A Militância Político-cultural de Meu Final de Adolescência no Secundário em Brasília
Honestino Guimarães. líder estudantil da UnB e UNE
Este tipo de manifestação estudantil, que é possível ver aqui nesta postagem, nestas fotos do Arquivo da Agência da UnB e outros sites, com a agitação cotidiana que ela provocava na rotina da universidade, eu testemunhei antes de me mudar para a Paraíba e estudar na UFPB, pensando que a Revolução Comunista estava para estourar no começo dos anos 1980 (afinal, embora eu não pertencesse ao movimento estudantil formal em Brasília, porque não havia grêmios estudantis secundaristas autorizados) eu fui "dirigente" sim do "Clube Cultural" que eu mesmo fundei (digo que fundei e não que fundamos, não porque quero ser arrogante e pretensioso, mas porque fui eu, sozinho, que tive a idéia e que a partir deste desejo político elaborei uma estratégia começando por recrutar alunos para compor comigo o tal "Clube Cultural"; como contraposição política estratégica e ideológica ao "Clube de Ciências" de um estudante arrogante e pretensioso que era meu "rival" na escola onde estudei; a mesma escola que, nos anos 1960 era o famoso CIEM da UnB).
Passeata estudantil no Rio de Janeiro, em 1968. Acervo da UNE
Acompanhei atentamente sim toda a movimentação política e estudantil dos anos finais da década de 1970, porque desde que eu havia fugido de casa, com 15 anos, em 1975, havia abandonado a escola, no primeiro ano colegial (estudei no colégio Elefante Branco, na Asa Sul, onde Honestino Guimarães também estudou). Isto quer dizer que perdi dois anos de minha vida estudantil (e por isto cheguei com um atraso de dois anos na vida universitária, porque era para eu ter entrado na universidade aos 18 anos e não aos 20, como entrei na UFPB). Esta perda lamentável em minha vida estudantil secundária me deixou muito traumatizado (um dia ainda vou tentar me concentrar nas memórias dolorosas deste período, em plena era Geisel, que ficaram dentro de mim) e com a autoestima muito baixa. Embora eu não tenha sido reprovado, mas apenas abandonado a escola, ao final do ano, por duas vezes consecutivas, cheguei a pensar, realmente, que eu não era inteligente e sim burro (quando, na verdade, aprendi muitíssimas coisas na biblioteca do Elefante Branco, lugar que eu freqüentava mais do que a sala de aula) e foi por isto que, quando retornei à vida estudantil plena, transferindo-me, desta vez, para o CIB (Colégio Integrado de Brasília, o substituto do antigo CIEM), perto de nosso apartamento na Asa Norte (onde o Honestino Guimarães também estudou), prometi para mim mesmo que tentaria ser, com todas as minhas forças, a qualquer custo pessoal, um dos melhores alunos, senão o melhor aluno, de minha classe (e acho que fui realmente sim o aluno que tinha as maiores notas em minha turma). Além disto, ganhei prêmios em todos os três anos do colegial, participando de concursos externos estudantis, e saindo na frente de todos os alunos de todas as escolas públicas e particulares de Brasília.
Vladimir Palmeira discursa aos estudantes em 1968
Passeata estudantil no Rio de Janeiro, em 1968. Acervo da UNE
No primeiro ano do segundo grau, em 1977, ganhei o segundo lugar numa Maratona da Municipalidade, fazendo as provas sobre a geografia e história de Brasília e todos os seus símbolos cívicos; defendendo, ao final do concurso, a tese, na redação final, de "autogestão das superquadras do Plano Piloto". Este prêmio do segundo lugar me rendeu uma polpuda caderneta de poupança entregue pelo próprio ministro da educação na época, o Sr. Ney Braga (futuro governador do Paraná). No segundo ano e no terceiro foi que ganhei os prêmios de literatura dos quais já falei à exaustão. Só comecei a participar da Maratona Literária, em 1978, porque não sabia da existência dela direito. Entretanto, no ano anterior, o mesmo ano em que ganhei o segundo lugar na Maratona da Municipalidade, outro aluno de minha escola foi que ganhou o primeiro lugar na Maratona da Literatura, escrevendo uma monografia sobre Machado de Assis (o autor tema da Maratona Literária para 1977). Portanto, minha escola ganhou o primeiro lugar na Maratona Literária por três anos consecutivos, batendo todas as outras escolas públicas e privadas do DF. Felizmente, eu não precisei ir ao Palácio do Planalto, quando recebi o primeiro lugar no DF, e não tive a experiência discutível de receber o prêmio das mãos do então presidente da república, o general Ernesto Geisel. Entretanto, no ano anterior, 1977, o Geovane, aluno de minha escola, que ganhou o primeiro lugar, junto com todos os outros ganhadores Brasil afora do concurso da Maratona Literária, esteve no Palácio do Planalto, em audiência especial, para receber os prêmios da Maratona Literária. Eu era excessivamente tímido e ficaria constrangido em ter que agradecer, com sinceridade, ao governante de plantão daquela ditadura militar que tanto odiava (desde que trabalhei na sede do Banco do Brasil e tinha que conviver com a comitiva do vice presidente do Sr. Geisel, como já disse, em e-mail anterior).
As forças militares invadiam as universidades para reprimir os estudantes
Apesar disto, quando ganhei o primeiro lugar por Brasília na Maratona Literária sobre José de Alencar, em 1978, fui chamado para dar uma entrevista no maior jornal da cidade, o Correio Braziliense, junto com minha orientadora, a professora de português Edda Brandi e a diretora de minha escola. Pensei que sairia uma curta nota no interior de alguma daquelas muitas páginas daquele jornal, mas, no outro dia, fui acordado por uma chuva incessante de telefonemas para minha casa que me assustou muito: eu tinha saído em página inteira do jornal, com uma foto imensa, entre a publicação de parte de minha monografia e de todo o conteúdo da entrevista que dei à jornalista que conversou comigo. Fiquei muitissimamente assustado com tudo aquilo e odiei muito intensamente tudo o que fizeram comigo, porque eu não sabia que sairia em página inteira daquele jornal conservador e pensei que estavam tentando me usar para algum propósito político que era uma afronta ao meu posicionamento ideológico (discreto, no momento, e muito clandestino ainda, dentro de minha subjetividade de adolescente que cresceu em meio à dura repressão daquela ditadura). Senti-me irremediavelmente como traidor (me deu vontade de enterrar minha cabeça na areia e esconder meu rosto, de vergonha, quando saía nas "ruas" de Brasília ou no ônibus, pensando que todo mundo estava olhando para a cara do "traidor" que eu era). Eu não queria aparecer em página inteira daquele jornalão, mas apenas participar com seriedade do movimento estudantil e escrever uma obra de análise literária engajada com as causas político-sociais e culturais por um mundo e um Brasil mais justos.
Por isto é que digo que, ao contrário de muita gente hoje em dia, que daria tudo para ter os seus 15 minutos de fama, eu abominei as 24 horas de fama que a publicação daquela reportagem me causou sem que eu pedisse ou soubesse antecipadamente. Eu não queria aquele tipo de fama e exposição pública de minha imagem e de minhas idéias, no mais importante veículo impresso de comunicação de massas do DF. Pode parecer desconcertante tudo isto o que estou dizendo (e eu, é claro, agora, aos quarenta e sete anos, no Estado de Direito que vivenciamos atualmente, não teria mais a reação de intensa repulsa que tive com dezoito anos, em plena ditadura militar). O pior de tudo aquilo era o profundo sentimento de vergonha que eu senti ao sair de meu apartamento pensando que todos os olhares estavam postos em minha direção (tímido como eu era, não conseguia sequer ficar com a cabeça erguida e tinha muita vontade mesmo de colocar minhas mãos no rosto, para cobrir-me).
Movimento estudantil na França em 1968
A única coisa boa que me aconteceu neste dia foi o telefonema de Vladimir Carvalho que ligou para mim para me dar os parabéns dele e de Socorro. Este gesto generoso dele e este telefonema era o único que eu queria sentir e ouvir e nunca poderei me esquecer, em meio a todo aquele intenso sentimento de repulsa e vergonha (sentindo-me traidor), que Vladimir, o único que me importava realmente, estava me dando apoio para o que fiz. Se ele gostou, isto queria dizer, para mim (que não entendia de política conjuntural na época), que eu não estava traindo a causa não (porque se estivesse, ele não teria ligado para mim dando o parabéns entusiasmado dele, que me deixou nas nuvens da gratidão).
Passeata dos 100 mil no Rio em 1968
Por causa da projeção inesperada e indesejada de meu nome e de meu trabalho, é claro que isto me dava, sem que eu buscasse e sem que eu sequer quisesse, um certo carisma entre os estudantes do CIB (exceto com relação ao ciúme e hostilidade deste "rival" do qual falei acima, que queria criar um Clube de Ciências somente com os alunos que "pensavam", excluindo preconceituosamente todos os outros reles mortais burrinhos que "não pensavam"). Coisas da vida. Por instinto, é claro, eu não poderia me afinar com um pensamento tremendamente elitista e preconceituoso como o dele e de seu grupinho. Nós éramos uma escola voltada para a formação técnica em química neste momento histórico (com o ensino do segundo grau profissionalizante). Isto quer dizer que, por incrível que possa parecer, minha formação secundária é em química, na área das chamadas ciências exatas, embora toda a minha intensa atividade intelectual de então estivesse mais ligada às humanidades. São os paradoxos da vida.
Movimento estudantil em 1968
Como eu não poderia mesmo me encaixar naquele "Clube de Ciências" do tal rival, não porque eu não procurasse dialogar pacificamente com ele e não pudesse ser admitido no tal clube (porque eu é que tinha as maiores notas em todas aquelas químicas, biologias e físicas do nosso curso profissionalizante em análises químicas), mas porque era impossível, para mim, pensar desta maneira elitista e preconceituosa excludente de todos os outros meus colegas da escola (a quem eu respeitava muito e dedicava meus afetos de adolescente); pensei então em criar o tal "Clube Cultural", na escola de química. O surpreendente, para mim, hoje, é que, talvez por causa deste prestígio involuntário que me ocorreu fora da escola e dentro dela, é que eu tive acesso até à ponte aérea entre o Rio de Janeiro e Brasília que me mandava trazer, em malotes, as latas emprestadas dos filmes da Embrafilme, que eu projetei na escola, naqueles projetores de película em 16 mm nos quais aprendi a projetar filmes reais (porque naquele tempo não havia videocassetes). Talvez o que seja mais surpreendente para mim, hoje, não seja o fato de ter projetado inúmeros longas e curtas do cinema nacional, mas o fato de ter este canal de ligação aberto com a própria Embrafilme (logo eu que era e ainda sou extremamente tímido).
Vladimir Carvalho
Dentro do Clube Cultural, havia o Clube de Cinema ao qual me dediquei com mais intensidade. Isto aconteceu porque eu não queria, de modo algum, monopolizar o poder no tal Clube, embora ele tenha sido, basicamente, obra minha sim. Minha ideologia era o socialismo e eu, de forma alguma poderia me sentir em paz com minha consciência se minha prática cotidiana política desmentisse toda aquela ideologia de socialismo e democracia, onde cada um teria mais direitos do que o que tínhamos naquela ditadura militar. Eu estava muito comprometido com a luta contra a ditadura para pensar que aquilo tudo ali era só uma maneira de me autopromover buscando algum tipo de poder pessoal (talvez seja por isto mesmo que os meus colegas gostavam mais de mim do que aquele tal rival arrogante e intratável).
Aprendi muito com esta militância política cultural, apesar de ainda não ser possível naquele momento a criação de grêmios estudantis nas escolas secundárias não só do DF mas de todo o Brasil (nem a UNE era ainda oficialmente permitida...). Como não podíamos criar um grêmio estudantil, a diretora deu apoio para que criássemos aquele Clube Cultural (que, no fundo, era o nosso grêmio estudantil proibido). No Clube Cultural é que eu fazia, surpreendentemente, por causa daquele tipo de produção cultural que eu projetava em 16 mm, seguida de debates com os alunos, minhas primeiras pregações revolucionárias de meu ardente proto-marxismo juvenil adolescente. O que também me surpreende hoje é que eu nunca fui reprimido dentro da escola, ou fora dela (talvez por causa daquele prestígio advindo com a projeção de que falei), porque a secretária de educação do Governo do Distrito Federal da época, Eurides Brito, sempre que se encontrava comigo, me dava beijinhos sociais no rosto, pra lá e para cá (e eu, tímido como era, ficava, é claro, desconcertado, mas agradecido por ela me dar aquela atenção especial, como minhas tias, e Socorro, faziam comigo). Aliás, foi a secretária de educação Eurides Brito (que seria, posteriormente, deputada federal pelo DF, através do PFL) quem me mandou a passagem de avião, pela VASP, no início de 1980, quando eu já estava morando na Paraíba (na casa de minha tia Mariinha, em João Pessoa, aguardando o início do ano letivo na UFPB), para que eu retornasse a Brasília e pudesse pegar o avião (ida e volta) para o Rio de Janeiro, a fim de representar Brasília na fase nacional do concurso, na Academia Brasileira de Letras.
Sede da Academia Brasileira de Letras no Rio de Janeiro
Por causa desta militância política estudantil secundarista é que eu fui duramente reprimido através daquele fatídico discurso pronunciado pelo patrocinador do concurso Maratona Literária, o presidente da Caixa Econômica Federal, considerado então o braço direito do presidente general João Baptista de Oliveira Figueiredo. É claro que só aí, então, é que eu tive uma experiência desagradável de choque direto com o poder daquela ditadura que ainda estava viva sim (apesar de todo aquele suposto clima de Abertura democrática anunciada pelo último general que não elegemos). Na situação em que eu estava, já morando na Paraíba, pensando que iria me juntar ao verdadeiro movimento estudantil universitário que eu havia visto toda a minha vida, desde minha infância, naqueles momentos traumáticos dos confrontos com as forças militares da ditadura, como em 1968, é que eu fui alvejado através daquele discurso violento daquela alta autoridade federal me levando imediatamente ao pânico e ao desespero, com muito medo não de ser preso, mas de enfrentar as torturas (especialmente as de natureza sexual), porque eu sabia que não sobreviveria a uma experiência como esta.
Presidente Lula discursa na Academia Brasileira de Letras. Quem diria, no final dos anos 1970 que isto aconteceria?...
Estas fotos que estou comentando são os documentos históricos que comprovam o contexto conjuntural no qual eu e todos os meus colegas estivemos envolvidos, junto com todos os outros estudantes deste período histórico.
I - Movimento estudantil na UnB (final dos anos 1970):
Arquivo/UnB Agência
Arquivo/UnB Agência
II - Minhas fotos na escola em 1979 (poucos fragmentos que me restaram de quando fui "dirigente" do Clube Cultural).
Aqui embaixo estão retratados os integrantes do Clube de Cinema, departamento do Clube Cultural, com o professor que nos assessorava (naquele tempo ainda era muito caro gastar com fotografias, portanto, no momento em que cliquei a máquina, os alunos se voltaram para trás e eu não tinha mais tomadas disponíveis para refazer a fotografia; naverdade, para ver como tinha ficado a tomada, era necessário esperar bastante tempo até que o filme fosse revelado, num laboratório comercial, além disso, as fotos coloridas eram mais caras do que as fotos em preto e branco; uma destas minhas colegas era neta de belgas, outro era filho de um argentino e outra filha, de sírios, mas eu não recordo mais qual era o nome deles, infelizmente, porque perdemos o contato e porque eu tive muitos problemas de memória depois do traumatismo craniano no começo de 1984; se ainda não tivesse comigo estas fotografias, nem sequer poderia me lembrar direito de que fui sim, realmente, "dirigente" do Clube Cultural, que era uma organização espontãnea de estudantes secundaristas, criada por mim e meus colegas, como disse, porque ainda era proibido a existência de grêmios estudantis - não se podia nem pronunciar esta palavra, porque logo se era acusado de subversivo, a pior ofensa que se poderia ouvir naqueles tempos de ditadura militar):
Uma apresentação especial do Clube Cultural (com atividades simples de jogral e apresentação musical). Tínhamos um jornalzinho, um Clube de Cinema e um Clube de Música (que estava nas mãos dos rapazes do chorinho). À direita vemos o grupo de chorinho que fazia parte do Clube Cultural (estes rapazes estavam ganhando projeção fora da escola e eram muito conhecidos por suas apresentações de chorinho na cidade; infelizmente, também não me recordo dos nomes deles e não tenho notícias do que aconteceu posteriormente com eles):
No final do ano (e do curso, em novembro de 1979), organizei uma excursão de confraternização a Paracatu, reunindo alguns de nossos colegas de classe. Uma destas colegas era de Paracatu e nos emprestou a casa para que passássemos um fim de semana por lá, conhecendo o importante patrimônio arquitetônico colonial desta cidade que fica a 4 horas de viagem de Brasília. Neste tempo, eu já fazia muitas expedições exploratórias e desbravadoras dos sertões coloniais Brasil afora (como via Vladimir Carvalho fazendo; eu queria ser como ele sim e isto não é pecado nem pura imitação, mas uma influência intensa que eu recebia dele conscientemente, embora quisesse trilhar o meu próprio caminho):
Na rodoviária de Paracatu (ainda hoje, viajar, com mochila nas costas, é uma das coisas que mais gosto de fazer). A última foto foi tirada em uma escadaria de uma das igrejas barrocas de Paracatu (as fotos estão com imperfeições, por causa dos vestígios do tempo e por causa de todas as tribulações que me ocorreram na militância política estudantil universitária na Paraíba, para onde as levei e onde ficaram após minha fuga, em 1983).
Alberto Nasiasene
22 de maio de 2008 Rota Mogiana de Alberto Nasiasene é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil. Based on a work at www.rotamogiana.com.