O pensamento crítico e estético analítico é necessário para continuarmos a tradição do cinema novo:
Fotos: Alberto Nasiasene, 2007
As fotos que estão inseridas aqui neste ensaio são dos dias 26 de junho e 21 de agosto de 2007, em que fomos fazer uma oficina de fotografia ao ar livre e em uma instituição de ensino de audiovisual próxima ao MIS Campinas. Fomos fotografar (cada um com sua própria câmera) na rua e nas adjacências do Museu, nas ruas centrais da cidade, ao lado da catedral, e visitamos estúdios de TV e de rádio; mas poderíamos ter visitado estúdios de cinema, como os de Paulínia, porque estas duas realidades tecnológicas, na era digital, tendem a se interpenetrarem (o que difere uma da outra é a forma e o veículo no qual elas são transmitidas, porque o suporte digital tende a ser praticamente o mesmo). O que defendo aqui é que não adianta vermos a revolução tecno-científica e industrial que estamos presenciando se, na área do audiovisual na qual trabalhamos, de um modo ou de outro, não fizermos a revolução estética que o Cinema Novo, em sua época, por exemplo, fez (e isto começa primeiro é em nossa cabeça, conceitualmente, analisando criticamente a produção audiovisual que está à nossa vista, em nosso contexto histórico). Novos conteúdos e novas formas, dentro de novas técnicas e novas tecnologias, requerem a criação de novas linguagens. Por exemplo, foi neste ano de 2007 que criei o blog que é a origem deste atual site Rota Mogiana (não imaginava, neste momento, na penumbra de minha mente, que já estava começando a passar pela ebulição de que falo abaixo, que eu mesmo iria me dedicar a fazer documentários; muito menos que traria Vladimir Carvalho para a Semana de que falo abaixo - nem que faria dois filmes documentários digitais sobre Vladimir, em diálogo com ele e iria administrar o site da Fundação Cinememória para Vladimir).
Como vocês sabem, no início de minha aproximação com o Museu da Imagem e do Som de Campinas (MIS), era só um desejo de estabelecer vínculos com o museu municipal melhor estruturado, no meu entender, desde minha participação no grupo de formação pedagógica "os estudos do meio na prática pedagógica", a partir de 2002 a 2004 (fomos, algumas vezes, enquanto grupo de professores da rede municipal de Campinas, visitar o MIS). Com o lançamento do livro Conhecer Campinas numa perspectiva histórica, em 2005, senti muito a necessidade de me aprofundar no estudo e na prática (qualitativa) da iconografia (o livro citado contém uma rica iconografia histórica, sobre a cidade de Campinas, que ajudei a produzir) como ferramenta do trabalho historiográfico e como expressão de arte. Foi por isto que busquei me inserir no curso da pedagogia da imagem que o Museu da Imagem e do Som realizou em 2007, para começar este meu aprofundamento. Entretanto, nem sabia ainda que iria passar por uma ebulição interior que transformou minha perspectiva anterior, que era a de somente me dedicar ao aprofundamento da fotografia, impulsionando-me na direção da produção de documentários - o primeiro que fiz, em parceria com o próprio MIS e meus professores do curso, Juliana Siqueira e Ronaldo Simões (o Batata), foi o Plantando o Saber; lançado na semana dos museus, no salão de exibição do próprio MIS, com presença de integrantes de vários museus e instituições culturais de toda a região de Campinas, no primeiro semestre de 2009. Portanto, desde 2007 que venho trabalhando em parceria voluntária mais direta com o MIS Campinas (digo parceria direta, porque desde 2002 que venho visitando regularmente o MIS), portanto, tanto porque fui aluno do programa pedagogia da imagem do museu (e sou fruto dele), quanto porque foi a partir deste ano que comecei a estabelecer, mais consistentemente meus vínculos de amizade e parceria com os membros da equipe interdisciplinar deste museu. Em 2008, como disse, acima, comecei a produzir, em parceria com o MIS, meu primeiro documentário, Plantando o Saber, que foi lançado no começo de 2009, e, em 2009, realizando uma segunda fase do programa pedagogia da imagem, ajudei a programar e realizar a primeira semana do cinema documentário, tendo a obra de Vladimir Carvalho (com a presença do cineasta) como tema. Também em 2009, comecei a integrar o Núcleo de Estudos Sobre o Cinema Documentário, coordenado pelo historiador do MIS, Orestes Toledo, lendo textos específicos sobre o assunto e assistindo aos filmes indicados no roteiro introdutório. Desde então, tenho procurado colher imagens fotográficas e imagens em movimento, ampliando meu acervo pessoal que irá servir não só para a elaboração de meus futuros projetos, mas também para ser compartilhado com o próprio MIS Campinas (que é um dos destinos mais nobres de toda a produção que eu, porventura, puder realizar nestes anos que me restarem de vida; o outro gostaria que fosse a Fundação Cinememória em Brasília). Só não tenho participado mais ativamente (e regularmente) do MIS por causa da estrutura de minha jornada de trabalho docente na rede pública municipal de Campinas. Entretanto, sempre procuro divulgar o trabalho do MIS por meio da internet (no meu site Rota Mogiana) desde 2007. Neste ano de 2011 comecei a fazer um curso de webdesigner na Microcamp de Jaguariúna para poder desenhar meus próprios sites e continuar a divulgar tanto o trabalho historiográfico de qualidade que o MIS realiza quanto a obra de Vladimir Carvalho, através do site da Fundação Cinememória, que tenho administrado. O primeiro documentário que fiz sobre Vladimir Carvalho, A Cinememória de Vladimir Carvalho (meu segundo documentário na realidade), foi a primeira tentativa de estabelecer um diálogo indireto entre Vladimir e o MIS Campinas (entretanto, ao realizar este documentário, não sabia ainda que o MIS iria convidá-lo para começar a programação das semanas do cinema documentário). Claro que, como não poderia deixar de ser, a própria Semana Vladimir Carvalho no MIS de Campinas foi o mote que utilizei tanto para divulgar um momento da obra de Vladimir Carvalho, em 2009, quanto para divulgar o próprio trabalho do MIS e sua importância estratégica (tanto de preservação quanto de pensamento crítico e analítico) para a memória do cinema e sua iconografia (especialmente agora que a região metropolitana que Campinas centraliza está se consolidando não só como um dos polos de produção cinematográfica, através dos estúdios de Paulínia, mas também como sede de um grande Festival de Cinema, o Festival de Paulínia; que tende, cada vez mais, a se tornar um dos grandes momentos do calendário do cinema brasileiro, a despeito da incredulidade de muitos que trabalham com cultura em Campinas e região, que não tomaram conhecimento ainda deste fenômeno relativamente novo, porque é o próprio pessoal do cinema nacional brasileiro que diz isto, não eu), O Engenho de Vladimir no Museu. Como Campinas já foi um dos centros de produção cinematográfica do cinema brasileiro, conhecido na história do cinema brasileiro como o ciclo regional de Campinas, nos anos 1920, não é por mero acaso que a cidade esteja presenciando novamente o renascimento desta importância que já tinha para o cinema brasileiro (é uma pena que a grande população da região nem saiba disto). Portanto, posso afirmar sim que já existe na cidade uma verdadeira massa crítica de produção e estudo sobre a arte cinematográfica e sobre a fotografia que é invejável para a maioria das cidades do país, porque raras são as cidades brasileiras que possuem um Museu da Imagem e do Som e mais raro ainda uma cidade que tenha um museu deste porte como entidade municipal, porque os outros museus, em sua maioria, são estaduais ou federais (como é o caso da Cinemateca Brasileira em São Paulo, a maior da América Latina). Além disso, Campinas tem também uma pós-graduação específica voltada para a produção e análise de estudos acadêmicos sobre o cinema e sobre a fotografia, no curso de Multimeios da Unicamp. A PUC de Campinas também é uma das universidades que possuem cursos voltados para esta área, sem falar em outras instituições isoladas que também atuam nesta área. Quero continuar a desenvolver melhor, em parceria com o MIS, o que penso a respeito do cinema e fotografia (tanto o que vejo e pratico, quanto o que não conheço e não posso ver, a não ser por meio do MIS), porque já afirmei o papel estratégico que o MIS pode e deve desenvolver não só para a análise critica do cinema, mas também para a produção e divulgação do audiovisual produzido na região (tanto em seus grupos de estudo, quanto em seus cursos e mostras regulares). Não subestimo o papel dos museus, diante das universidades. Ao contrário, sou dos que afirmam que há inúmeras instituições de pesquisa fora do universo estritamente acadêmico que estão produzindo conhecimento científico de ponta (é só averiguar diversas postagens que fiz em meus sites www.rotamogiana.com e www.semeandohistoria.com); porque as universidades não têm o monopólio tanto da produção quanto do conhecimento, num país que está se tornando uma das maiores economias do planeta. Continuo afirmando que o Festival de Paulínia será um dos pontos altos do cinema brasileiro nas próximas décadas (já o é, mas está apenas iniciando o processo e as vantagens relativas que possuem os Festivais de Brasília e o de Gramado face ao de Paulínia, por exemplo, estão no fato de já estarem consolidados e terem perfis próprios, porque são mais antigos e tiveram já uma longa trajetória de tentativas, erros e acertos que Paulínia ainda está começando a experimentar). Entretanto, a despeito dos outros festivais e mostras de cinema existentes no Brasil, é Campinas e o MIS que terão o papel de acompanhamento critico desta produção cultural tão importante para o país que está sendo patrocinada por Paulínia, cidade vizinha, na região metropolitana, com recursos da Petrobras (a Petrobras, depois da extinção da Embrafilme, é a instituição econômica estatal que mais tem investido na produção do cinema brasileiro e não é por acaso que existe um Festival em Paulínia, isto se dá porque, até o momento, Paulínia sedia a maior refinaria de petróleo do país, a Replan, e os impostos que vêm do petróleo nesta cidade é que podem bancar um patrocínio e um festival cinematográfico do porte que estamos vendo). Além disso, como já afirmei, no passado dos anos 1920, Campinas já teve um tão famoso ciclo de cinema que é conhecido pela literatura historiográfica dedicada ao cinema brasileiro, que fornece uma antiga raiz que pode muito bem alimentar nossa reflexão sobre o fenômeno do cinema na região, numa perspectiva histórica mais ampla, mas a partir do ponto de vista de Campinas. O que proponho com minhas afirmações não é que um futuro renascimento do papel estratégico de Campinas para o cinema nacional irá acontecer, o que falo é que já está acontecendo (mesmo que a consciência de muitos dos estadistas que compõem os poderes públicos nem tenham percebido isto ainda) e um Museu da Imagem e do Som do porte que Campinas tem não pode perder de vista a possibilidade concreta não só de ir documentando o processo histórico (que é uma das funções dos museus) que está acontecendo, mas também a de refletir criticamente sobre este processo (outra das funções estratégicas de um museu), com o intuito de não só lançar luzes sobre o processo de produção, sobre os bastidores, sobre as pessoas envolvidas, mas também sugerir aos criadores novas direções e possibilidades de avanço. Quando afirmo o papel estratégico dos museus para o cinema, lembro-me do que desempenhou a cinemateca do MAM no Rio de Janeiro para o Cinema Novo, por exemplo (já falava isto desde quando estava frequentando o curso da pedagogia da imagem, porque não só acreditava nesta possibilidade, mas queria também colocar a mão no arado para começar a construí-la). Isto porque acredito que precisamos desmistificar muito da ideia absurda de que a produção cinematográfica só pode acontecer quando os céus estiverem se abrindo, milagrosamente, com um imenso tapete vermelho se estendendo desde as nuvens, e os grandes astros imortais do cinema descendo em meio a uma multidão de câmeras e flashes, tudo publicado na grande imprensa internacional através de milhões de dólares de investimento em publicidade e com o apoio de Hollywood, ao som de uma trilha sonora estupenda produzida pelas grandes orquestras ou bandas e músicos internacionais (nos levando ao êxtase do Hit Parede internacional na voz de uma Madona, por exemplo). Como diria Glauber, o verdadeiro cinema de autor é feito com uma câmera na mão (e elas agora estão cada vez mais baratas) e uma ideia na cabeça. Mas isto, por outro lado, quer dizer que um cinema impactante para o mundo, como o Cinema Novo, não se desenvolverá somente com muitas câmeras top de linha na mão e nenhuma ideia na cabeça (ou com as ideias pré-fabricadas da indústria de entretenimento com todos os seus clichês, modelos e seus efeitos visuais). Por isto mesmo é que advogo o pensamento crítico que deve acompanhar também esta massa crítica de produções audiovisuais que a era digital está tornando possível cada vez mais, numa escala cada vez mais assombrosa; exigindo de nós um esforço hercúleo de organização intelectual desta imensa massa empírica de produção audiovisual e análise crítica (além de ir pensando como será possível preservar esta produção de agora para as gerações futuras, uma das funções básicas dos museus também). Portanto, para a constituição de um pensamento crítico sobre o cinema, nesta era digital em que vivemos agora, só é necessário, basicamente, pessoal criativo e crítico, intelectualmente antenado com a problemática, mais do que equipamentos (embora não esteja descartando aqui a necessidade de equipamentos, pelo menos cadeiras mais confortáveis do que as existentes no atual MIS e uma sala menos quente e mais adequada para a projeção de datashows) e um lugar onde ele possa se encontrar regularmente. Foi assim que nasceu o Cinema Novo brasileiro, na cinemateca do MAM (os equipamentos foram e continuam sendo secundários, isto Glauber já sabia ao analisar as grandezas e fraquezas da indústria do cinema que tentou se implantar em São Paulo por meio da Vera Cruz - eu, pessoalmente, sou contra uma industrialização do cinema, porque isto se confunde com a indústria cultural de massas capitalista que só visa o lucro fácil e a dominação ideológica entorpecedora). Vou desenvolver melhor estas ideias aos poucos, durante este ano que irá chegar (e que não será o fim de nada, só o começo de uma nova fase para todos nós). Estou muito empenhado na produção de meu novo projeto em parceria com o MIS, como tenho falado ultimamente (minhas postagens neste site Rota Mogiana vão dando conta, aos poucos, dos passos que estou realizando gradualmente quanto a este projeto). Penso que o cinema é sim uma das artes que não desaparecerá em meio à era digital, ao contrário, irá crescer em possibilidades de produção e expressão; Entretanto, creio que a arte cinematográfica de autor tem mais uma dimensão artesanal de atelier de artista plástico do que a de uma indústria (ainda mais porque o próprio conceito de indústria na Terceira Revolução Industrial que vivemos mudou completamente, daquela escala gigantesca estressante e poluidora para a de pequenas unidades automatizadas e informatizadas de produção limpa, que se aproxima muito mais do conceito artesanal criativo e científico, perdido pela primeira e segunda Revolução Industrial). Alberto Nasiasene Jaguariúna, 22 de dezembro de 2011
Fotos: Alberto Nasiasene, 2007
Rota Mogiana de Alberto Nasiasene é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil. Based on a work at www.rotamogiana.com.