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Precisamos de mais economistas dedicados ao estudo da economia criativa


O marxismo vulgar, seja em sua vulgata stalinista, ou seja em sua vulgata trotiskista, desta ou daquela infinidade de variedades, nas duas correntes citadas, por exemplo, tende a reduzir a complexidade da interdependência dialética entre a infra estrutura e a super estrutura da história da sociedade, no conceito mais genérico de Marx sobre os modos de produção, a um economicismo mecanicista, que, equivocadamente, tende a pensar a vida em termos materialistas mais brutos e mais limitados ao mundo da esfera econômica estrito senso (e por economia, o marxismo vulgar tende a pensar os setores mais "materiais" e visíveis do que os setores mais "imateriais" e criativos; daí seu desprezo ao estudo de certas esferas do ser social como a estética). Marx demonstrou que, em última instância, era a esfera econômica, estrito senso, que criava as determinantes que influenciavam, dialética e inevitavelmente, os acontecimentos históricos da esfera superestrutural (tais como a política, estrito senso, a arte, as ideias, a cultura e a religião). Entretanto, de modo algum ele quis fundamentar, com isto, um determinismo simplista e mecânico que explicasse, de forma linear, todos os acontecimentos presentes na esfera superestrutural como movimentos reflexamente mecânicos de movimentos anteriores ou paralelos ocorrentes imediatamente na esfera da infraestrutura. É ridículo atribuir a Marx tal simplismo despropositado (logo ele, herdeiro direto da esquerda hegeliana e da filosofia clássica alemã), porque não foi isto que ele demonstrou nem em sua obra maior, O Capital (que, na verdade, é uma crítica à economia política de seu tempo).


Mas não é só o marxismo vulgar, em suas múltiplas versões, que faz este tipo de leitura reducionista dos fenômenos históricos em termos estritos da economia material entendida ao modo das duas primeiras fases da Revolução Industrial. Os economistas clássicos, neoclássicos e heterodoxos, ainda hoje, também o fazem, especialmente os ligados ao modo de vida ocidentalizado do hemisfério norte (e os ligados à esfera do mundo dos negócios estrito senso). Por isto mesmo é que historiadores, sociólogos, antropólogos, psicólogos e outros cientistas sociais tendem a resistir a este modo reducionista de analisar e pensar a realidade social e histórica baseado em um pensamento exclusivamente economicista; tanto nas tendências humanistas e progressistas, quanto nas tendências mais à esquerda do pensamento ocidental. Não é que se despreze a esfera econômica, estrito senso; o que se faz é afirmar que não se pode pensar as sociedades somente a partir do fato econômico, estrito senso e o próprio fato econômico não pode ser pensado de modo tão estreito e tão terra a terra e mecanicamente. Por isto mesmo é que os arqueólogos, historiadores e antropólogos falam em cultura material de um povo como parte de seu sistema concreto de cultura imaterial (e por "imaterial" não se está fazendo alusão à existência de um mundo espiritual no sentido esotérico do termo, ou em sentido espírita, mas aos produtos bem concretos da imaginação e criação estética e intelectual dos seres humanos vivendo em sociedade). Por mais que um economicista não consiga ver uma economia nestas dimensões menos "materiais" da realidade, o mundo da economia, estrito senso, se rege por estas dimensões numa relação dialética (que tanto influencia, quanto é influenciado, mesmo que, em última instância, ninguém sobreviva sem comer ou beber) que inclui o elemento supostamente "imaterial" tanto como matéria prima, quanto como força produtiva em si mesma (Marx nunca deixou de afirmar que o elemento econômico principal, no modo de produção capitalista ou nos outros modos de produção a ele anteriores, o que cria valor, é o trabalho humano, não o trabalho das máquinas, e que o trabalho não é apenas a força física dos músculos, que pode ser substituída por máquinas, mas também do intelecto, que opera as máquinas e não pode ser substituída em nenhum momento, mesmo em uma sociedade altamente mecanizada e automatizada).

Os pensamentos não são meros eflúvios espirituais, em sentido espiritualizante, mas energia biológica dispendida por meio de ligações sinápticas que ocorrem dentro de nosso cérebro. Tanto a filosofia, quanto a psicologia e a pedagogia estão aí para nos mostrar que é possível mensurar, analisar e avaliar (qualitativa ou quantitativamente) a esfera do simbólico, mental, imaterial e subjetivo, através de mil indícios concretos, inclusive pelos resultados materiais criados pelos movimentos sinápticos ocorridos no cérebro (como em produtos como as artes, os produtos tecnológicos, os produtos estéticos, culturais e simbólicos em geral).Portanto, é necessário alargar os horizontes do próprio pensamento econômico para que a economia neste novo século XXI incorpore também as contribuições das outras ciências irmãs, sem deixar de ter seu foco específico que também pode contribuir com o diálogo tão necessário entre as diversas ciências.

Deixando de lado, provisoriamente, a própria geração de novas tecnologias digitalizadas, que está na base da terceira fase da Revolução Industrial, queremos focar nosso olhar agora não para o mundo das indústrias, estrito senso, mas para o mundo da produção cultural e artística (ou para o mundo do entretenimento). A economia gerada pelo circuito do cinema, desde o início, é um dos fenômenos que precisamos levar em consideração quando falamos, por exemplo, em economia criativa. Neste campo, o leque de atividades consideradas criativas que são responsáveis direta e indiretamente por movimentar grandes somas de riquezas e poderes é tão vasto que não irei me focalizar, aqui, nos amplos horizontes descortinados na economia do século XXI. O que quero focar nesta postagem é a economia do cinema brasileiro, não só como importante esfera econômica que se desenvolve, mas como esfera estratégica para o desenvolvimento autossustentado de nossa sociedade como um todo. São Paulo já experimentou, em outros períodos, momentos de desenvolvimento de seu parque cinematográfico. O período mais industrializante foi o período da Vera Cruz que não vingou por inúmeros motivos que não irei analisar aqui. Aquele modelo de estúdio à la Hollywood não vingou em nosso solo por razões que não são difíceis de mensurar econômica e esteticamente. Entretanto, à revelia do modelo industrial, o Cinema Novo gerou um dos mais impactantes momentos da história do cinema brasileiro. Já me referi a estes problemas em postagens anteriores.

A produção de cinema brasileiro, desde o início do século XX, foi vigorosa, mas logo sofreu com a concorrência brutal do cinema americano. Entretanto, é preciso matizar, histórica e economicamente, esta afirmação, porque, na década de 1970, o cinema brasileiro conquistou pelo menos metade do mercado brasileiro, tanto em suas produções independentes, quanto em suas produções patrocinadas pela Embrafilme. O neoliberalismo truculento inaugurado com a era Collor, no começo dos anos 1990, foi diretamente responsável também pelo desmonte das estruturas de intervenção direta do Estado no mercado de cinema e isto, é claro, veio bem a calhar para os interesses do poderoso parque industrial de cinema americano que avançou sobre o que tinha sido conquistado anteriormente pelo cinema brasileiro. Em outras postagens voltarei a focalizar esta problemática, a partir da perspectiva do que já escrevi anteriormente aqui neste site.


Alberto Nasiasene


Jaguariúna, 17 de maio de 2013


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