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Feliz ano novo - o futuro nos aproxima do passado


Estou muito agradecido pelo livro da história de Alagoa Grande. Descubro mais não só sobre a história desta cidade, que é onde meu umbigo está enterrado, mas também sobre minha psiquê familiar (isto está me ajudando a me entender melhor). Como já lhe disse antes, eu não dava a menor importância para este tipo de história tradicionalista (feita por pessoas que não tem formação historiográfica propriamente dita), focada nas classes dominantes e em acontecimentos singulares (meu interesse, enquanto estudante de sociologia e antropologia, marxista, era em processos sociais mais amplos e nas camadas populares, é claro); ao contrário, eu não só a desprezava, eu a odiava (porque, afinal, como comunista que eu era, eu reneguei minha classe social de origem sim, ao me aliar ao proletariado urbano e rural na luta por uma sociedade sem desigualdades sócio-econômicas).

Cartão de feliz ano novo que pertenceu aos meus bisavós maternos. Vejam que se trata do século XIX, no do século XX. Os números ocultos, se escritos na íntegra e não abreviados, seriam 1899. Para o leitor atual, a tendência seria a de pensar que se trata de 1999, mas não é, dá para perceber claramente se a pessoa pega o papel, sente a textura, vê as manchas amareladas, a grafia da época de final do século XIX e percebe o engano. Acervo pessoal de família.


Por mais estranho que possa parecer, eu nem sabia que o "tio Félix Araújo Guerra", irmão de minha avó materna, Francisca Guerra de Medeiros (ela perdeu o Araújo e ganhou o Medeiros de meu avô materno, que também era um Cavalcanti) tinha sido prefeito de Alagoa Grande durante a República Velha (cheguei a conhecê-lo, quando ele era um velhinho que estava próximo de noventa anos, em minha infância, em 1966, quando fui pela primeira vez passar férias com meus pais na Paraíba e já tinha capacidade de guardar elementos de memória que não estavam restritos ao círculo íntimo de minha família menor, afinal, eu já tinha seis anos). Só soube disto, porque minha irmã mais velha, que mora em João Pessoa, me disse, em 2004, em Brasília (e eu fiquei muito surpreso com isto, porque não tinha a menor ideia disto, tanto porque eu não me lembrava mesmo, quanto porque eu, quando era um comunista militante ajudando a fundar o PT, desprezava e odiava esta origem social que eu tinha, por incrível que possa parecer para os esnobes). Em 2006, com a visita apressada que fiz a Alagoa Grande (na peregrinação sagrada que precisava fazer, levando a esposa e a filha para conhecerem afinal a cidade onde nasci), o Aloísio, meu primo em primeiro grau, atual dono do cartório do Registro Civil de Alagoa Grande, descobri também que o próprio nome da rua onde estava a casa de minha avó (lugar onde sempre ficava quando ia a Alagoa Grande, quando minha avó e minha tia estavam vivas) é de um primo meu (primo em terceiro grau, porque era primo de minha avó, o padre Luís de que fala o livro também).

Cartão de feliz ano novo que pertenceu aos meus bisavós maternos. Vejam que se trata do século XIX. Acervo pessoal de família.


Eu sabia dos engenhos e das fazendas de meus bisavós, mas sem poder precisar nomes e outros detalhes mais específicos. O livro agora está me ajudando a entender e conhecer mais detalhadamente esta faceta da história de minha própria família materna, que eu nem conhecia (acho que, como comunista, eu tinha muita vergonha dela e queria escondê-la de meus amigos, por isto é que nem queria fixar na minha mente esta história "vergonhosa" de classe, porque eu tinha certeza, mística e absoluta, como só os ateus podem ter, que haveria sim a Revolução Comunista e não queria mostrar este currículo de vida para meus companheiros de Revolução).

Cartão de feliz ano novo que pertenceu aos meus bisavós maternos. Vejam que se trata do século XIX. Acervo pessoal de família.


Não conheci nenhuma delas em meu período estudantil universitário, porque elas tinham sido vendidas pelos herdeiros, os primos de minha mãe (que se mudaram para João Pessoa), mas ainda conheci alguns dos sobrados urbanos que foram de meus bisavós e seus filhos, tios de minha mãe (tanto a chácara, que hoje é a casa paroquial, quanto uns dois ou três casarões senhoriais daquela rua que fica ao lado do teatro - vi as fotos destes casarões dos senhores de engenho no livro e eu mesmo tenho comigo as fotos que fiz quando tinha 19 anos). Eu sabia que o tio Félix era comerciante e industrial (mas não sabia que ele teve uma fábrica de talco em Minas Gerais, só fiquei sabendo disto por causa de minha irmã mais velha, em 2004, em Brasília e eu acho que este é o detalhe que revela que minha mãe tem este livro em casa, que deve ter recebido de presente de alguém na Paraíba, mas o tem me escondido todo este tempo, porque sabe que minha tendência seria a de trazê-lo, escondido, comigo, em minha mala; por isto é que ele deve ser um livro secreto, escondido a sete chaves em Brasília e minha irmã mais velha deve ter tido acesso a ele, ou talvez tenha sido ela mesma quem deu a minha mãe).

Título de eleitor de uma das tias de minha mãe. Acervo pessoal de família.

Portanto, deve ser este mesmo livro o livro que eu sabia que existia, mas não tinha acesso a ele e estou muito agradecido porque somente você poderia fazer isto por mim. Aloísio queria me apresentar ao autor, quando estive em Alagoa Grande em 2006, só não o fez porque não houve tempo disponível, já que eu tinha que voltar às 17:00 h (eu cheguei às 12:00 h). A sensação que me invade é muito estranha, porque, surpreso e emocionado, vejo uma parte da história de minha família fazendo parte de uma história maior de Alagoa Grande (misturando meus afetos familiares com meus conhecimentos intelectuais, sociológicos, antropológicos e historiográficos; além de minhas memórias sofridas e traumatizadas de militância política, num coquetel explosivo, borbulhante, como se meu sangue estivesse com bolhas). Tenho, ao mesmo tempo, alegria, curiosidade, afeto e muito medo; tudo misturado num grande sentimento de surpresa. Nestes últimos dias, desde a semana Vladimir Carvalho, que estou sentindo este sentimento muito estranho: se eu pudesse pelo menos formulá-lo verbalmente, diria a você que é como se eu estivesse morto e, milagrosamente, acordasse, ressuscitado (ou "re-encarnado") em uma outra vida que eu tive antes de morrer. É muito estranho esta sensação e impossível de formulá-la verbalmente, a não ser por metáforas (porque há uma nítida ruptura intelecto-existencial em minha vida de 50 anos, bem no meio dela, dividindo-a claramente em duas partes que estavam separadas radicalmente uma da outra), mas não é por acaso que eu já sentia este sentimento forte e incômodo me inquietando o espírito (e o cérebro) desde quando o vi, pela primeira vez, em 2002. De algum modo, eu tinha certeza que era você que me traria minha vida de volta (e, se você se lembrar ainda, pode se recordar que eu vivia repetindo a frase, quando o conheci, que queria minha vida de volta; como quem implora a Deus em oração e súplica e você sempre me dizia que isto seria impossível, mas eu sempre acreditava que não era impossível não).

Título de eleitor de uma das tias de minha mãe. Este foi o primeiro título de eleitor dela, porque as mulheres, até este ano, não podiam votar. Entretanto, de nada valeu o título, já que, pouco depois, haveria o golpe do Estado Novo e a eliminação das eleições Acervo pessoal de família


Ao me aproximar dos 50 anos, depois que consegui me reconectar à minha vida pretérita, graças à mediação que você está fazendo, e à vida de Vladimir Carvalho desta maneira milagrosa que aconteceu agora neste ano de 2009, já não falo mais aquela frase que dizia quando o conheci, a de que queria minha vida de volta (porque eu já a tenho de volta, até porque, nestes longos anos que estou sob o efeito de sua amizade, aconteceram até mesmo profundas revoluções neurológicas em meu cérebro e memórias que eu julgava estarem para sempre apagadas dentro de mim, por causa do traumatismo craniano de 1984, com 24 anos, retornaram de maneira vigorosa - e milagrosa - e por isto é que eu sinto este borbulhar em meu sangue).

Minha tia Ruth Guerra de Medeiros. Penso que na década de 1960. Acervo pessoal de família.


Quando o conheci, em 2002, eu nem sabia que voltaria a fotografar (atividade que comecei a praticar, sob a forte influência de Vladimir Carvalho em Brasília, desde a adolescência) e muito menos que iria começar a filmar e gerar documentários (muito menos que Vladimir voltaria a ser um ente ativo, em minha vida, não mais apenas um ente querido e longínquo), como eu realmente quis fazer ao chegar à Paraíba (vindo de uma experiência intensa de direção de cineclube em Brasília). Não por mero acaso eu me tornei amigo de Fernando Abath, que já era funcionário da UFPB (no departamento de Teatro Universitário, no Lima Penante) e ator amador muito conhecido nos círculos culturais de João Pessoa (depois ele seria professor da UFPB, secretário de cultura etc.). Eu até tentei montar uma peça com ele, peça que não se realizou, mas que ainda está fazendo parte de meu livro de poesias que publicarei mais de trinta anos depois. Fiz muitas oficinas de teatro e fui um admirador incondicional de Augusto Boal (comprei todos os livros do Boal editados então), por causa da amizade com o Fernando Abath. Só não filmei nada, por causa das lutas intensas da militância e da pobreza na qual eu vivia em repúblicas e pensões estudantis em Campina Grande. Só me falta agora ir ao encontro do cenário em que vivi meu drama (ou tragédia) pessoal, em Campina Grande e creio que só farei isto quando estiver com você na Paraíba (porque esta foi a única visita que não consegui fazer em 2006, porque não sobrou tempo).

Primos de minha mãe no engenho. Acervo pessoal de família.


Minha ligação familiar mais íntima era com a família de minha mãe (particularmente com minha avó materna, viúva, e minha tia solteirona, a dona do cartório), os Araújo Guerra. Mas a família de meu avô paterno também era de Alagoa Grande e suas irmãs moravam também em alguns destes sobrados do século XIX no centro de Alagoa Grande. São os Nazianzeno/Naziazene/Nasiasene. Meu bisavô, Manoel Galdino Nazianzeno, o pai de meu avô coronel Ademar Naziazene, foi coletor de impostos estaduais e, depois que se aposentou, montou uma funerária (eu também tive a oportunidade de conhecê-lo quando tinha seis anos e ele já estava com mais de noventa anos; fui lá na funerária e sentia medo daqueles caixões). A família de minha mãe era parte da oligarquia da República Velha derrotada pela Revolução de 1930 e a de meu avô era parte das camadas sociais e politicas que emergiram com a Revolução de 1930. Portanto, depois do Estado Novo (os 15 anos anteriores ao meu nascimento, em 1960), era evidente que, politicamente, a família de minha mãe era UDNista (eles endeusavam o tal Dr. Heretiano Zenaide, o Dr. Oswaldo Trigueiro etc) e a de meu pai era PSDista (meu avô fez carreira militar com as forças getulistas e era muito amigo do interventor Rui Carneiro, que passou a ser parte do PSD e do MDB depois de 1964; quando eu tinha 12 anos e minha avó paterna estava morrendo de câncer, em Brasília, onde foi operada, eu vi o então senador Rui Carneiro no apartamento de meus pais, onde minha avó estava hospedada, depois da operação, ele veio em visita familiar em solidariedade ao sofrimento de minha avó e ao meu avô; lembro-me bem deste momento, porque nós fomos proibidos de falar ou fazer barulho diante de vista tão ilustre e eu, é claro, menino ainda, fiquei pasmo com aquele homem magrinho e tão importante ali na nossa sala de visitas)

Dr. Severino Montenegro. 1920. Foto de meu acervo pessoal de família.


Nada poderá ser equivalente, em importância "intelecto-existencial" ao que você faz por mim. Muito obrigado pelo almoço de ontem. Alberto Jaguariúna, 24 de dezembro de 2009 Rota Mogiana de Alberto Nasiasene é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil. Based on a work at www.rotamogiana.com.

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