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Maucaratismo é uma patologia social no Brasil dos direitopatas

Uma investigação sociológica e historiográfica do fascismo em nosso contexto

Psicogênese sócio-histórica e imagética do fascismo brasileiro

Parafraseando famoso pregador pentecostal das Assembleias de Deus, que se caracterizou, historicamente, pela invenção do termo "esquerdopata", quero abordar aqui, com o mesmo critério que ele usou para definir os integrantes do campo adversário político dele, o próprio ponto de vista social e político no qual ele se colocou no pré e no pós Golpe de 2016. Por isto usarei termos psicológicos e juízos de valor, mas com o sinal invertido face ao próprio discurso religioso político do tal pregador. O maucaratismo da antiga classe média brasileira, por exemplo, é uma patologia social que sempre deu respaldo ao maucaratismo corrupto e sanguinário das classes dominantes brasileiras (com ou sem o apoio das igrejas). Não me surpreende nunca este fenômeno patente que é facilmente detectável na história brasileira, mas também na história mundial, porque não é só nesta latitude e longitude que este fenômeno acontece. São mais do que hipócritas ou cínicos, são pessoas que se comprazem no sadismo social, econômico e político; mesmo em cima de púlpitos religiosos (ou centros espíritas, ou centros empresariais como Fiesp ou organizações estatais de espionagem ou policiamento). Afinal, esperar o que de uma sociedade capitalista egressa de três séculos de escravismo?


Os tais pregadores evangélicos das Assembleias de Deus e seus políticos operadores no parlamento são ridículos numa perspectiva histórica. É até constrangedor para o povo brasileiro termos tido esta experiência histórica, não só para o povo evangélico brasileiro (que ficará irremediavelmente marcado historicamente por estes episódios históricos de tal modo que será, para sempre, uma pedra de tropeço muito difícil de ser tirada do caminho da história das igrejas evangélicas brasileiras). Bem ou mal que tenha sido a participação dos fieis evangélicos nas estripulias deste trio acima, não deixam de ser todos cúmplices deles, por exemplo, ao saírem, todos os anos, nas tais Marchas para Jesus (que mais parecem as deploráveis Marchas protestantes da Irlanda do Norte, contra a minoria católica explorada, como classe dominada, do que as Marchas que Martin Luther King promoveu contra as leis segregacionistas da classe dominante protestante e branca norte americana). Aqui as igrejas evangélicas nunca tiveram e nunca terão a importância histórica das lutas pelos direitos civis que tiveram as igrejas protestantes negras norte americanas (embora o povo que frequente as igrejas evangélicas brasileiras seja, majoritariamente, negro e mestiço).

Para o pregador em questão, vale também os mesmos critérios tão bem conhecidos, mas tão negligenciados por ele, do sermão do Monte, escritos no Evangelho de Mateus. Não julgueis, para não serdes julgados. Com o critério com que tiverdes julgado, vos julgarão também. Com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também. Mas também serve este critério jurídico teológico evangélico para um famoso procurador pop star, integrante de uma igreja batista do Paraná (um dos estados mais racistas do Brasil), mas igreja em nada semelhante com a do Rev. Martin Luther King.

Como diria o apóstolo Paulo, dois mil anos atrás, "o amor ao dinheiro é raiz de todos os males" e nossos pregadores supostamente puritanos são useiros e vezeiros desta prática que só acham pecaminosa em relação aos outros (mas como gostam de um dinheirinho vivo, não?...)

Cego, tira a trave de teu olho e então verás claramente o argueiro no olho de teu próximo, diria certo profeta a quem estas personalidades evangélicas pop stars pretendem seguir como imitadores. Se apresentam como almas imaculadas, o que seria uma blasfêmia para o apóstolo Paulo, que dizia que todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus e que não há um só que possa dizer que não tenha pecado. Mas estes têm o espírito dos fariseus que o profeta tanto detestava, o da hipocrisia cega da alma.


Toda a riqueza auferida por esta classe dominante vem do suposto mérito de ter explorado até à morte o trabalho escravo ou dos assalariados que estavam sob o seu comando (ou dos fiéis que pagam o dízimo e contribuem com ofertas financeiras para instituições religiosas diversas, de todos os matizes). Fato que consideram natural como o sol que nasce todas as manhãs. Mas depende do ponto de vista. Para se sentirem em paz com sua própria consciência, buscam o amortecimento analgésico de ideologias tais como o liberalismo (pasmem, havia liberais, pertencentes ao antigo Partido Liberal, que eram escravistas, em pleno Império), travestido agora, desde o final do século passado, de neo liberalismo (fora de moda, mas ainda em voga em colunas econômicas globais-tupiniquins); de religiões, quaisquer que sejam, desde os setores mais conservadores da Igreja Católica (TFP e Opus Dei, mas também carismáticos, por exemplo), passando pela variante evangélica (dos fundamentalistas até os neo pentecostais diversos), até o supostamente mais "evoluído" kardecismo (uma espécie de positivismo às avessas tão ao gosto de nossas elites republicanas); ou religiões mais exóticas, tais como budismo, hinduísmo ou uma salada eclética chamada de Nova Era.

O beijo do Judas II. O senador Aécio Neves, ladrão mor, no retorno ao Senado após ter recebido o perdão do trono (comum entre as classes dominantes brasileiras, desde as Ordenações Filipinas, em que os nobres não poderiam ser julgados nem chicoteados, como os demais plebeus; ou seja, tinham o direito de roubar e explorar à vontade, desde que não atentassem contra os interesses do rei), no dia 5 de julho de 2017.

Entretanto, com religião, ou sem religião, com ideologia da moda, ou sem ideologia da moda, nada faz com que o espetáculo da exploração social, econômica e política seja abafado dentro de nós mesmos quando fazemos simples explorações visuais, por exemplo, sobre a paisagem social e histórica brasileira. Se nosso contato com a realidade maior se restringe somente ao que há de jornalismo oficial ou oficioso (seja escrito, seja televisivo; veículos dominantes todos já obsoletos), mesmo que a imprensa oligárquica chapa branca do capital renegue a realidade, criando uma falsa realidade de sonhos (ou de ficções jornalísticas, confundidas como a "realidade"), para enganar a si mesma; a possibilidade de interpretar os elementos concretos desta trama histórica, desde que haja um mínimo de senso crítico, ou honestidade intelectual mínima, são assustadoramente desestabilizantes para as certezas dogmáticas que fingem acreditar os feitores e cultores de tais versões jornalísticas da realidade (ou, dizendo de outro modo, os ficcionistas realistas que usam um gênero literário conhecido como jornalismo).

Um dos principais equívocos de movimentos sociais de esquerda (porque há movimentos sociais de direita, é bom não esquecer, já que o fascismo tem como principal característica o ser também um movimento social de massas) é pensar que um indivíduo integrante de uma minoria explorada, ou maioria explorada, só porque é explorada historicamente, será, necessariamente, um indivíduo propenso a empunhar as bandeiras de lutas políticas por maior justiça social, por políticas sociais inclusivas, de diminuição das desigualdades sociais etc. Nada mais falso. A história está repleta de exemplos concretos de exemplos contrários. O próprio Mussolini e Hitler vieram de baixo da escala social de suas sociedades italiana e alemã. Além disso, no Brasil, não era incomum a presença de militantes negros em movimentos fascistas como o integralismo. Além de tudo, não é porque um indivíduo seja jovem que ele necessariamente será menos conservador politicamente do que seus pais. Isto não tem nenhuma base empírica que o comprove, porque a sociedade em que vivemos hoje está repleta de jovens muito conservadores em todos os sentidos possíveis e muitos velhos muito mais progressistas do que certos jovens reacionários.


Quanto mais há dúvidas reprimidas pelo inconsciente coletivo, mais violência despejam contra os que pretendem levantar o véu para mostrar uma visão diferente. Isto é o que explica a virulência dos movimentos fascistas que vestiram camisetas verde e amarelas desde o final de 2014 até a consumação do golpe de 2016. Eram pulsões reprimidas que estavam sendo afloradas na batalha pelo entendimento do real e por isto eram tão violentas. O super ego ideológico neo liberal fascistizante não queria ver, não podia ver, não iria se permitir ter alguma dúvida de que a vontade de poder que estavam canalizando, a despeito do princípio da realidade freudiano, esmagando o ego (bom senso) diante das fortes pulsões vindas do id coletivo (que tanto era desejo de prazer sádico, quanto desejo de vingança destruidora). Por isto explodiam em violência repressiva contra os elementos que indicavam o princípio de realidade.

Golpe desferido por capitão da PM contra Mateus foi tão intenso que quebrou o cassetete

O estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), Mateus Ferreira, 33 anos, recebeu a reportagem do Brasil de Fato para falar sobre a agressão sofrida pela Polícia Militar (PM) no último 28 de abril, quando participava de um protesto contra as reformas trabalhista e da Previdência propostas pelo governo de Michel Temer (PMDB). O encontro foi no Campus Samambaia da UFG, exatos dois meses após a agressão, e Mateus, que já voltou a frequentar as aulas, respondeu a todas as perguntas, mas, por conta de sua situação, recusou-se a fazer fotos ou gravar vídeo. Natural de Osasco (SP), o estudante de Ciências Sociais já tem curso superior em Informática, com ênfase em Gestão de Negócios. Veio para Goiânia em março de 2016 e começou a frequentar manifestações de rua em 2013, aquelas que ficaram conhecidas como Manifestações dos 20 Centavos. Na Greve Geral de 28 de abril, enquanto exercia seu direito de protestar, foi brutalmente agredido pelo capitão da PM goiana Augusto Sampaio. Um vídeo que viralizou na internet mostra claramente a violência sofrida por Mateus, que levou um golpe de cassetete no rosto. De tão forte, a pancada quebrou o cassetete. O momento pode ser verificado aos 50 segundos da gravação, no lado esquerdo das imagens.

Cirurgias

Mateus ficou inicialmente 11 dias internado no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo). Depois mais três dias para a segunda cirurgia. O primeiro procedimento removeu os estilhaços de osso da testa e o segundo colocou uma prótese “para tapar o buraco”, conta. O resultado foi uma grande cicatriz, quase em formato de coração, que ele diz não pretender retirar. Enquanto o estudante lutava pela vida no Hugo, uma rede de solidariedade se formou em torno dele e de sua família. “Essa ajuda foi muito bem vinda. Em nenhum momento o Estado se manifestou para prestar qualquer auxílio”, lembra Mateus. No entanto, a outra face da moeda foi o assédio. “Às vezes acho positivo. Depende do canal e das perguntas. Já participei de rodas de debate sobre violência após o ataque. São comuns as abordagens na rua também. As pessoas querem saber como estou. Eu até lido com isso com tranquilidade. Mas o fato é que minha vida mudou”. Rede Brasil Atual.

Com estes parâmetros de uma suposta psicologia social, a la Escola de Frankfurt, quero abordar aqui o falso conceito do que vem a ser fato social ou histórico que anda em mentes e corações, Brasil afora, nestes tempos de golpe de Estado, por forças neo liberais auto colonizadas. Ou seja, quero falar da construção social da percepção do que vem a ser fato, como já abordei anteriormente em uma postagem sobre o domínio das diversas linguagens.

Em um grupo de formação continuada de história, ficava pasmo com um ex militante de um partido de esquerda, partido de massas, que foi chefe de gabinete de uma secretária de educação, que dizia que o que saia publicado no principal jornalão de Campinas (um monopólio de imprensa monstruoso que engoliu todo e qualquer concorrente, tornando a imprensa escrita de Campinas propriedade de uma única família) eram "fatos". Não passava pela cabeça dele que estávamos diante era de uma representação jornalística sobre o que seriam os fatos e que esta representação era construída a partir de um determinado ponto de vista social, político e econômico que de modo algum estava isento do jogo de interesses econômicos e políticos que estavam em processo de luta pelo poder na crise municipal que antecede em quatro anos a crise nacional (Campinas sempre foi usada como laboratório de políticas golpistas que serão usadas em nível federal depois). Por isto mesmo é que eu ficava pasmo com ele, logo ele que, formalmente, era filiado a um partido de esquerda de prestígio e que tinha feito parte do staff que ocupou o poder municipal em nome deste partido que ganhou eleições democráticas.

Há os que confundem linguagem com fatos, ou linguagem com realidade e tendem a interpretar os fenômenos com os mesmos critérios linguísticos e lógicos desta confusão conceitual. Este fenômeno é mais comum entre linguistas, mas também em intelectuais que não conseguem ir além deste pensamento reducionista. Mas há também intelectuais que vieram da área da teoria da literatura e tendem a interpretar a linguagem das ciências sociais como mera questão de mais um tipo de gênero literário, esnobando qualquer pretensão de cientificidade e ontologia que vá muito além desta confusão conceitual entre realidade e literatura (é o caso de um famoso antropólogo que virou moda a partir do final do século passado, Clifford Geertz; para ele, que veio da área da literatura anteriormente, a antropologia e as ciências sociais não são ciências, mas um modo literário de abordar o real, tanto que seu principal livro é Interpretação das Culturas, que seriam um mero texto). Tendem a interpretar a realidade como se ela fosse um texto, ou como se ela mesma fosse uma linguagem; o que é completamente estranho ao conceber científico realista da realidade (por mais que seja uma concepção realista ingênua ou mais complexa, sabe-se que a realidade da física clássica, da física relativista e da física quântica, não são meras linguagens mas realidades existentes fora de nossa percepção e vontades e existentes por si mesmas, porque não são meras projeções de nossas ideias).

Penso ser muito aborrecido ficar repisando isto tudo, mas, infelizmente, tenho que voltar a este ponto porque em qualquer discussão intelectual que façamos hoje em dia, na segunda década do século XXI, ainda temos que lidar com esta herança do século passado que é um dos sub produtos da ideologia neo liberal. O Clifford foi um antropólogo que floresceu enquanto o domínio neo liberal norte americano truculento e nada antropológico da era Reagan e Bush prevalecia sobre o planeta, com a teoria do cacete planetária rolando solta na operacionalização da geo política norte americana e também foi um dos professores da famosa universidade fonte de boa parte da ideologia neoliberal, a de Chicago; neste ponto, pode ser também considerado um Chicago boy (mas é bom saber que havia outros antropólogos na mesma universidade que não comungavam com estes dogmas da "antropologia hermenêutica" do Clifford, como se a antropologia fosse só uma teoria literária a mais, não uma ciência social séria e que são menos conhecidos até agora, mas que irão suplantar o antropólogo da moda "pós moderna" à medida em que este século avança). Mas só temos que encarar esta discussão desgastante porque isto é uma forçada abordagem tipicamente anglo saxônica da problemática e só tem a primazia graças aos portas aviões, frotas, mísseis inter balísticos e continentais e uma infinidade de armamentos de última geração gerados pelo lastro econômico do dólar norte americano no planeta que não é mais o ouro desde a década de 1970 da era Nixon, mas a própria força das armas. Se todo este aparato militar estivesse nas mãos da Alemanha pré nazismo, por exemplo, ou do Japão pré militarista, a discussão seria outra.

Embora haja um vício profissional de origem que deforma, segundo penso, a percepção da realidade concreta maior num linguista famoso como Chomsky (que tende a confundir realidade com discurso), é evidente que a posição política deste linguista não é semelhante em nada face ao antropólogo famoso que detestava Margaret Mead (talvez haja explicações freudianos que esclareçam melhor esta hostilidade dele para com a antropóloga anterior e mais famosa do que ele jamais foi na sociedade norte americana, inclusive porque a antropóloga era uma apoiadora dos democratas, não dos republicanos). Chomsky não é apoiador dos democratas, porque se define como mais à esquerda ainda, auto declarando-se anarquista, mas, nos últimos anos da vida, sabendo-se norte americano diante do descalabro neo liberal dominante desde o final do século passado, tem afirmado que dentro da sociedade capitalista, a ausência de Estado fica pior ainda para a sociedade. Portanto, o pensamento destes intelectuais tem que ser visto também com os muitos nuances e contradições, dentro de um contexto maior, porque aqui não estou a defender posturas simplórias e reducionistas, só problematizando as ideias existentes a fim de apontar para certos fenômenos.

Portanto, não são as ideias, em si mesmas, nem os discursos, em si mesmos, que são confundidos com a realidade. Realidade é algo maior do que palavras e símbolos. Há sim, mesmo que não se vejam, outros elementos que nada tem que ver com linguagens (armamentos nucleares são de uma outra natureza física e quântica bem diferente de discursos ou linguagens imagéticas apenas) e que as precedem e as explicam, mas não se resumem a elas. Entretanto, no mundo da alienação capitalista em que vivemos, parecem que são as ideias desencarnadas que têm a primazia sobre a própria realidade material extra corpórea e extra sensorial (mas não de um extra sensorialismo espiritualizante é que estamos falando, porque estamos falando de camadas da realidade que vão muito além e muito aquém de nossa mera percepção neurológica externa, como os quarks, os múons, o bósons etc.; sub partículas das estruturas elementares do átomo como entendíamos até o início do século passado, mas que ainda permanece nas mentes de muitos intelectuais que não se atualizaram na mesma medida em que as ciências físicas foram devassando as dimensões sub atômicas da realidade material).

Por isto volto a uma questão que gosto de deixar bem clara: quando falo em ideias, estou me referindo, de modo geral, ao que acontece dentro de nossos cérebros (tendo ou não esta consciência) e que a neurologia explica como sinapses bioquímicas entre células nervosas de nosso tecido cerebral. Isto está mais próximo de uma concepção idealista que não tenho e que vou explicar em seguida só para esclarecer. Lukács diria que, se falamos exclusivamente em termos de ideias, abstraindo sua base material, há pelo menos duas maneiras de assim fazer: a maneira do idealismo objetivo e a maneira do idealismo subjetivo (ambas com a tendência de pensar a realidade a partir das ideias e, algumas vezes, como no caso das crenças religiosas, concebendo a origem do universo a partir da ideia, não da matéria). Como as palavras são sempre muito ambíguas, é preciso definir melhor o que se quer dizer com elas. A isto geralmente chamamos de conceitos, que são uma das maneiras que a linguagem usa para representar a realidade maior, em qualquer de seus níveis fenomenológicos, por meio de palavras.

O idealismo objetivo caracteriza-se por focar nas ideias, mas nunca como entes esotéricos e espiritualizantes, excessivamente abstratos, porque está sempre focado nas ideias que andam nas cabeças e nas bocas de seres viventes (esta concepção nada tem em comum com as concepções espiritualistas, embora fale de palavras semelhantes na linguagem). A própria religião pode ser abordada desta maneira, afinal, nada mais é do que ideias e crenças existentes nas cabeças de pessoas que estão inseridas dentro de um determinado contexto social e histórico. Pelo menos dentro do cérebro destas pessoas, as ideias religiosas, por mais absurdas que aparentem ser, são verdadeiras, porque estão acontecendo por meio de sinapses bioquímicas e estão localizadas bem precisa e mensuravelmente dentro de cérebros humanos (se elas existem realmente fora destes cérebros não importa).

Já o idealismo subjetivo tende a pensar as ideias como emanações espirituais que nada tem de materiais e que, ao contrário, são o oposto da "matéria" (mas o que seria a matéria é que é também uma longa questão a ser discutida). Esta é a maneira de pensar da maioria absoluta das pessoas religiosas que creem realmente que há um mundo que não é este mundo "material" no qual estão mergulhadas. Não há a menor preocupação com correspondência alguma destas ideias com o mundo material, porque a matéria é vista de modo negativo e desprezível, na maioria dos casos. Por isto o idealismo subjetivo tende a ser muito mais fantasioso e a manipular a lógica interna de suas ideias de maneira muito mais flexível. O verdadeiro mundo, o melhor, o superior e mais verdadeiro seria o mundo destas ideias espiritualizadas (a psicanálise chamaria isto de fantasias que são projeções de pulsões internas subjacentes ao lado consciente do ego). Nesta maneira de pensar, por exemplo, os sonhos não são realidade interna ao cérebro, que confunde as três dimensões da consciência, o ego, o superego e o id em uma confusão aparentemente sem sentido lógico cartesiano. São uma outra realidade literal que ocorre fora do corpo físico da pessoa que dorme, ou seja, fora do cérebro material de quem sonha.

Definidos os conceitos, volto a afirmar que nunca me refiro a esta maneira idealista subjetiva ou idealista objetiva de pensar a vida, mesmo quando, aparentemente, estou a me referir às ideias em si mesmas. Não penso que as próprias ideias sejam algo imaterial, de modo algum, nem que elas possam ser compreendidas inteiramente abstraídas de um contexto material qualquer. Ao contrário, ideias são bem materiais, porque só ocorrem por causa do cérebro que temos e através da energia bioquímica que há dentro de nosso sistema nervoso, através de células específicas (que são uma reprodução de um universo particular que pode existir só dentro de nosso cérebro, mas que existe sim, mesmo que só em nosso interior; por isto é que a antropologia leva tanto a sério a cultura dos diversos povos). Com esta abordagem é que posso investigar qualquer religião ou sistema de crenças, mesmo que o foco esteja, momentaneamente na análise das próprias ideias (entendidas sempre desta maneira mais concreta do que o idealismo subjetivista concebe) como elementos de uma trama maior que chamamos de cultura de um determinado povo ou de uma época. Por isto é que levo a sério as crenças das pessoas nesta ou naquela concepção religiosa (porque as crenças e modos de viver estas crenças fazem parte indissociável da cultura viva de uma sociedade e não pode ser deduzida esquemática e mecanicamente a partir de estruturas econômicas externas como pensa o marxismo leninismo vulgar de cartilha). Para mim, elas são verdadeiras, mas só porque as pessoas acreditam nelas dentro de seus cérebros que estão inseridos em um quadro material dinâmico que tanto exerce pressão sobre elas, quanto é pressionado pelas pulsões internas destas ideias, de modo dialético (mas sempre, em última instância, como diria Marx e Freud, é a realidade maior que tende a predominar sobre as fantasias desprendidas de qualquer lastro real externo).

Entretanto, não penso que a análise ideológica deva parar por aí, nas ideias propriamente ditas. Não sou psiquiatra, nem psicólogo. Sou historiador que vê e pratica seu ofício de modo científico (discordando radicalmente de quem concebe a história apenas como mais um gênero literário qualquer), a partir de conceitos científicos elaborados pela sociologia e antropologia, assim como pela economia e psicologia; mas sempre a partir de um espectro mais amplo de duração no tempo e dentro de um contexto maior do que indivíduos isolados. Isto é, ninguém pensa isto ou aquilo, que, por mais absurdo que seja, é verdadeiro, pelo menos dentro de seu cérebro, se não tiver um corpo que precisa de alimento, água para beber e abrigo para morar (e isto a partir de uma coordenada latitudinal e longitudinal qualquer deste planeta). Portanto, só dentro de um contexto social e ambiental qualquer é que as ideias prosperam (por mais que seja invertido o entendimento que estas pessoas tenham do mundo e da sociedade em que vivem) e este contexto pode ser sim investigado de modo científico, inclusive utilizando conceitos das demais ciências naturais, para além das ciências sociais. Portanto, a base última de minha metodologia é sempre mais realista do que a de qualquer das formas do idealismo, mesmo o idealismo objetivo (mas, para evitar preconceitos vários, prefiro dizer que esta abordagem é científica apenas).

Vem daqui um dos principais problemas que ainda temos neste século, depois de pelo menos mais de século de descobertas e aprofundamentos científicos. Os cientistas da natureza, incluindo-se os físicos, os químicos e biólogos, tendem a interpretar a sociedade com seus parâmetros científicos totalmente inadequados para investigar a realidade social porque desconhecem que há uma realidade concreta, material/energética, como uma "coisa", que não se confunde nem com a natureza, nem com o indivíduo e que os parâmetros, conceitos e métodos de investigação aqui são outros que não os mesmos com os quais eles trabalham. Ou seja, há uma realidade social com dimensão fenomênica própria que um sociólogo como Emile Durkheim, que nada tem que ver com o marxismo, por exemplo, descobriu e delimitou. Desde o fim do século XIX que Durkheim já apontava que havia sim uma dimensão da realidade que não se confundia com a dimensão estritamente biológica, nem psicológica, a dimensão social e que esta dimensão tinha uma autonomia própria comparável à autonomia da biologia e que esta autonomia ia muito aquém e muito além da própria consciência individual dos sujeitos históricos (independentemente de qual escola sociológica qualquer à qual o sociólogo se filie, há sim um consenso quanto a esta questão entre eles e as diversas escolas). Vem daqui a conclusão de que a sociedade não é um ajuntamento de indivíduos que resolvem viver juntos, como é comum se conceber a partir do senso comum.

Ao contrário do mito de Adão que é criado, do barro, como matéria prima, já como indivíduo feito (nem todas as religiões pensam assim em seus mitos fundadores auto explicativos); é a sociedade que vem primeiro, em relação aos indivíduos, antes de qualquer possibilidade de contrato e ajuntamento, ela já nasce indissoluvelmente de um ajuntamento social desde sua gênese; porque, como espécie humana, o homo sapiens só pode aparecer no planeta de uma dupla biológica que nunca existe sozinha, mas dentro de um agrupamento maior (uma determinada espécie quando atinge a marca de apenas 50 indivíduos está automaticamente colocada no livro vermelho de provável extinção; porque com menos de 50 indivíduos não há mais a possibilidade genética dela sobreviver saudavelmente enquanto espécie). Portanto, a falsa questão de se saber quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha, não cabe quanto à espécie humana, nem quanto à espécie galinácea nem espécie alguma (porque as espécies são mais do que indivíduos e gêneros).

Portanto, não estou inventando a roda ao afirmar que há uma metodologia sociológica pensada de modo rigoroso a partir de observações científicas que começam por definir, afinal, o que seriam fatos sociais dizendo que eles podem sim ser analisados como "coisas," materiais (embora não tenham a materialidade aparente de um minério de ferro), do mesmo modo que a biologia de final do século XIX fazia com respeito às outras espécies vivas que compartilham nosso planeta. Entretanto, quando analisamos estes grupos humanos especificamente estamos diante de um fenômeno autônomo que vai muito além da mera existência física biológica de indivíduos ou grupos de indivíduos. Ou seja, há uma dimensão específica, a dimensão das relações sociais (que não são reduzidas apenas à questão da mera sobrevivência física da espécie, por exemplo, nas relações sexuais entre dois indivíduos) que permanecem presentes o tempo todo na vida dos indivíduos e do grupo de indivíduos de homos sapiens como realidade externa que não se confunde com o meio ambiente em si mesmo, nem com a exterioridade física que há entre os indivíduos orgânicos específicos, porque é uma realidade que envolve muitos elementos externos e internos que vão para além e para aquém da psicologia individual de cada indivíduo em específico e seus corpos. Neste sentido, a dimensão social precede a dimensão individual e tem uma força maior do que os impulsos meramente individuais, mas não de modo mecânico como podem conceber os reducionistas que não reconhecem também a dimensão psicológica como uma das dimensões autônomas e contraditórias da sociedade. Estas relações sociais não são meros fenômenos subjetivistas e simbólicos, definidos por indivíduos previamente (este equívoco de pensamento é bem típico do pensamento burguês desde os filósofos contratualistas do século XVIII). Ao contrário, são uma realidade material que vai muito além de subjetividades e uma realidade material maior pré existente aos indivíduos (todos os indivíduos) que possuem uma dinâmica que está aquém e além da própria consciência individual (há certas dimensões da existência material maior que não conseguem ser reduzidas à linguagem alguma, muito menos a símbolos subjetivos só existentes dentro de cérebros humanos). Ou seja, como Marx diria, de outro ângulo, não é a consciência individual que conforma o ser existencial da espécie humana na face deste planeta; ao contrário, é o ser existencial da espécie humana na face deste planeta que conforma a sua consciência social e individual, numa relação dialética em que predomina o coletivo, em última instância, sobre a consciência individual, não sem certas tensões permanentes para com o contexto social, histórico e ambiental.


II


Estou finalizando os vídeos que colhi, a respeito da temática da história da educação, em Campinas, quase dez anos atrás, quando comecei a fazer filmes documentários ainda dentro do curso do Pedagogia da Imagem no Museu da Imagem e do Som de Campinas (na verdade, dentro do intervalo entre o primeiro que fiz, em 2007 e o segundo, em 2009). Isto quer dizer que as primeiras captações de imagens em movimento que fiz já são fruto de uma reflexão teórica prévia e não eram apenas um ato experimental puro e simples, sem que houvesse uma intenção prévia bem planejada por trás. Era um experimentalismo com objetivos marcados claramente.

Como disse a um de meus interlocutores, eu, neste tempo, estava muito compenetrado na reflexão e na pesquisa teórica e historiográfica, tanto da história da fotografia no século XIX quanto na história do impressionismo (em que a pintura vai procurando um distanciamento da fotografia, como havia na pintura acadêmica, porque, aparentemente, a máquina e as lentes faziam isto melhor do que os pinceis; mas, na verdade, quanto mais fui pesquisando, mais fui percebendo que a própria fotografia que surge no século XIX era uma continuidade das técnicas de pintura anteriores, a começar pelo conceito de enquadramento). Portanto, meu olhar que colhe as imagens em movimento está dialogando com esta pesquisa paralela, incorporando elementos que só podem existir no cinema, como o da duração e tempo histórico. Eu sabia que estava colhendo imagens históricas em Campinas e São Paulo, ou Brasília, que só teriam maior significado, para a maioria das pessoas, anos depois e estava analisando exatamente este fenômeno: o senso comum costuma confundir o presente em que se vive de maneira a-histórica, nunca percebendo que as formas, os conteúdos, as relações, as coisas, o meio ambiente, tudo, enfim, é um processo que só aparentemente, na curta duração, oculta um outro processo subjacente maior, o processo histórico em andamento.

Chamo esta primeira fase de pesquisas em audiovisual de fase impressionista, porque eu queria mesmo captar a atmosfera fugidia do momento histórico que vivia no momento da captação, o que o impressionismo fez nas décadas finais do século XIX, procurando religar a história da fotografia, da pintura e do cinema; mas ainda não tinha encontrado uma estrutura narrativa pela qual tanto ansiava: a de Jean Rouch (que só encontrarei, à minha maneira, aos poucos). Precisava passar primeiro pela experiência existencial dolorosa da rejeição social que as imagens não demonstram (a maioria destas imagens foi feita de forma quase que clandestina, porque tinha que enfrentar os diversos estereótipos e resistências internas das pessoas no entorno, além de insultos e censuras diversas de gente, de todos os níveis, que não queria, não entendia e não permitia que eu fizesse o que estava fazendo; o mínimo que recebia, como incentivo, era a frase, "para quê filmar e fotografar estas coisas feias, sem sentido, fora de consideração?"...).

Algumas pessoas sempre deixam claro para mim que não conseguem ainda ultrapassar esta barreira dolorosa (penso que por falta de ousadia delas, porque, para ultrapassar esta barreira, é preciso desafiar, perseverante e dolorosamente, o espírito de Maria vai com as outras e a ideologia do politicamente correto de classe média que está baseada somente em preconceitos e supostas interdições que não existem nem na ética, nem na lei). Por incrível que possa parecer, tive que enfrentar a minha própria barreira interior de timidez para tentar alcançar o meu sonho interior, o de ser um cineasta como Vladimir foi (mas com o senso de realismo histórico que me fazia perceber que nunca o serei do modo em que ele foi, porque os meios, o contexto e as temáticas hoje são outras que não as que ele enfrentou). Mas eu queria fazer muito mais do que Sebastião Salgado fazia, com o esnobismo de filho de fazendeiro, jornalista e suposto economista marxista que fez doutorado na Sorbonne que ele gostava de mostrar (o fotógrafo financiado por grandes bancos, grandes empresas que faz uma fotografia realista para Stalin nenhum botar defeito; tudo em nome de uma suposta visão sobre os proletários e deserdados da terra da qual o fotógrafo está distante em tudo na vida parisiense que ele tem). Percebi logo de cara, no início do século, que a era digital estava colocando estes donos do poder da imagem em um inevitável xeque mate; porque estava tornando possível, mesmo para um simples professorzinho de história do ensino fundamental (tão desprezado na nossa sociedade brasileira), fazer o que Sebastião Salgado fazia (nas entrevistas que ele dava, ficava bem claro como ele gostava de esnobar o fato que fazia milhares e milhares de fotografias que seriam selecionadas para cada exposição; porque sabia que este fazer, em escala de milhares, no mundo caro da película, era monopólio só de "grandes fotógrafos" bem financiados como ele).

Por isto que comecei minha prática fotográfica testando as possibilidades digitais a partir da questão da quantidade mesmo. Isto é, fui tentando fotografar o máximo que eu podia, para ganhar experiência prática de saber quantas fotografias eu poderia fazer em um evento, por exemplo. Por isto é que fui fazendo duas mil fotografias de uma só vez e em um só dia (comparando com a experiência cara que tive, quando em 1979, viajei para a Paraíba, para fazer uma pesquisa fotográfica no mundo de José Lins do Rego em que, durante um mês, consegui captar e produzir 500 fotografias). Em um dia, na era digital, já conseguia produzir quatro vezes mais do que conseguia em um mês no final dos anos 1970 (e com um preço infinitamente menor). Quando me matriculei no curso da pedagogia da imagem, já estava em uma outra fase, a fase de pensar melhor a qualidade de minha fotografia e foi dentro do curso que descobri que poderia ser o que havia sonhado ser em minha adolescência, um cineasta também, porque minha própria prática fotográfica estava indo na direção narrativa que o cinema desenvolve melhor.

Estou voltando a escrever sobre esta temática aqui no site porque estou preparando um futuro artigo científico em que misturo questões epistemológicas, de teoria de conhecimento, com metodologia das ciências sociais aplicada tanto à análise das linguagens, quanto ao atual contexto histórico que vivemos, pelo viés ideológico, começando pela seguinte problemática: onde começa a ficção e termina o realismo documentário, não sabemos.

Os limites são bem fluídos entre os dois. Glauber Rocha, por exemplo, fazia seus filmes de ficção de modo documental, aproveitando a "realidade" das locações e os imprevistos. Foi assim em Deus e o Diabo na Terra do Sol e foi assim em Terra em Transe. Mas ele transitava bem entre documentários (fez alguns) e ficção (de modo que é possível dizer que há muita ficção nos documentários dele e muito documentário nos filmes de ficção dele).

Estamos coletivamente realizando um diálogo intelectual, inclusive por escrito, mas também uma parceria tanto pedagógica, quanto autoral; já que os filmes que fiz (só no ano passado foram mais de sessenta, na série minha escola é minha aldeia) os fiz em parceria com um coletivo de arte educadores, no qual me incluo. O que faço, em tese, seriam documentários, mas até que ponto são ficção também, e expressão pictórica, não sei, porque não me preocupo em marcar fronteiras. Faço o que sinto vontade de fazer, mas também o que consigo fazer, dentro do contexto e com as condições materiais, psicológicas e intelectuais que tenho no momento em que uma determinada obra está sendo feita. Meu trabalho em audiovisual está amadurecendo, porque já são dez anos de reflexões auto críticas contínuas sobre ele, mas também por causa de muita experiência prática que já tenho.

Toda a minha vida anterior, desde a infância, está confluindo para o que faço no audiovisual, tanto o meu desejo de ser um artista plástico (tive aulas de escultura) e um pintor, quanto de crítico literário que fui desde minha adolescência (ganhando prêmios nacionais em uma Maratona da Literatura que havia no nível do segundo grau, por duas vezes consecutivas, a respeito da obra de José de Alencar e José Lins do Rego). Quando fui fazer ciências sociais na UFPB, fui por causa das análises literárias que estava fazendo, com um viés sociológico, antropológico e histórico e, na época, por causa da atividade de cineclube estudantil que dirigi no ensino médio, em Brasília, nos anos finais da década de 1970. Eu queria fazer filmes de ficção sim (mas, naqueles tempos do reinado caro e monopólico da película, era praticamente impossível). Mesmo assim, estive muito ligado ao teatro universitário da própria UFPB (que tinha o seu departamento de teatro universitário e um teatro, o Teatro Lima Penante, a partir de 1980, onde trabalhava meu amigo Fernando Abath, que, depois irá ser o secretário de cultura de João Pessoa e secretário estadual de educação do governo da Paraíba). Foi neste período que tomei contato com as obras de Augusto Boal, porque ele ia muito ao teatro Lima Penante, quando estava lançando, no Brasil, os livros que hoje são clássicos. Muito de minha atuação em sala de aula é, nada mais nada menos do que técnicas de teatro que aprendi em Boal. De modo que muito de meus documentários são, também, uma atuação dramática à lá Augusto Boal, por incrível que pareça.

Penso que os critérios de reprodução da realidade tanto quanto ao realismo e quanto a ficção são os mesmos (tanto no cinema de ficção, quanto no documentário). Pelo menos quanto ao documentário cinematográfico (que é a minha referência), nunca pensamos que estamos diante da realidade mesma, quando vemos um filme, mas de uma representação sobre a realidade que quer apresentar e discutir certos problemas de modo discursivo imagético.

Sabemos que a maioria esmagadora das pessoas pensa que documentário é o que aparece na Globo (Deus que nos livre). Confundem documentário com jornalismo e jornalismo como cópia da realidade. Mas, nem o jornalismo é lá esta "cópia da realidade", nem o documentário é aquilo que aparece na Globo, por exemplo, no Globo Repórter, ou no Fantástico (aquilo ali me deprime tanto que faz mais de quinze anos que não vejo, causa-me náuseas e depressão instantânea). Na verdade, ainda mais em se falando de jornalismo global, aquilo ali, com aparência de realidade, é nada mais nada menos do que uma construção ficcional sobre a realidade (e, pior ainda, uma criação política deliberada, usando uma linguagem pseudo realista, para incutir na mente de espectadores uma determinada versão sobre os fatos; ou seja, o "fato" aqui, em si mesmo, já é uma criação ficcional).

Penso que há maneiras diferentes de abordar a realidade e metodologias que as conduzem, mas, no fundo, são maneiras de aproximação ou distanciamento da realidade que, no fundo, não deixam de ser realidade, por mais fantasmagóricas que sejam e, aparentemente, irrealistas (nada mais real do que um sonho e nada mais adequado para entendê-lo do que uma boa interpretação psicanalítica). Um documentário pode ser tão real que esconde que é inteiramente mentiroso (construído artificialmente com elementos que não correspondem a nenhuma realidade em específico) e outro pode ser tão irrealista que apresenta certas dimensões da realidade sim, como um bom documentário surrealista pode fazer.

O mesmo pode ser dito de uma obra de literatura, que pode ter a aparência realista, ou hiper-realista, mas ser inteiramente mentirosa, ou pode ter uma aparência totalmente surrealista, como em Kafka, e ser bem verdadeira.


Alberto Nasiasene


Jaguariúna, 6 de julho de 2017



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