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O fundamentalismo kardecista como ideologia de direita


O fundamentalismo kardecista é tão nocivo à religiosidade, quanto à ciência. A começar por sua arrogância doutrinária e por seu espírito dedutivo de raciocinar a partir de verdades eternas que não se questionam (dentro do velho conceito de verdades reveladas que nada têm em comum com a moderna ciência). Tudo o que a moderna ciência não é, o kardecismo, supostamente científico, afirma. É um espírito positivista dogmático que está irremediavelmente preso ao século XIX e que se apresenta como doutrina inquestionável.

Imagine se este espírito arrogante e dogmático tomasse conta de todos os nossos centros de pesquisa científica... Voltaríamos a viver como na Idade Média, com um verniz de século XIX. Ora, este espírito dogmático é que foi um grande obstáculo para o desenvolvimento das ciências naturais e humanas desde o Renascimento. Se ele não tivesse sido enfrentado, tanto por Galileu e Newton, quanto pelos filósofos iluministas, ainda estaríamos vivendo sob este manto dogmático que mais oculta do que revela os mistérios do universo. Um dos princípios fundamentais da ciência moderna é o de não começar o conhecimento por meio de deduções de verdades prévias, mas, pela observação e experimentação ir, continuamente, por indução e raciocínio analítico, fazendo contínuas descobertas que vão sempre questionando verdades estabelecidas e redimensionando-as não através de um doutrinarismo formalista e escolástico, mas de uma contínua busca dialética de novas teorizações sempre provisórias e parciais (tudo o que o kardecismo não consegue apreender, porque parte de um corpo doutrinário estabelecido que nunca é questionado em seus próprios princípios).

O conceito de evolucionismo do kardecismo, por exemplo, é muito próximo ao superado evolucionismo eurocêntrico colonial amplamente questionado por uma ciência que o kardecismo nem toma conhecimento, a antropologia. Além disso, nada tem que ver com o evolucionismo biológico de Darwin, porque é uma ideologia que, ao mesmo tempo, se pretende "científica" e religiosa (velho problema que o integrismo da teologia de um Tomás de Aquino causava para o próprio desenvolvimento livre da ciência até que Galileu, no século XVII, começa a questionar duramente esta maneira dedutiva de supostamente estabelecer verdades eternas sobre a ciência dogmática) e não problematiza nada, nem a si mesma, muito menos.



II



Seria salutar, para os autores de postagens e comentários em sites progressistas, um aprofundamento nas diversas correntes das ciências sociais, tanto a sociologia, quanto a antropologia; por exemplo. Faltam-lhes um domínio mínimo de conceitos de ciências sociais que não usam os mesmos parâmetros das ciências da natureza. É grave equívoco pensar que a ciência seja apenas a vertente da física, da biologia ou da lógica formal aristotélica.

O principal problema metodológico do Allan Kardec e seus seguidores fundamentalistas é que ele nasceu, viveu e morreu antes do surgimento das modernas ciências sociais. August Comte, que ele deve ter ouvido falar, não é fundador das modernas ciências sociais e os preconceitos eurocêntricos que ele inconscientemente tinha, como francês que era, nada têm em comum com as ciências sociais da segunda metade do século XIX. Além disso, os princípios metodológicos das ciências sociais do fim do século XIX já foram questionados, depurados, redimensionados, repropostos e continuam a sê-lo (coisa que o kardecismo, suposta ciência, não faz de modo algum, porque parte de um corpo doutrinário dogmático estabelecido para todo o sempre e que jamais se questiona a si mesmo, em meio a suas certezas absolutas como em qualquer atitude fundamentalista religiosa).

A pseudociência que é o kardecismo não agrega nada de relevante para as ciências sociais. Ao contrário, é uma fase pré científica da ideologia burguesa francesa, nascida em um dos períodos mais conservadores social, econômica e politicamente na França (não por acaso, os kardecistas tendem a defender posturas políticas mais conservadoras politicamente, sem questionar a própria sociedade de classes na qual ele surgiu em meados do século XIX; ao contrário, sacralizando-a em suas concepções religiosas pseudocientíficas e agora dogmatizadas).

Portanto, seria salutar para qualquer autor de textos em blogs progressistas sérios se desprender de afirmações categóricas e dogmáticas (adequadas a sites religiosos que não estão acostumados ao debate e ao senso crítico) e se aprofundar com mais afinco no conhecimento das ciências sociais modernas, a começar pelo seu próprio auto questionamento constante. Ou seja, os princípios modernos das ciências sociais jamais endossariam este dogmatismo doutrinário do kardecismo, mas, ao contrário, estão, o tempo todo, questionando verdades estabelecidas e convicções por demais arraigadas em pensamentos categóricos que não conseguem entender que nenhuma teoria, nenhum conhecimento e nenhum sistema explicativo moderno poderá dar conta, inteiramente, do conhecimento sobre um universo que é infinito.

Portanto, a começar pela origem do questionamento, a ciência moderna nunca parte das ideias, sejam elas sistemas filosóficos estabelecidos, sistemas teológicos doutrinais sistematizados, ou teorizações sumárias estabelecidas em qualquer corpo doutrinário congelado em seu contexto histórico original, como é o caso do kardecismo, uma ideologia burguesa, que pode muito bem ser delimitada e contextualizada histórica, econômica, política e culturalmente a um determinado contexto histórico e geográfico. A ciência parte da realidade externa (a física, como diziam os gregos antigos), mesmo quando ela se estende para as estruturas internas do pensamento produzido por meio de sinapses no cérebro de quem pensa a realidade (a psicologia, a antropologia e a sociologia, por exemplo; ciências sociais específicas).

Isto quer dizer que o ponto de partida da ciência moderna nunca é o mundo das ideias, concebidas de modo espiritualista, mas o mundo concreto e material que existe fora e independentemente das ideias. Isto porque a ciência social, qualquer que seja sua escola e corrente interna, por exemplo, só está interessada em investigar e explicar os fenômenos concretos desta existência e, quando se debruça sobre a investigação sobre as crenças religiosas de um determinado povo, uma classe social ou uma época e lugar, o faz com um repertório conceitual completamente estranho às teologias, quaisquer que sejam elas. O ponto de vista da ciência é inteiramente diferente do kardecismo, como é de qualquer mitologia, ou qualquer religião. Portanto, a falácia de materialismo (visto como eticamente mal e inferior em comparação com o espiritualismo) versus espiritualismo é uma questão que não se coloca para as modernas ciências sociais.

Não há, nas ciências sociais, depois de mais de um século de desenvolvimento, esta postura evolucionista eurocêntrica típica do kardecismo (o que só comprova que o kardecismo é uma ideologia típica da fase pré ciências sociais, de meados do século XIX e que pertence sim à configuração ideológica e a um contexto de mentalidades históricas já há muito tempo superado dentro das instituições científicas secularizadas). Não só não há nada de científico nas afirmações dogmáticas e doutrinárias do kardecismo (que Michel Foucaultindicaria como parte do instrumental ideológico da burguesia francesa, de vigiar e punir, sobre a sociedade francesa conservadora social e politicamente do meado do século XIX), como é muito pretensioso e arrogante que ele se considere a "religião-científica mais evoluída", portanto, "superior", a todas as outras concepções religiosas que vieram antes dele e que existem paralelamente a ele. Isto nada tem de científico. É uma atitude ideológica colonial burguesa tipicamente francesa do século XIX e não é possível aceitá-la sem duros questionamentos em pleno século XXI, mesmo como mera manifestação religiosa que o kardecismo é (em nada superior a outras religiosidades indígenas mundo afora, nem às antigas tradições religiosas do velho mundo).

Argumentar com base em princípios estabelecidos dogmaticamente, em um corpo doutrinário estabelecido no século XIX é ser um religioso fundamentalista como um muçulmano, cristão ou judeu ao fazer o mesmo com base em seus escritos sagrados vistos ao pé da letra (no caso, os escritos sagrados em questão, para o kardecismo, são os livros de Allan Kardec). Aliás, o judaísmo passou, durante os milênios de sua existência, por ondas de reinterpretações registradas, por exemplo, no Talmud; assim como o cristianismo que dele surgiu; mas o kardecismo continua apegado dogmaticamente a suas verdades inquestionáveis e a seu doutrinarismo travestido de religião científica. Neste sentido, em pleno século XXI, o kardecismo dogmático e doutrinário que o Brasil difunde para o mundo (dizem algumas fontes que o Brasil é o maior país kardecista do mundo e que há mais kardecistas no Brasil do que na França, de onde ele é originado), é sim um retrocesso ideológico tão nocivo para a sociedade quanto para a ciência.

É uma ideologia autoritária que foi muito ao agrado da ditadura militar, assim como toda uma constelação de ideologias religiosas conservadoras social e politicamente. Não por acaso havia muitos militares ditadores que eram kardecistas e muitos dos políticos que integravam o partido de sustentação da ditadura militar, a ARENA, e das classes dominantes brasileiras truculentas e egressas de séculos de escravismo (aliás, na visão kardecista, a religiosidade africana é considerada como "baixo espiritismo" contrapondo-se ao suposto "alto espiritismo" representado no kardecismo; nada mais preconceituoso e anti científico e anti ético do que isto) também o eram.



III



Se o kardecismo se pretende mesmo ciência, é necessário que seus seguidores abandonem este espírito arrogante, doutrinador e dogmático, que não aceita questionamentos sem desqualificar os interlocutores que o fazem. Típico de qualquer fundamentalismo religioso.

Por exemplo, questiono duramente o kardecismo sim (e por que o kardecismo não poderia ser questionado?) porque o conheço, desde o seu corpo doutrinário escrito. Ninguém poderá me dizer que não li a doutrina espírita, porque o fiz sim, desde pelo menos meus 16 anos de idade, quando comprei os livros que ainda tenho em minha biblioteca (e volta e meia os releio analiticamente). Portanto, tenho sim todos os livros do Allan Kardec e muitos dos ditos livros psicografados ou doutrinários posteriores a Kardec da Federação Espírita Brasileira, porque fui kardecista desde os quinze anos e frequentei sim a Federação Espírita, que fica na L2 Norte, em Brasília (ali também aprendi esperanto, uma língua que, no Brasil, é controlada por espíritas kardecistas embora ela mesma não seja uma língua inventada por espíritas kardecistas, mas por um judeu polonês). Desde então venho acompanhando a história do kardecismo dentro da sociedade europeia e no Brasil, mas com olhos diferentes do crente ingênuo que lê os livros kardecistas como escritos sagrados (comecei assim, com quinze anos, mas logo fui me desprendendo deste tipo de leitura porque já achava muito difícil aceitar por aceitar, sem nenhum questionamento), porque minhas leituras sobre o kardecismo, principalmente depois que comecei a estudar no bacharelado em ciências sociais, na UFPB, em 1980 e no então campus II de Campina Grande, para onde me mudei, foram feitas a partir de critérios filosóficos e científicos, fundamentados em muitos dos próprios autores que os livros de Kardec citam de passagem, que me ajudavam a analisar, crítica e concretamente, os textos dos livros do Kardec, problematizando-os e confrontado-os com outros textos e fontes, até fazer uma investigação científica sobre o kardecismo e a sua organização social e sua influência ideológica na sociedade brasileira, porque o kardecismo pode sim ser estudado como objeto de estudos científicos (como qualquer religião) das diversas ciências sociais (mas não com o mesmo instrumental teórico que o kardecismo utiliza e sim com o repertório conceitual das ciências sociais, tais como a sociologia e a antropologia, ou história).

O kardecismo e os kardecistas, que tanto falam em humildade, mas tão pouco a praticam, não têm, nas ações sociais concretas, uma atitude humilde face aos demais integrantes da mesma sociedade à qual pertence, de modo algum. Tendem a se ancorar em sua atitude dogmática (arrogante) e categórica (baseadas na autoridade do Kardec e na suposta revelação que veio por seu intermédio) e a não aceitar qualquer mínima crítica à sua doutrina como provinda de sujeitos não-humildes (cego, tira a própria trave que obscurece seu olho, antes de ver o cisco no olho alheio...). Aliás, o kardecismo, como tudo o que é humano, tem muito que prestar contas para a história sobre o apoio passivo ou ativo que sempre deu a ideologias colonizadoras, arrogantes, autoritárias, opressoras e dogmáticas que atrapalham sim, tanto a liberdade de pensamento necessária, em uma democracia, quanto ao exercício científico legítimo da pesquisa livre de amarras dogmáticas.

A atitude kardecista, além de nada científica, é uma atitude de dominação ideológica e política, que serve muito bem a uma sociedade autoritária, centralizadora, dogmática e profundamente racista e eurocêntrica, egressa do escravismo, como a nossa (não por acaso ele foi tão ardentemente abraçado por parcelas da classe média conservadora brasileira, supostamente "esclarecida", termo muito usado no jargão kardecista para se auto referir a si mesmo). Não contribui para a construção da tolerância e do respeito tanto às demais crenças religiosas (sem o proselitismo doutrinário de se pensar a mais "evoluída" concepção religiosa; portanto, vendo todas as outras manifestações religiosas como "inferiores" - nada mais arrogante e menos humilde do que isto, contradição ética que salta aos olhos no comportamento kardecista, observado de membros de centros espíritas) quanto da liberdade de pensamento (todo aquele que ouse pensar diferente ou discordar dos dogmas do kardecismo é tachado sumariamente de "cético" ou "orgulhoso", palavras que no vocabulário espírita kardecista são sinônimas).

Não há a menor disposição, por parte do kardecismo, de diálogo respeitoso para com os críticos, fornecendo-lhes a ponte humana de contato comum, e necessária à condição de seres humanos mortais, como quaisquer outros, plenos de dúvidas e fragilidades também que os kardecistas também seriam (porque eles têm a mesma atitude dos fundamentalistas protestantes que estão por demais impregnados de suas verdades exclusivas que os tornam "salvos" diante dos que "não são salvos"). Ou seja, são incapazes de fazer um gesto ecumênico concreto, no diálogo inter religioso, de abertura sincera para o outro, porque se consideram os únicos portadores da "verdade mais evoluída" (o que, automaticamente, desmerece todos os demais, como supostamente "inferiores" e "menos evoluídos" na doutrina; no caso, a correta doutrina é a do kardecismo, porque fruto de uma "terceira revelação" à humanidade; coisa completamente estranha ao pensamento científico moderno). Não há agressão pior, para o diálogo respeitoso e democrático, que aceita o pluralismo de crenças, posturas, ideias e concepções de mundo, do que esta arrogância doutrinadora dos kardecistas.

Além disso, o kardecismo, como ideologia social e política, tem sim muito o que prestar contas por seu silêncio cúmplice contra os direitos humanos, tanto na história de França, quanto em nossa história brasileira, por exemplo, durante a ditadura militar, quando muitos militares ditadores (inclusive torturadores) eram seguidores do kardecismo. Lembro-me muito bem, por exemplo, que, em 1975, quando eu tinha 15 anos, os kardecistas da Federação Espírita Brasileira consideravam seus adeptos integrantes do partido ARENA e os militares de altas patentes, como um general que foi professor da UnB (colunista do jornal Correio Braziliense, em que escrevia seus artigos autoritários e humilhadores não só de todos os que não rezavam pela sua cartilha kardecista, mas das ideias de esquerda, que ele tratava como o demônio do materialismo comunista e subversivo), como prova de que o kardecismo era um agrupamento superior de "iluminados" e pessoas "esclarecidas" (parte do jargão cotidiano do vocabulário kardecista). Não por acaso, a Rede Golpe de televisão também era mostrada como prova de que os inúmeros artistas kardecistas das novelonas eram uma evidência de que esta era uma religião superior, "evoluída e esclarecida" (enquanto estavam comendo soltos a dura repressão e crimes contra os direitos humanos, tanto na dura repressão aos combatentes de esquerda da ditadura militar, como no genocídio de povos indígenas inteiros; considerados pelos positivistas e kardecistas, ideologia militarista brasileira bem típica, como "povos em escala de evolução inferior").

Mas este é um tema que posso detalhar melhor em outras análises sociológicas e antropológicas, na historiografia das ideologias e mentalidades da sociedade brasileira no pós 1964 (não por acaso, a maioria do eleitorado kardecista apoiou Aécio Neves em 2014). Podem ser incluídos no mesmo lado ideológico, sim, de fundamentalistas como Eduardo Cunha, um moralista sem moral, como muitos dos kardecistas seres humanos bem concretos nada idealizados. Portanto, as ciências sociais estão mais interessadas em investigar o mundo e a sociedade dos espíritos encarnados do que o mundo dos espíritos (porque isto é objeto de estudo de teologias, não da ciência propriamente dita e mesmo assim de teologias mais esotéricas do que humanistas). E o kardecismo, na radiografia sociológica que lhe fazem os sociólogos, não passa de uma religião muito conservadora e fundamentalista que se pretende ser o que realmente não é: uma ciência (só se for as chamadas "ciências ocultas"; ou seja, as pseudo ciências pré científicas; que servem ainda hoje para movimentar uma poderosa indústria esotérica, com livros e atividades econômicas e sociais diversas, altamente lucrativas para quem vende livros espíritas, bem caros, ou para quem se auto promove à custa de uma suposta caridade; não por acaso eles são contra o Estado de Bem Estar Social e o socialismo, porque a doutrina espírita estabelece como tábua da salvação individualista a caridade institucional dos centros espíritas).

Antes de finalizar, quero lembrar a um fundamentalista kardecista acostumado à doutrinação e a desqualificar quem possa ousar fazer qualquer crítica ao seu corpo doutrinário dogmático que, na internet, os erros de digitação e de gramática são aceitáveis, porque as pessoas escrevem sem fazer a revisão, já que o mais importante é o conteúdo das comunicações (portanto, a crítica apressada a estes erros só revela a incompreensão arrogante de quem as faz). Sou professor e lido bastante com as questões relativas ao uso da língua portuguesa, em vários de seus aspectos, tanto os aspectos orais, dialetais e escritos, quanto em seus aspectos lógicos e sua observação sobre este elemento só prova o quanto você é um preconceituoso kardecista que se julga melhor e superior do que os outros (o que só comprova que os kardecistas têm sim uma atitude dogmática, arrogante e autoritária e não sabem conviver pacificamente, sem desqualificar, com o contraditório e com as divergências; atitudes estas completamente anti científicas e anti éticas; falam muito de humildade, mas muito pouco praticam uma atitude humilde, isto é bem facilmente dimensionável por qualquer pesquisa sociológica e antropológica de observação participante; afinal, não é difícil convivermos com kardecistas na sociedade).


Alberto Nasiasene


Jaguariúna, 13 de maio de 2017


Aniversário da Lei Áurea que foi a abolição da escravidão que querem revogar agora depois do golpe de 2016 (o que os kardecistas têm a dizer sobre isto?).


PS. Cito aqui o site que fala da face racista de Kardec que o kardecismo não gosta de encarar de modo ético e científico:


Hippolyte Léon Denizard Rivail (Lyon, 1804 – 1869) foi um educador, escritor e tradutor francês. Nascido numa antiga família católica com tradição na magistratura e na advocacia, desde cedo manifestou propensão para o estudo das ciências e da filosofia. O pseudônimo de Allan Kardec o notabilizou como codificador do Espiritismo (neologismo por ele criado) também denominado de Doutrina Espírita, além de ser o próprio fundador da seita. http://www.universoracionalista.org/a-face-racista-de-allan-kardec/


Há também, aqui nesta história, o elemento formador da família dele que vem da tradição do direito que se pensa a si mesmo como ciência baseada em palavreado e em evidências retóricas. Ou seja, a atitude doutrinária do kardecismo muito deve ao modo em que o direito era concebido na França na primeira metade do século XIX e que Michel Foucault tão bem analisou em suas diversas obras. Os seguintes trechos são muito reveladores do que foi afirmado acima, na postagem:


Kardec, como parte de sua trajetória, realizou diversas investigações, na tentativa de estabelecer uma comunicação com os espíritos. O que seus seguidores não contam é que a teologia espírita em Kardec é extremamente racista e xenofóbica. Segundo o autor, a raça Adâmica (se referindo ao personagem bíblico) é uma raça superior por ser o tronco da raça caucasiana (brancos).


Allan Kardec, embasado na frenologia (craniologia), considerada hoje como pseudociência, fundada pelo médico alemão Franz Joseph Gall (1758-1828), segundo o qual as formas anatômicas do crânio humanos teriam relação com o caráter, personalidade, moralidade e com a espiritualidade. Ele foi membro ativo por vários anos da Sociedade Frenológica de Paris. Kardec assume que o aspecto físico, morfológico e biotípico do negro expressa inferioridade intelecto-moral em comparação com a raça caucasiana. De acordo com ele, a raça branca seria mais evoluída espiritualmente, conforme vemos nos trechos da sua obra:


“Os negros, pois, como organização física, serão sempre os mesmos; como Espíritos, sem dúvida, são uma raça inferior, quer dizer, primitiva; são verdadeiras crianças às quais pode-se ensinar muita coisa.”


“Sob o mesmo envoltório, quer dizer, com os mesmos instrumentos de manifestação do pensamento, as raças não são perfectíveis senão em limites estreitos, pelas razões que desenvolvemos. Eis por que a raça negra, enquanto raça negra, corporeamente falando, jamais alcançará o nível das raças caucásicas; mas, enquanto Espíritos, é outra coisa; ela pode se tornar, e se tornará, o que somos; somente ser-lhe-á preciso tempo e melhores instrumentos. Eis porque as raças selvagens, mesmo em contato com a civilização, permanecem sempre selvagens; mas, à medida que as raças civilizadas se ampliam, as raças selvagens diminuem, até que desapareçam completamente, como desapareceram as raças dos Caraíbas, dos Guanches, e outras. Os corpos desapareceram, mas em se tornaram os Espíritos? Mais de um, talvez, esteja entre nós.”


“São seres tão brutos, tão pouco inteligentes, que seria trabalho perdido procurar instruí-los; é uma raça inferior, incorrigível e profundamente incapaz.”


“Mas, então, porque nós, civilizados, esclarecidos, nascemos na Europa antes que na Oceania? Em corpos brancos antes que em corpos negros? Por que um ponto de partida tão diferente, se não se progride senão como Espírito? Por que Deus nos isentou do longo caminho que o selvagem deve percorrer? Nossas almas seriam de uma outra natureza que a sua? Por que, então, procurar fazê-lo cristão? Se o fazeis cristão, é que o olhais como vosso igual diante de Deus; se é vosso igual diante de Deus, porque Deus vos concede privilégios? Agiríeis inutilmente, não chegaríeis a nenhuma solução senão admitindo, para nós um progresso anterior, para o selvagem um progresso ulterior; se a alma do selvagem deve progredir ulteriormente, é que ela nos alcançará; se progredimos anteriormente, é que fomos selvagens, porque, se o ponto de partida for diferente, não há mais justiça, e se Deus não é justo, não é Deus. Eis, pois, forçosamente, duas existências extremas: a do selvagem e a do homem mais civilizado.”


“O que é excepcional nos povos avançados, é a regra em certas raças. Por que isto? É um injusta preferência? Não, é a sabedoria. A natureza é sempre previdente; nada faz de inútil; ora, seria uma coisa inútil dar um instrumento completo a quem não tem meios de se servir dele. Os Espíritos selvagens são Espíritos de crianças, podendo assim se exprimir; entre eles, muitas faculdades ainda estão latentes. Que faria, pois, o Espírito de um Hotentote no corpo de um Arago? Seria como aquele que não sabe a música diante de um excelente piano. Por um razão inversa, que faria o Espírito de Arago no corpo de um Hotentote? Seria como Liszt diante de um piano que não teria senão algumas más cordas falsas, às quais seu talento jamais chegaria a dar sons harmoniosos.”


Fontes: Allan Kardec, “Perfectibilidade da raça negra” Revue Spirite, Abril de 1862.Allan Kardec, Teoria da Beleza, in Obras Póstumas, p.131.


PS II em 19 de maio de 2017:


Assim seja... Ou amém, pouco importa...

Se este site passar a ser local de proselitismo religioso, é bom então abrir espaço para todas as crenças existentes na sociedade brasileira. Não esquecer também dos ateus. Crer por crer, é só uma questão de fé e de religião e o Brasil tem coisas mais urgentes em sua agenda do que bates bocas religiosos para divulgação proselitistas de catecismos religiosos (mesmo que seja o catecismo positivista do Comte).


Só não pode continuar distorcendo as teorias de Jung para que elas se encaixem no kardecismo, porque, assim, qualquer distorção religiosa será válida para provar suas crenças (é o que o fundamentalismo faz com a escatologia constantemente, distorce os fatos históricos para que eles se encaixem nas supostas profecias sobre os fins dos tempos; ou seja, de acordo com este autor que defende o proselitismo de sua religião, a "prova retórica"; ou seja, sofisma, serve para qualquer coisa que se queira provar).


Conheci um kardecista que argumentava comigo que a expressão "faz sentido" era prova de alguma coisa. Disse-lhe que as mentiras "fazem sentido" (se encaixam na narrativa) mas não são verdadeiras. Bem sabia a propaganda nazista, como qualquer propaganda política de direita. Fazer sentido, entretanto, não é critério da verdade porque a verdade não é só questão de palavras e de discursos. É algo mais, que está além das expressões idiomáticas (que são apenas representações sobre a realidade, representações bem limitadas, mas não a realidade em si mesma).


Se querem citar Jung, com seu conceito de inconsciente coletivo, que está mais para o platonismo do que para o kardecismo, então que se mostre toda a obra deste autor, que não pode ser usada para a validação do kardecismo, já que Jung também estudava o budismo tibetano com seriedade e o hinduísmo, além do catolicismo, sendo ele filho de pastor protestante calvinista suíço. Além disso, não se pode citar Jung sem mostrar a relação indissociável que ele tinha para com Freud e a psicanálise.


E não vale aqui usar o jargão kardecista aborrecido de que são "céticos", "incrédulos" etc. Isto só é válido nos sites kardecistas e religiosos. Aqui é um espaço secularizado e não local apropriado para discussões religiosas, infrutíferas e sem fim, típicas de doutrinários dogmáticos que só querem demonstrar que estão certos e ganharem, supostamente, a discussão. Na ciência contemporânea não há tal possibilidade. A verdade sempre é parcial e provisória, porque o objeto de estudos é infinitamente maior do que o entendimento humano jamais poderá conceber (e isto não é um dogma religioso, é só a constatação realista de que o universo onde vivemos é infinito).


Cansativo esta tentativa de conversão de todos ao espiritismo kardecista.


Tenho mais o que fazer de minha vida.



PS III em 22 de maio de 2017:


Seis e meia dúzia são a mesma coisa

O kardecismo é uma doutrina religiosa, dogmática e não tem um mínimo de disposição para o diálogo inter religioso respeitoso como as demais doutrinas religiosas. Pior ainda, esta atitude dogmática e doutrinária nada tem em comum com os princípios da ciência.


Para quem acredita em prova retórica, a prova está na sua afirmação. Afinal, como nos sofismas, se a questão é só acreditar no que se fala, mesmo que sem base alguma na realidade concreta e material, porque se contentam apenas com a semântica discursiva de suas próprias frases; uma mentira bem contada, desde que repetida à exaustão, para um kardecista que advoga que existam provas retóricas, passa a ser verdade irrefutável (como nas discussões infindáveis de adolescentes).


Falta humildade para os kardecistas se reconhecerem como mais um grupo religioso como outro qualquer, como a sua religião sendo igual a outras religiões (e não uma fase supostamente superior) e para admitir conviver pacificamente com as necessárias críticas e auto críticas (aliás, o kardecismo não admite sequer a saudável auto crítica que as demais tradições doutrinárias admitem, exatamente porque é um sistema religioso dogmático que nada tem de científico mas tenta usar uma linguagem pseudo científica como a teologia católica medieval tentou usar a filosofia de Aristóteles para dar credibilidade a interpretações doutrinárias históricas da Igreja Católica).


Ora, todas as grandes tradições religiosas fizeram e fazem sua própria auto crítica, por que o kardecismo não o faz? Portanto, nem a ciência, nem a religião admitem, em pleno século XXI, esta postura dogmática e fundamentalista, a não ser em grupos sectários fundamentalistas que se julgam portadores da única verdade mais verdadeira do que os outros (com este espírito, é impossível um diálogo respeitoso com o outro).


Concordo pelo menos com uma coisa de sua tentativa de explicação, o kardecismo tem como característica o doutrinarismo e, por doutrinar significam impor suas concepções dogmáticas de modo autoritário para os outros. Mas e necessário discutir também, uma a uma, todas as afirmações teológicas destes espíritos que ditaram a doutrina, como quem revela um novo Testamento ou livro sagrado. Afinal, por que será que as concepções de mundo destes espíritos são tão parecidas com as da sociedade francesa de meados do século XIX?


Jung e outros cientístas sociais diriam que é porque o kardecismo é a projeção e sacralização da ideologia burguesa colonialista, de camadas de classe média da França oitocentista, num suposto mundo liberal de espíritos eurocêntricos e evolucionistas, nos arquètipos do inconsciente coletivo europeu dos meados do século XIX, e neste ponto de nada vale dizer que outras tradições religiosas, como o hinduísmo e o budismo, acreditam também na reencarnação (umas das pedras filosofais da doutrina kardecista), porque nestas tradições religiosas orientais um ser humano pode sim se reencarnar em uma vaca, em outra vida (porque o hinduísmo e o budismo não são religiões burguesas surgidas na Europa do século XIX e não há nestas doutrinas religiosas esta escala evolucionista eurocêntrica que o kardecismo pré científico advoga).


Portanto, mais do que provar que espíritos existem ou não, que se comunicam ou não, é necessário também encarar o conteúdo do que dizem de modo crítico. Estranho é que este ideário doutrinário, visto ao modo fundamentalista, tido como verdades inquestionáveis, ainda se reencarne no Brasil em pleno século XXI (mas é perfeitamente explicável e analisável por meio das ciências sociais, quando se estuda a organização social kardecista estruturada e reproduzida na sociedade maior brasileira desde o final do século XIX).


Afinal, o que têm os espíritos a dizer sobre o golpe de Estado de 2016, já que a maioria dos kardecistas deu apoio ao golpe? O que defendem estes espíritos, como programa para a sociedade brasileira, o de Estado mínimo e mercado máximo? No caso, o Estado mínimo seria controlado pelos centros espíritas e governado através de consultas aos médiuns (no caso da Nicarágua pós sandinista, a viúva que se tornou presidente consultava sim o espírito do marido para governar)? Afinal, há uma enorme pauta de temáticas a serem discutidas que estão aí esperando o debate sério, mas, no caso, por favor, não adianta usar argumentos congelados em livros doutrinários escritos no século XIX.



PS IV em 23 de maio de 2017

Não há palavras finais a não ser em doutrinarismo dogmáticos

Este site, pelo menos até agora, não é um portal religioso onde se faz proselitismo desta ou daquela religião. É um local secularizado, ou seja, não religioso por natureza (a não ser que perca esta condição, neste caso, o público secularizado que não está interessando em entabular polêmicas religiosas se afastará). Esta comunidade de leitores e comentaristas segue o blog do Nassif por conta da acurada capacidade de análise socioeconômica dele e não por causa de convicções religiosas que ele defende (se defende, o que é um direito dele, não o faz de modo a criar um clima de animosidade e de proselitismo religioso em favor desta ou daquele religião ou interpretação religiosa).


É um site bem tolerante e democrático, mas dentro de um parâmetro secularizado de respeito à diversidade de pensamento. Portanto, os leitores habituais deste blog irão sempre estranhar sim dogmatismos religiosos e discussões estéreis. Afinal, o olhar predominante dos que leem este blog é para as questões deste mundo sim, afinal, a maioria tem um preocupação legítima com a análise científica das questões do contexto econômico, social e político e não está interessada em desvendar mistérios espirituais. Se estivéssemos em busca de cartilhas religiosas, este não seria o local adequado. Há muitos sites espíritas, budistas, hinduístas, judaicos, católicos, evangélicos, islâmicos etc.


Não somos contra a liberdade de crenças e de religião. Mas a maioria de nós é contra sim o proselitismo religioso que se disfarça de linguagem científica. Não há nada de mais anti ético do que distorcer teorias, fatos e metodologias só para defender uma causa, seja ela secularizada ou religiosa. Do mesmo modo que se fala em jornalismo honesto com os fatos (por mais complexo que seja o entendimento sobre o que vem a ser fato social, econômico e político), é necessário também defender a honestidade de argumentação humanista que repudie claramente os sofismas gratuitos de gente que está por demais impregnada de sua verdades incontestáveis e sequer consegue perceber os parâmetros estreitos de seu pensamento (que são dogmáticos exatamente por isto mesmo, porque não se reconhecem a si mesmos dentro destes estreitos parâmetros e porque não aceitam que se questione estes parâmetros sem atribuir ao outro a condição de "descrentes" que não tem "conhecimento").


Mas, em se tratando de um pensamento minimamente secularizado, humanista, não se pode aceitar o relativismo total de que basta afirmar tal ou qual coisa (como no suposto conceito de "prova retórica") para que ela seja uma verdade. Pior ainda, acrescentando-se a estas frases o critério da autoridade ou da revelação. Isto é um retrocesso social, político e cultural que não aceitamos mais passivamente desde pelo menos o Iluminismo, por mais limitado, racionalista, eurocêntrico e ingênuo quanto ao progresso que os pensadores iluministas possam ter sido. Desde o começo da era Moderna, pós Idade Média, o pensamento escolástico integrista, baseado supostamente na lógica aristotélica, foi duramente questionado e o pensamento inquiridor propriamente científico a respeito do mundo, do ser humano e do universo se viu livre de amarras dogmáticas do pensamento teológico sistemático (seja ele católico, protestante, judaico, islâmico, budista, hinduísta ou kardecista).


É muito obscurantista, no sentido de ser muito preconceituoso, classificar os ateus como seres inferiores que não merecem respeito à sua dignidade humana e ao seu direito livre de não crer nesta ou naquela doutrina religiosa. A observação sociológica e antropológica revela que há diversas maneiras de viver valores que não precisam necessariamente estar ligados a esta ou aquela doutrina ou sistema religioso. Por outro lado, o bom senso, no cotidiano, está pleno de lembranças de que muitas vezes são ateus as pessoas mais éticas, generosas, desprendidas materialmente do que muitos dos que se dizem religiosos e acreditam que "fora da caridade não há salvação" (eu pessoalmente conheci muitos comunistas, ateus, muito mais generosos e éticos como seres humanos, desprendidos das coisas materiais e das posses, do que muitos dos kardecistas com os quais convivi ao longo de minhas seis décadas de vida).


O espiritismo não é refúgio de quem tem espírito inquieto e questionador, típico da ciência, seja ela qual for, como diz um comentarista kardecista. Ao contrário, o espiritismo kardecista é não só um amortecedor, bem estruturado, da indagação livre e questionadora, mas um abrigo muito fácil para quem quer se isentar de pensar reflexivamente, constantemente, e prefere o conforto das certezas pensadas por outros, especialmente se estão escritas em livros escritos há mais de cem anos atrás (ficam com a desculpa de que estão diante de uma verdade provada de uma vez por todas, em um sistema dogmático que chamam de doutrina). Manter a mente aberta significa não aceitar que a maneira de pensar, de crer, de raciocinar, de viver, finalmente, seja moldada por doutrinas sectárias, baseadas unicamente na fé e nas crenças de quem difunde e sustenta tais doutrinas religiosas. Ninguém pode rotular os outros gratuitamente só porque não se adere à sua doutrina. Isto é intolerância e falta de traquejo democrático de convivência com a diferença. Ninguém é menos ou mais, inferior ou superior, só porque pensa diferente e o kardecismo está sim baseado em uma escala de valores classificatória que define as outras crenças pela menor ou maior proximidade com si mesmo, tendo-se como a mais elevada revelação dos espíritos à humanidade. Portanto, nada mais discricionário, arrogante e pouco humanista do que este espírito doutrinador, consciente ou inconsciente.


Na democracia e na ciência, não existem palavras finais. Muito menos alguém ou um sistema, ou escola, que possa se arvorar em ter o monopólio do conhecimento, da verdade, da doutrina, da maneira humana correta de viver. Ninguém tem este poder de classificar povos como Inferiores ou superiores, crenças como primitivas ou civilizadas... A não ser os velhos e pretensos modos eurocêntricos coloniais tão archaicos que ainda teimam em colonizar mentes e doutrinar incautos.

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