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Oitenta anos de lutas pelo cinedocumentário, quase um século


Vladimir Carvalho, prestes a completar oitenta anos, na Fundação Cinememória, em Brasília, dezembro de 2014. Fotos: Alberto Nasiasene


Porque divergi e ainda divirjo da direção que tomou um curso documentarista burocratizante (tudo o que eu não queria) que ajudei a formular



Minha concepção inicial para o curso não era a de criação de um curso-seminário/debates (acadêmicos/escolares) sobre textos diversos dentro da temática audiovisual (se soubesse que seria isto, nem teria começado, muito menos perdido inúmeros dias e horas, não remuneradas e voluntárias, de reuniões preparatórias; enfatizo isto porque lidei com muita gente muito ciosa de suas horas remuneradas que não levava projeto algum, nem ideias, para casa, muito menos com paixão de artista e é isto o que eu faço constantemente). Não que eu pense que não há nenhum valor neste tipo de formatação (mas somente para quem está prévia e minimamente preparado na prática de gestação de audiovisuais). Há valor sim, como aprofundamento teórico de quem está envolvido em questões práticas relativas ao audiovisual, ou como preparação teórica para quem apenas está querendo entender previamente o fenômeno audiovisual, sem sentir e sem desejar produzir nenhum audiovisual. O problema maior desta formatação é que ela não gera necessariamente produtores audiovisuais, nem satisfaz as várias necessidades de quem quer sê-lo. Ao contrário, inibe a iniciativa e imobiliza as vontades e criatividades; mas é muito adequado para quem está habituado ao burocratismo (da mediocridade e falta de ousadia inventiva) e quer manter o monopólio do conhecimento-produção-exibição e distribuição do fenômeno audiovisual consigo e com seu grupo.

Fundação Cinememória, em Brasília, dezembro de 2014. Fotos: Alberto Nasiasene


Como meu propósito era ajudar, coletivamente, a induzir o nascimento (por agregação gravitacional, ou seja, unir os que se sentiam atraídos por um desejo comum de produzir audiovisuais) de um movimento documentarista que saiba utilizar os novos meios eletrônicos digitais e técnicas (e tecnologias) na direção de moldar novos conteúdos expressivos típicos deste novo século e de nossa sociedade atual; claro que não me identifico com este tipo de formatação final de um curso que ajudei a formular. O burocratismo centralizador (de viés marxista leninista, ou só burocratismo fleumático de funcionários sem alma artística ou estética engajada, quaisquer que sejam) mais inibe do que incentiva a criatividade necessária para gerar toda uma onda de realizadores audiovisuais que saibam inventar novas formas para novos conteúdos estéticos na área específica do documentário. Ou seja, lutei pelo estabelecimento de uma política cultural pública, em Campinas, de fomento à criatividade na gestação de documentários que aproveitem as novas possibilidades mais acessíveis e baratas de produção de audiovisuais. Com isto estava também querendo, paralelamente, gerar uma re-apropriação (via educação dialógica e participativa) da linguagem do cinema em geral e do cinema documentário em específico; não de modo a imitar/reproduzir uma suposta gramática convencional da linguagem do cinema (ou audiovisual); mas, ao contrário, buscando o domínio criativo da linguagem do audiovisual, aplicando-o concretamente na criação de documentários inovadores em sua forma/conteúdo.

Vladimir Carvalho, prestes a completar oitenta anos, na Fundação Cinememória, em Brasília, dezembro de 2014. Fotos: Alberto Nasiasene


Na verdade, tudo isto foi surgindo dentro de mim da profunda insatisfação que sentia, ao perceber que sequer havia uma distinção bem nítida entre ficção audiovisual e documentário. Pior ainda, sequer sabiam distinguir "afinal, o que era o documentário" (não sabendo qual diferença que havia entre propaganda televisiva/marketing e documentário jornalístico televisivo face ao cine documentário, em suas diversas escolas). Por isto mesmo é que propus um curso específico de documentários (não que estivesse rechaçando qualquer curso de cinema de ficção) e me dispus a ajudar a formatá-lo coletivamente (mas não desta maneira final em que ficou).

Fundação Cinememória, em Brasília, dezembro de 2014. Fotos: Alberto Nasiasene


A gota final que me fez afastar definitivamente, foi o tratamento grosseiro que recebi de um funcionário (que assumiu um "cargo" de secretário, em proveito próprio, não convidado, de um projeto que não partiu dele, mas que, oportunisticamente, encaixou-se em seus propósitos de ator amador de horas vagas) no dia do lançamento do curso (em que foram revelados, finalmente, os nomes dos que seriam incluídos e os dos que seriam excluídos do curso; tudo o que eu, além de tudo, não queria, porque sei o quanto é doloroso ser excluído, ainda mais, publicamente, em cerimônia para a qual foram convidados todos os inscritos). Naquele clima constrangedor (e humilhante), decidi, por solidariedade, que devia permanecer com os excluídos (quem poderia julgar ou prever que seria neste grupo que sairiam grandes documentaristas?) e não só tentar amenizar a sensação humilhante que eles estavam sentindo, mas construir, com eles, novas possibilidades alternativas de realização (eu sabia que daquele grupo poderiam surgir excelentes documentaristas, porque, afinal, os critérios burocráticos adotados, na tensão das reuniões, com os integrantes do grupo responsável pela formatação do curso, para a inclusão dos outros nomes, não garantiriam necessariamente não só o surgimento de documentaristas, mas sequer a finalização mínima de qualquer audiovisual consistente e esteticamente elaborado).

Fundação Cinememória, em Brasília, dezembro de 2014. Fotos: Alberto Nasiasene. Ao fundo, vê-se os diversos troféus que Vladimir ganhou ao longo da vida, enquanto cinedocumentarista. José Pereira foi o nome falso que ele teve que usar após o golpe de 1964, fugido da filmagem da primeira fase do filme Cabra Marcado para Morrer.


Saí, naquela noite, depois da grosseria comigo (este funcionário atropelou-me, do início ao fim, tanto na apresentação, quanto na avaliação e debate com os que ficaram para assistir ao filme de Vladimir Carvalho, o curta A Bolandeira), transtornado e fiquei de cama. Levei algum tempo, muito deprimido como estava, de cama, para tentar explicar para meu principal parceiro, Batata, o que havia me levado à decisão de não mais participar do curso que ajudei a elaborar (além do mais, fui escalado em apenas algumas daquelas aulas-seminários-falação, baseadas em textos lidos e repetidos pelos que os leram, de modo que minha presença era perfeitamente prescindível, já que havia um par sempre para cada aula-seminário que apenas faria a coordenação, ou, "facilitação"). Não queria ser desleal com meu parceiro e mestre, o Batata, afinal, conseguimos fazer grandes realizações criativas juntos, mas saí naquele dia tão transtornado que já havia tomado a decisão de não mais entrar naquele museu (levei algum tempo para me recuperar do impacto emocional, mas, com o processo da catarata avançando, ainda ficaria muito deprimido por vários meses seguidos, tendo obtido uma licença saúde para o tratamento tanto da catarata, quanto da depressão e só no ano posterior é que voltaria a trabalhar).

Fundação Cinememória, em Brasília, dezembro de 2014. Fotos: Alberto Nasiasene e Loretta Nasiasene

[...]


Não é que não acredito que a geração de uma vigorosa produção audiovisual criativa e pluralista não seja possível em Campinas. O que não acredito mais é que o [...] poderia ser este centro de fomento público irradiador (mas espero estar errado). Os "pontos de cultura" e "coletivos" estão fazendo este trabalho e outras instituições públicas também. Este ano, por exemplo, em minha escola integral, enquanto educador de história que sou, elaborei um programa de laboratórios de fotografia e vídeo para desenvolver com meus alunos adolescentes, dentro de minhas próprias aulas de história regulares ao longo deste ano em que estamos iniciando a implantação da escola integral. Na verdade, desde o ano passado tenho me dedicado, intensivamente, à produção de audiovisuais sobre o mundo escolar (mas evitando o pedagogismo, o didatismo e a falta de empatia e parceria para com meus parceiros estudantes). A intenção é não só fazer um contraponto aos inúmeros documentários sobre educação (feitos por cineastas que estão de fora de nosso universo), mas a de dar visibilidade, com a dignidade que estes sujeitos merecem e têm direito, para as relações sociais pedagógicas que vivenciamos dentro e fora do universo escolar, com a intenção de lutar pelo aprofundamento da qualidade da educação pública. Por outro lado, com minha filha, tenho realizado vários documentários sobre a temática socioambiental (ensinando a ela, concretamente, como fazer documentários de tal modo que ela já está conseguindo fazer seus próprios documentários sozinha). Parti para o empoderamento da juventude universitária e dos movimentos sociais com os meios baratos de produzir documentários e utilizar a internet como meio de divulgação e comunicação e é claro que isto está sendo feito de modo integral, ainda mais agora que incluí este projeto dentro de minhas aulas de história com adolescentes de periferia. Talvez esteja realizando, sem ter a clara consciência disso até este momento, o que não pude fazer até aqui (mas meus alunos já me deram provas que são capares de produzir e interessados neste tipo de atividade).


Alberto Nasiasene

Jaguariúna, fevereiro de 2015


Ensaio fotográfico

Alberto Nasiasene e Loretta Nasiasene


Oitenta anos de luta pelo cinedocumentarismo: Vladimir Carvalho



A ateliê de Vladimir, na Cinememória

A ateliê de Vladimir, na Cinememória

Vladimir segura uma de suas recentes esculturas feitas com pedaços de árvores do cerrado

Vladimir segura uma de suas recentes esculturas feitas com pedaços de árvores do cerrado

Vladimir segura uma de suas recentes esculturas feitas com um ananás silvestre do cerrado

Vladimir segura um exemplar de uma das muitas teses de doutorado sobre Aruanda que me deu. A obra de Vladimir recebeu muitas teses de doutorados e mestrados não só no Brasil, mas no mundo também. Ele é considerado um dos clássicos mundiais do cinedocumentário.

Trocamos presentes, ele me deu alguns livros e eu lhe dei dois DVDs com meus documentários, um sobre a série Em Busca da Floresta e o outro sobre o Museu da Cidade de Campinas.

Na obra de Vladimir Carvalho, vemos, constantemente, especialmente nos primeiros filmes, a valorização da cultura popular brasileira de raízes coloniais (mas ele sempre fez uma pesquisa dialética sobre estas raízes, à luz da herança cultural universal, como vemos na reprodução do quadro doBrueghel, atrás). Foi com ele que aprendi a valorizar, numa perspectiva erudita, esta cultura popular brasileira, desde menino.

Vladimir ao lado de D. Elisabete, personagem central do filme Cabra Marcado para Morrer, e Eduardo Coutinho (Vladimir é o do meio). Se não fosse ele, o Eduardo Coutinho não teria conhecido D. Elisabete, que era a viúva de João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas assassinado e amigo de Vladimir, na juventude universitária, no pré 1964.

Loretta Nasiasene ao lado de um poster de Darcy Ribeiro, jovem, antropólogo em meio à suas pesquisas de campo, entre os índios brasileiros. Vladimir é um admirador contumaz de Darcy Ribeiro e ele aparece no seu filme Barra 68, sendo homenageado na UnB que fundou.

Loretta Nasiasene ao lado de Vladimir segurando o banner em que há uma foto dele ao lado de Geraldine Chaplin, filha de Charles Chaplin, que esteve no festival de Cinema de Brasília, em 2014. Ela fez uma dedicação da foto a ele (é a escrita que aparece no banner, com a letra dela).


Alberto Nasiasene

7 de março de 2015


Rota Mogiana de Alberto Nasiasene é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil.

Based on a work at www.rotamogiana.com.

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