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A geografia existencial paraibana que existe em mim


Serra do Mar pela estrada velha de Santos. 8 de dezembro de 2004. Foto: Alberto Nasiasene


Quero falar agora, mudando de assunto (porque nos posts anteriores só falei de Vladimir Carvalho e de assuntos políticos estrito senso), da geografia existencial de minha vida, já que vivo dizendo que sou um paraibano, criado em Brasília, que está em São Paulo. Sempre tive necessidade de demonstrar para meus amigos brasilienses ou paulistas que a imagem (ou estereótipo) que eles têm de Nordeste é uma imagem muito distorcida por várias razões, entre elas porque o Nordeste é muito grande e muito populoso. Ou seja, são 9 estados, cada um deles com características bem particulares. Da mesma forma que ninguém pensa em dizer que todos os que nascem na região onde vivemos (constituída de 4 estados) sejam "sudestinos," que seria uma região homogênea (imaginando que todos os supostos "sudestinos" sejam muito parecidos uns com os outros, não havendo muitas diferenças entre um carioca, um paulista e um mineiro); é claro que é também muito incorreto pensar que o Nordeste, uma região maior do que o Sudeste em tamanho e em quantidade de estados seja uma realidade muito homogênea.

Serra do Mar pela estrada velha de Santos. 8 de dezembro de 2004. O turista gringo, caçador de borboletas é o marido da Mirza. Foto: Alberto Nasiasene


Confundir um paraibano com um baiano é uma ofensa para os paraibanos. Seria o mesmo que dizer que um paulista é igual a um carioca (pensando que falam do mesmo jeito, comem o mesmo tipo de comida e têm os mesmos hábitos). Portanto, preciso dizer que não sou baiano, mas paraibano, nascido na Zona da Mata paraibana. Isto me diferencia tanto dos baianos do Recôncavo e de Salvador, quanto dos baianos do sertão do Cocorobó (cenário de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha) e dos paraibanos do sertão do Rio do Peixe (onde acontece O País de São Saruê, de Vladimir Carvalho, seu primeiro longa, filmado na segunda metade dos anos 1969). Não sou sertanejo, nem vivi minha primeira infância em meio às secas (muito menos abandonei minha terra natal como um retirante, como vemos em Vidas Secas, o livro, de Graciliano Ramos, filmado por Nelson Pereira dos Santos). Minha história é bem outra e é dela que quero voltar a falar aqui neste post.

Serra do Mar pela estrada velha de Santos. 8 de dezembro de 2004. Foto: Alberto Nasiasene


Quero começar dizendo que a micro-região específica do Brejo, onde eu nasci, dentro da meso-região maior do Agresteparaibano, distingue-se da região circundante por causa da maior umidade (não por acaso, portanto, é chamada de Brejo). Esta umidade da micro-região do Brejo é maior do que a meso-região do Agreste, que, por sua vez é também constituída de árvores de Mata Atlântica, mas com árvores de folhas caducas (ou seja, árvores que, na estação da estiagem na primavera-verão, caem e somente voltam a se cobrirem de folhas verdes quando chega o outono-inverno). Na micro-região do Brejo, as árvores da Mata Atlântica são como na região de João Pessoa (ou como na da Mata Atlântica da Serra do Mar paulista), porque são constituídas de folhas perenes (ou seja, durante todo o ano a mata permanece verde, porque as árvores não se despem de suas folhas na estação da estiagem). Isto ocorre porque há a canalização dos ventos úmidos do Oceano Atlântico para uma região em que os contra-fortes locais da Serra da Borborema recebem estes ventos mais úmidos, provocando a precipitação de uma maior quantidade de chuvas (porque os ventos úmidos, canalizados, são forçados a subir as serras e, neste processo, ocorre a condensação da umidade do ar em forma de chuvas mais abundantes e mais freqüentes).

Serra do Mar pela estrada velha de Santos. 8 de dezembro de 2004. Foto: Alberto Nasiasene



É por isto que esta micro-região do Brejo paraibano está sempre verde e úmida e, portanto, esta foi uma região escolhida para o plantio da cana de açúcar, em grandes quantidades, e estabelecimento de engenhos e usinas de açúcar. Portanto, mesmo estando mais adentro do estado paraibano, é também área econômica dominada pela economia açucareira desde a época da escravidão. Entretanto, seu desenvolvimento, por estar mais afastada do litoral, foi mais tardio do que a região limítrofe de João Pessoa (que começou a ser colonizada oficialmente depois de 1585, depois da conquista das terras aos índios tabajaras, da grande família tupi-guarani, como sabemos; enquanto que o Brejo só começa a se desenvolver mais, aos poucos, especialmente a partir do século XVIII).

Serra do Mar pela estrada velha de Santos. 8 de dezembro de 2004. Foto: Alberto Nasiasene


Como o Brejo paraibano está também situado em meio à meso-região maior do Agreste, as terras dos municípios locais também tinham as vantagens agropecuárias das áreas municipais que adentravam também a região menos úmida do Brejo, ou seja, o Agreste, de cobertura vegetal também de Mata Atlântica, mas com árvores de folhas caducas (ou seja, que caem na estação da estiagem e digo aqui, propositadamente, estação da estiagem para diferenciar da seca que acontece no sertão da Paraíba, porque a estiagem é característica do clima tropical, dividido basicamente em duas estações, a que chove e a que não-chove). Nesta meso-região do Agreste (e é bom tomar cuidado com esta palavra, porque ela não quer dizer necessariamente um lugar seco, mas lugar rude, rústico) menos chuvosa, mas ainda de Mata Atlântica, certos cultivos agrícolas, como o algodão, ou produção de alimentos, tais como milho e feijão, eram mais eficazes e a criação de gado mais adequada do que a plantação de cana em grande escala (porque a cana exige terras férteis e maior quantidade de água). Isto quer dizer que todos os municípios do Brejo paraibano têm também áreas que extrapolam as terras mais úmidas do Brejo propriamente dito. Tanto Areia (cidade mais antiga da região), quanto Alagoa Grande, onde nasci, tem áreas municipais pertencentes a terras da meso-região do Agreste propriamente dito (onde são, como vimos, mais comuns fazendas de gado e outros cultivos que não sejam a cana de açúcar, como o algodão, o milho, feijão etc.).

Serra do Mar pela estrada velha de Santos. 8 de dezembro de 2004. Foto: Alberto Nasiasene


A família materna de minha mãe, os Araújo-Guerra, era de donos de engenho e fazendas de gado no município. O avô de minha mãe, o "papai Guerra", como era chamado pela família, possuía, em Alagoa Grande, dois engenhos e uma fazenda de gado que legou aos filhos mais velhos (este avô de minha mãe, portanto, meu bisavô, era filho de português originado da cidade do Porto, segundo minha avó materna me dizia, quando eu era estudante de ciências sociais da UFPB, em Campina Grande, no início dos anos 1980; embora minha mãe ainda pense que ele era originado de Lisboa, porque, na verdade, ele se casou em Lisboa, mas não era de Lisboa não; foi de lá que ele saiu para o Brasil, com o filho do primeiro casamento, tio português de minha avó Francisca Guerra de Medeiros, que nasceu em Coimbra e veio com o pai, já viúvo, para o Recife, de onde migrou para a cidade de Itabaiana, na divisa da Paraíba com Pernambuco, casando-se com a avó de minha avó, em segundo matrimônio, portanto minha tataravó, que era dona de três engenhos, com muitos escravos, no século XIX).

Serra do Mar pela estrada velha de Santos. 8 de dezembro de 2004. Foto: Alberto Nasiasene


Este meu avô, o "papai Guerra", segundo se dizia na família, mudou-se para Alagoa Grande, por causa do namoro de minha avó com um sujeito tido como "pobre" por ele, o meu avô João Ignácio Cavalcanti de Medeiros (que não tinha terras, só estudo e algumas propriedades comerciais, em sociedade com outros; dizem que ele era poeta e músico, sabendo tocar vários instrumentos, entre eles o saxofone também). O pai de minha avó materna ficou muito aborrecido com o namoro indesejado de minha avó e decidiu-se por vender os três engenhos de Itabaiana e comprou os engenhos e a fazenda de gado em Alagoa Grande, para onde mudou levando minha avó e os outros filhos. Portanto, no fundo, a família de minha mãe não é originada de Alagoa Grande e somente chegou por lá no início do século XX. Até que ponto esta trama de história familiar, em sua estrutura e em seus detalhes, é historicamente verdadeira, não sei, porque precisaria de uma investigação historiográfica mais objetiva que, pelo menos no momento, não posso fazer (talvez um dia poderei fazer, pesquisando mais concretamente em cartórios e arquivos da Paraíba). Em todo caso, é um enredo familiar, psicologicamente verdadeiro (enquanto elemento psicológico estruturante de minha socialização), com o qual fui, aos poucos, direta e indiretamente, convivendo, na medida em que crescia (e, portanto, isto faz parte de minha cultura, em sentido antropológico, familiar).

Serra do Mar pela estrada velha de Santos. 8 de dezembro de 2004. Mirza fotografando uma preguiça. Foto: Alberto Nasiasene


A atual casa paroquial (que fica ao lado da matriz centenária de Alagoa Grande) foi doada por ele à Igreja, antes dele morrer, em testamento (como se fazia em todo o território nacional, inclusive aqui em Campinas, SP, para que se garantisse um lugar ao céu, abreviando-se as penas do purgatório). Tenho uma vaga idéia desta casa, em minha infância, já morando em Brasília, porque, quando fui passar férias de verão, com meus pais, em 1966, com seis anos, fomos fazer uma visita às tias, solteiras e já velhinhas, de minha mãe que ainda moravam nesta casa, tipo uma chacrinha urbana, com amplo pomar. Estas minhas tias avós nasceram todas no final do século XIX (minha própria avó materna era do século XIX, nascida em 1899; assim como meu avô materno, gerente dos correios da cidade e um dos donos de uma livraria e tipografia em Alagoa Grande, na época da política oligárquica; o mesmo correio que fica no prédio art deco, que ainda existe hoje no centro da cidade, um dos prédios maiores do centro de Alagoa Grande; mas nunca o conheci, porque morreu de infarto quando minha mãe tinha somente 6 meses de idade).

A atual casa paroquial em Alagoa Grande, que foi originalmente uma chacrinha urbana, com

amplo pomar e pertenceu aos meus bisavós maternos, os Araújo-Guerra, que eram senhores de engenho. Foto Alberto Nasiasene. 2006

Meu avô João Ignácio Cavalcanti de Medeiros jovenzinho. 1916. Acervo pessoal de família.

Meu avô materno, João Ignácio Cavalcanti de Medeiros, pouco antes de morrer (ele faleceu em 1936).

Irmão de meu avô João Ignácio Cavalcanti de Medeiros (portanto, meu tio avô).

Infelizmente, nunca o conheci, nem sei o nome dele. Foto de meu acervo de família, de minha tia Ruth. 1916.

Alberto Nasiasene


25 de dezembro de 2009

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