativa popular, disse para Mirza, isto dá filme (como quem diz, isto dá samba).

Não é uma megalomania minha não, afinal, bem ou mal, direta ou indiretamente, aprendi sim com Vladimir (por osmose e por observação direta e indireta) que é assim mesmo que se faz um filme documentário (como os que ele fez e faz). Nestas alturas de minha vida, com 47 anos, completados agora no dia 3 de fevereiro (faltam apenas 3 anos para que eu faça 50 anos e meu irmão mais velho, o que primeiro rompeu o ventre da madre, acaba de fazer o seu cinquentenário) já aprendi que o que eu realmente posso fazer (e fazer bem) é pesquisar conteúdos na área de história, como venho fazendo (elemento essencial na criação de roteiros e argumentos ou simples matéria-prima para a criação de audiovisuais, como ensaios fotográficos, livros etc.), já que não tenho nenhuma ilusão que irei ser um cineasta (isto está fora de cogitação para mim, porque sou suficientemente realista para perceber que está fora de meus horizontes existenciais) temporão (não tenho dinheiro, nem tempo e possibilidades reais de me dedicar ao aprendizado técnico a respeito do caríssimo ofício cinematográfico).

Ao escrever este e-mail, não sabia que estaria um dia com Vladimir Carvalho

no programa Sala de Cinema veiculado pela SescTV

Como sonho com aquela ONG, disse a Mirza que é possível sim agregar pessoas conhecidas em torno de projetos comuns (juntando os técnicos em audiovisual com os criadores de conteúdos) e uma ONG facilita o trabalho de captar recursos humanos e financeiros para tornar possível estes projetos de audiovisual (como vi Vladimir e tantos outros fazendo, ao longo de anos de trabalho, pesquisa e perseverança).

Gravação da entrevista sobre o roteiro da história da educação em Campinas, 25 de abril de 2010

O que me surpreendeu, desde o início (e isto também é o que me causou aquele profundo impacto, como se estivesse conseguindo recuperar minha vida anterior), no trabalho e na visão historiográfica que vocês dois têm feito e fazem é que vocês fazem algo de muito parecido (com respeito a conteúdos e a metodologias) com o que eu vi Vladimir Carvalho fazer desde que eu era pequeno. Nunca tive a pretensão de ser um cineasta como Vladimir (apenas de ser um poeta e crítico literário), porque se hoje ainda é muito difícil isto, naquele tempo era muito mais ainda.

Gravação da entrevista sobre o roteiro da história da educação em Campinas, 25 de abril de 2010

Hoje em dia, o que me motiva ousar pensar que, em equipe, posso sim ajudar a fazer algo (pelos menos em vídeo digital), é que vivemos em pleno século XXI e há inúmeras possibilidades técnicas mais acessíveis de se produzir materiais audiovisuais (que podem ser vendidos ou divulgados pela própria internet). Há um imenso campo a ser explorado na área dos estudos sobre patrimônio histórico (entendido aqui em seu sentido amplo e não apenas arquitetônico) que precisa ser divulgado na área educacional (e há mercado para isto sim).

Gravação da entrevista sobre o roteiro da história da educação em Campinas, 25 de abril de 2010

Vou incluir de novo as fotos daquele dia em que você foi filmado na Estação Cultura de Campinas dando seu depoimento para o comercial da Infraero (é uma pena que naquele época eu ainda não possuía um cartão de memória e não pude tirar mais fotos deste set de filmagem, o que eles chamam de still):

Gravação do comercial para a Infraero sobre o aeroporto de Viracopos, dirigida por Toni Venturi

Eu já falei do site da biblioteca da USP, mas quero relembrar que há ali uma série de vídeos sobre história do Brasil, A Quarta Parte do Mundo, apresentado por Clóvis Bulcão, interessante de se ver e analisar. Como lhe disse, é possível fazer este tipo de audiovisual com temas relativos a patrimônio histórico e história regional paulista (e vendê-los para canais de televisão ou redes de ensino). Um problema didático que noto na série é que os vídeos estão centralizados no apresentador e, por isso mesmo, se tornam uma longa aula expositiva maçante para nossos alunos concretos em sala de aula, mesmo que o pano de fundo do vídeo apresente o apresentador em Amsterdã, Paris etc. (do jeito que está, nem era preciso ele viajar para estes lugares, já que o foco está na pessoa dele). Seria mais interessante focalizar os lugares e enxugar mais as falas colocando a narração em segundo plano para que os lugares filmados fiquem em primeiro plano. Isto tenho certeza que você e a Mirza fariam, com melhor qualidade. Se você notar os créditos, verá que esta série foi patrocinada por órgãos públicos.

Vou colocar aqui em baixo o trecho do e-mail anterior que fala do site:

Outro site muito importante para educadores e estudantes é o da Biblioteca Virtual da USP:

http://www5.usp.br/pesquisa/acervos-online/

Neste site também é possível assistir alguns vídeos e programas de rádio (como o especial Paulo Freire). É preciso clicar, em cima da página, no item Especiais para ver os vídeos.Neste seção temos vídeos belíssimos e muito bem feitos. É uma pena que não posso copiá-los em meu computador, porque gostaria de usá-los também em minhas aulas na escola

Alberto

Jaguariúna, 12 de fevereiro de 2007

Rota Mogiana de Alberto Nasiasene é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil.

Based on a work at www.rotamogiana.com.

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