A tecnologia vem mesmo é do ser humano que conhece e cria aplicações para este conhecimento
É preciso nos desprendermos do século XX, cada vez mais. Boa parte das pessoas em nossa sociedade ainda vive os paradigmas do século passado (em tudo, desde a vida cotidiana, até as concepções políticas mais gerais) e não percebeu que estamos em um novo contexto histórico. Entretanto, bem ou mal que seja, todos irão, cada vez mais, percebendo que já não vivemos no século passado, embora ainda haja muito dele em nosso cotidiano (cada vez mais em que avançamos sobre este novo século, as lembranças do século passado no atual presente vão ficando cada vez mais anacrônicas). Não que eu esteja a afirmar aqui que tudo é só uma questão de novas tecnologias eletrônicas ou pós-eletrônicas, ou que é tudo uma questão de pura mentalidade somente (não creio que a mentalidade possa mudar sozinha, independentemente do contexto material em que está envolvida, mas também não creio que ela possa mudar automaticamente só porque o contexto material mudou - a lógica do pensamento ultrapassado tem lá seu próprio ritmo que, mesmo que seja limitado, tem um escopo mais amplo e flexível do que pode pensar o determinismo mecanicista).
Que novas tecnologias eletrônicas e pós eletrônicas estão aí para nos lembrar que estamos em meio a outro século que não o anterior, é evidente, mas não se trata somente disto, porque novas maneiras de convivermos em sociedade e novos arranjos produtivos estão também na ordem do dia, além de que tenhamos novos fenômenos sócio-políticos e culturais que nada tem que ver com a onda supostamente verde da tal candidata da Rede (de enganações e mal entendidos, no verniz, que só iludem os ingênuos, mas não consegue esconder velhos conteúdos fundamentalistas neoliberais e religiosos). Estamos em um novo momento histórico no Brasil desde a derrocada do neoliberalismo nas urnas em 2002, queiram ou não reconhecer os que a ele se opõem (à direita e à extrema esquerda), mas é claro que este novo momento, de lá para cá (como diria um destes que a ele se opõem), é um momento de transição que está indicando novos caminhos que não se satisfazem mais com o retorno dos mesmos (de políticos ligados às antigas oligarquias e a antigos partidos da classe dominante e classe média antiga) para as mesmas receitas testadas e reprovadas no final do século passado (levaram o Brasil à falência e ao maior índice de desemprego jamais visto em toda a história brasileira, nem na crise de 1929 se viu, no Brasil, tamanho descalabro em desemprego). Ou seja, não dá para endossar o discurso oportunista daqueles que querem mesmo é o retorno de suas políticas neoliberais ao governo central (não há nada mais antigo, na modernidade, do que o liberalismo, mesmo travestido com a roupagem neo, porque não basta mudar o verniz para que o velho conteúdo deixe de existir, sem que haja uma verdadeira revolução socioeconômica na base, ou seja, no modo de produção da vida que nada tem que ver com o velho capitalismo dos liberais de livre mercado).
Entretanto, não estou a falar somente de novas tecnologias eletrônicas ou pós-eletrônicas (e, por pós-eletrônicas, estou a me referir, por exemplo, às pesquisas de novos circuitos fotônicos que substituam os antigos circuitos eletrônicos, utilizando a própria luz como condutora, ela mesma, de informações, não a eletricidade ou ondas eletrônicas na atmosfera, em grande ou em micro escala). Estou me referindo também a antigas tecnologias que são propriedade do patrimônio imaterial da humanidade (inclusive, as tecnologias dos povos tribais ao longo do mundo), mas a partir de novas leituras feitas por novos conceitos (científicos e estéticos-culturais) e interpretações e recriações sobre elas (a partir de nossos referenciais racionais e modernos, portanto, nada que ver com o retorno a velhos fundamentalismos). Isto é, não sou nenhum ingênuo consumista de novos produtos eletrônicos só porque foram lançados recentemente no mercado de consumo desenfreado do velho capitalismo (como os adolescentes que mudam de celular a cada ano, já que toda uma indústria de superficialidades eletrônicas é direcionada para este público extremamente volátil que é o principal responsável por manter as tarifas e os lucros altamente rentáveis, porque não têm senso crítico suficiente para se livrar do marketing) . Em muitos aspectos da vida cotidiana, até prefiro a low tecnology (que não precisa de grandes investimentos financeiros, nem grandes habilidades matemáticas pós-quânticas) à high tecnology, porque concebo a modernidade muito mais como uma maneira de se inserir no mundo do que uma maneira de consumir, alienadamente, novos produtos feitos sob novas tecnologias industriais.
No período da Terceira Revolução Industrial, alguns ofícios artesanais voltaram a se destacar do limbo em que foram empurrados pela Revolução Industrial, com novas leituras e novas perspectivas que não existiam antes, como formas eficientes de manter a qualidade de vida e o bom gosto que os diferencia da produção em massa para grandes multidões. Os próprios produtos audiovisuais, nesta sociedade altamente influenciada por tecnologias digitalizadas, estão passando por um profundo processo de democratização (muito para além dos paradigmas industriais vigentes no século XX) como nunca antes aconteceu. Ou seja, a dimensão artesanal de se fazer audiovisuais está voltando a ser revalorizada, até porque os custos de produção e edição destes materiais caíram de maneira assombrosa e tornaram a atividade audiovisual muito mais acessível para amplas camadas populacionais do que eram em pleno desenvolvimento da indústria cultural da Segunda Revolução Industrial (Hollywood é um exemplo claro disto, mas não só do cinema americano californiano é que estou falando). Não que não houvesse uma contra cultura cinematográfica anti cinemão industrial, como foi o caso da Nouvelle Vague francesa ou do Cinema Novo brasileiro (demonstrando que o cinema de arte podia e devia manter sua dimensão artesanal como traço autoral que não podia ser massificado por máquina alguma). O que há de novo agora é que surgiram novos canais de exposição destes audiovisuais na própria internet (o YouTube é só um exemplo disto), além do barateamento dos custos de produção que torna acessível a qualquer um meios de produzir seus próprios audiovisuais (mas isto não quer dizer que toda a tecnologia estética de trabalhar com imagens esteja automaticamente à disposição de qualquer adolescente, porque isto ainda continua a requerer grande investimento de tempo e esforço em uma aprendizagem que não é automática para ninguém).
Nada mais antiquado, mesmo que com nova roupagem, do que a tal reciclagem industrial liberal dos que se consideram "ecológica" e "politicamente corretos" - porque não se questiona em nada todo o sistema produtivo baseado na super exploração da mais valia (no capitalismo tardio, liberal e neoliberal, que se implantou no Brasil, a partir de uma estrutura social profundamente desigual e baseada em baixos salários e altas margens de lucros; além de se basear, para além do mercado formal e informal, na exclusão de amplas massas populacionais Brasil afora, não só como exército industrial de reserva, mas como massa meramente excluída e descartável). Isto é, como em São Paulo, o estado aparentemente mais desenvolvido da federação, é perfeitamente possível termos uma sociedade industrializada e pós-industrializada, com um cotidiano baseado em altas tecnologias, ao mesmo tempo, mantendo amplas camadas sociais com baixos salários (inclusive o professorado da rede pública estadual de ensino, que ganha, atualmente, menos do que uma faxineira diarista paulista ganha; já que a diária de uma faxineira em Campinas está em R$ 120,00; mas, se for para lavar, mais R$ 60,00; se for para passar, mais R$ 60,00 - por dia, é bom frisar - portanto, é só multiplicar pelo número de dias de trabalho que se terá o total que uma faxineira diarista pode ganhar por mês; fora a passagem, que não conta na diária).
Portanto, o fenômeno novo, no contexto em que vivemos, é muito mais do que o "falar politicamente correto" de certas elites ultrapassadas que querem vestir uma roupagem aparentemente mais moderna (aliás, sob esta expressão, modernização, no Brasil ocorreram sempre as atualizações históricas de velhas estruturas socioeconômicas que são herdeiras do passado colonial dependente das nações centrais do capitalismo). Mais ainda, nada de mais antiquado do que lançar multidões nas ruas contra toda e qualquer tentativa de reestruturar as velhas bases socioeconômicas da sociedade brasileira (como no pré 1964, para preparar o golpe e o retrocesso de todo um longo processo histórico iniciado em 1930). O novo, no caso, é que esta velha estratégia já não consegue mais enganar e mobilizar como as tais marchas da família com Deus (pela propriedade excludente e massacrante e contra a democratização das relações de produção) no pré 1964. De nada adianta o xale e o coque no cabelo (à la Assembleia de Deus conservadora) como símbolo de uma nova política que nada tem de nova (especialmente com aliados tais como os que vieram do antigo PFL, que, por sua vez, era uma dissidência do PDS, que, por sua vez, veio da ARENA, partido da ordem do sistema ditatorial militar de 1964 - portanto, já não adianta nada só mudar o nome).
Há uma corrente histórica principal, que não surgiu agora, no Brasil, corrente socioeconômica e movimento político genérico não linear, mas coerente (independentemente de partidos e nomes), que luta contra a corrente dominante que é o fruto do longo processo histórico colonial (que a independência de Portugal, em 1822, não mudou estruturalmente em nada) de exploração de amplos contingentes populacionais (primeiro, como escravos, depois, como assalariados com baixíssimos salários, todos produzindo produtos agropastoris e de coleta das florestas e recursos minerais, hoje chamados de commodities, que seriam, grosso modo, exportados para a Metrópole, em benefício da Metrópole, nunca em benefício próprio das amplas camadas populacionais da colônia). Não há, nas lutas históricas contra as classes econômicas dominantes desta estrutura social profundamente desigual, nenhuma "terceira via" que represente apenas vagas mudanças de discurso, mantendo-se as alianças com os mesmos oligarcas (ou setores meramente dissidentes por questões personalistas) da estrutura socioeconômica dominante (mudar e renovar com quem? com os Roberto Marinho da vida? com os Frias? com os Bonhausen? com a Natura e o Itaú?...). Não me enganem que eu não gosto!...
Nada garante, só porque estamos em um novo século, em meio a novas tecnologias, que a sociedade brasileira será, automaticamente, por si mesma (como pensam os setores mais conservadores influenciados pela maneira evolucionista positivista de pensar a realidade), uma nova sociedade. Ao contrário, a velha sociedade dependente (com sua classe dominante de mentalidade colonizada) pode e tem se reproduzido desde os séculos anteriores (a sociologia está aí para demonstrar como a sociedade se reproduz a si mesma, ao longo da história, independentemente de indivíduos e famílias e de vontades individuais que não querem manter as velhas estruturas). Portanto, por outro lado, nada nos pode garantir que as transformações mais profundas, mesmo que democrática e pacificamente, não terão a forte oposição das velhas estruturas socioeconômicas e políticas que usarão de todos os meios leais e desleais para impedi-las (no jogo sujo da velha luta de classes que não começou agora).
Nestes últimos espasmos da velha sociedade, que não quer o novo propriamente dito, em matéria socioeconômica e política, mas manter a velha estrutura socioeconômica e política como foi ao longo da maior parte do século XX (com uma sociedade piramidal profundamente desigual, baseada em baixíssimos salários e altas margens de lucros. é preciso lembrar, sempre), desde as famosas manifestações de junho, o que vimos foi que antigos extratos sociais, travestidos com novas roupagens modernosas, por exemplo, como os médicos de jalecos brancos, portando faixas e slogans contra a democratização do acesso aos serviços médicos (cinicamente, alguns diziam que eram playbois mesmo e que não queriam ir para o interior e que médico não gosta de pobre, quem gosta de pobre é intelectual; médico gosta mesmo é de dinheiro). Portanto, nada mais indicativo de que o novo século, com ou sem novas tecnologias, não trará necessariamente uma nova estrutura socioeconômica por si mesmo. Ao contrário, é preciso coragem para enfrentar estes setores de direita (utilizando sim a velha nomenclatura que eles merecem, mesmo com todo o palavreado hipócrita do "politicamente correto" que eles gostam de utilizar para disfarçar o conteúdo político altamente conservador que defendem) e manter e aprofundar as reais transformações (ainda que tímidas, pelos padrões da esquerda mais doutrinária) socioeconômicas do Brasil em direção não ao socialismo (como quer ingenuamente a extrema esquerda, representada, no congresso, principalmente pelo PSOL e seu aliado PSTU, que não consegue perceber que, na correlação de forças, não há a menor chance disto acontecer nestes próximos anos), mas a um Estado de Bem Estar Social que o Brasil nunca sequer divisou plenamente em seus horizontes concretos (porque a antiga classe dominante e parcelas ponderáveis das antigas classes médias não deixou, com seus golpes e contra-golpes de modernização conservadora) Alberto Nasiasene Jaguariúna, 13 de outubro de 2013
Na campanha fascistizante do Serra, em 2010, diziam que ela não poderia entrar nos EUA porque era uma terrorista (como se o que dissessem não fosse uma forma de terrorismo); mas silenciavam que, na verdade, era o Fernando Gabeira, que apoiavam, que estava proibido de entrar nos EUA, porque foi um dos sequestradores do embaixador americano. Bem típico do cinismo hipócrita deles.
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