Meu olhar fascinado sobre a Paraíba
Igreja do Carmo, um dos mais belos exemplares do barroco paraibano em João Pessoa (do período colonial)
Meu olhar fotográfico sobre a Paraíba (ainda hoje), não posso e nem quero esconder de ninguém, é um olhar interpretado a partir de uma perspectiva existencial brasiliense. Isto quer dizer que o menino paraibano que ainda sou interiormente cresceu em Brasília e lá, na capital do país, se estruturou como ser pensante, como ser existencial e como ser político. Falando de uma outra maneira, dos onze anos de minha infância, sete anos e meio eu os vivi em Brasília (porque quando lá cheguei eu tinha somente quatro anos); além dessa infância passada na cidade, vivi em Brasília toda a minha adolescência também (porque quando voltei a morar na Paraíba, eu já estava prestes a completar vinte anos de idade).
Casas de ruas do centro antigo da cidade de João Pessoa. A única diferença básica com Campinas é que as casas do centro de João Pessoa, que ainda são habitadas, são melhor cuidadas e não têm nenhuma pichação, como em Campinas.
Portanto, desde quando comecei a passar férias escolares na Paraíba sozinho, a partir dos dezessete anos, a leitura que eu fazia (e ainda faço) da realidade paraibana com a qual ia me deparando, aos poucos, com suas diversas paisagens geográficas, econômicas, sociais, políticas e culturais, era uma leitura feita a partir de uma perspectiva brasiliense. Isto quer dizer simplesmente que a minha visão era uma visão mais abrangente, mais nacional e mais universal do que a visão estritamente local de um primo meu (na casa de quem eu ficava nestas férias escolares), que nunca havia saído da Paraíba (por uma opção preconceituosa dele de se manter fechado em seus curtos horizontes provinciais).
Os burricos sobem a ladeira em frente à igreja de Alagoa Grande, no interior, na região do Brejo Paraibano.
Além disso, o Nordeste que eu buscava tão intensamente, para além de minhas próprias raízes familiares, sócio-culturais e existenciais, era um Nordeste que só havia realmente, em essência, na literatura e na grande arte (teatro, filmes, pinturas, esculturas e artesanato popular) da intelectualidade nordestina com a qual estive envolvido em Brasília (numa perspectiva socialista, como a de muitos destes intelectuais). Foi por isto que, muitas vezes, já disse que, na verdade, nunca cheguei a encontrar, na prática cotidiana, quando morava como estudante universitário em Campina Grande, este Nordeste e esta Paraíba míticos (porque o mundo literário de José Lins do Rego e Graciliano Ramos já não existia mais na década de 1980; já que a grande literatura deles foi escrita nos anos 1930, quando ainda havia engenhos ativos sendo substituídos pelas modernas usinas e os míticos cangaceiros; além disso, o país ainda não era completamente uma sociedade industrializada).
Integrantes de um dos muitos grupos de danças folclóricas paraibanas (que dançaram o chachado, entre outras danças típicas do estado, em um teatro de um dos shoppings centers de João Pessoa)
Apesar disto, foi lá mesmo, em minha terra natal, que pude vivenciar, como militante socialista e estudante de ciências sociais, em meio às diferenças regionais e locais tipicamente paraibanas e nordestinas (que não desapareceram completamente não e, graças a Deus, jamais irão desaparecer), o elemento comum que está no substrato de nossa herança sócio-econômica ibérica maior presente em todo o país, num momento em que a ditadura militar estava em seus últimos anos e em que o capitalismo industrial truculento advindo do "milagre econômico" estava entrando em sua grande crise dos anos 1980. Isto quer dizer que o Brasil, apesar de suas profundas diferenças regionais, não é tão diferente assim como se imagina.
Cantadores repentistas populares tocando para turistas paulistas na praia de Tambaú, em João Pessoa.
Pode parecer estranho, mas, em alguns lugares de Campinas, sinto-me como se estivesse em João Pessoa, ou em Brasília. Em Jaguariúna, onde moro, sinto-me, muitas vezes, morando também em Alagoa Grande (e não é só porque a população de Jaguariúna é quase a mesma de Alagora Grande). Isto, hoje, já não me surpreende mais, porque foi a própria dialética existencial entre o universal concreto, com o particular e suas singularidades, que vivi e vivo ainda, em meio a estes cenários históricos-geográficos específicos (o triângulo amoroso com o qual estou envolvido), o que me faz sentir esta unidade na diversidade que só enriquece minha vida.
Prédios de apartamentos na praia de Manaíra, em João Pessoa.
Quando retornei agora, em julho de 2006, quase vinte anos depois, nesta relação dialética sócio-cultural e existencial que mantenho, como cidadão paulista que estou agora (sem ser paulista de nascimento), com minha terra de origem, pude, mais uma vez, constatar que, graças a Deus, a Paraíba não ficou congelada no tempo, mas acompanhou e continua acompanhando, de um modo ou de outro, as grandes transformações sócio-econômicas e políticas comuns ao país como um todo, sem erradicar de si suas profundas raízes históricas, sociais e culturais (com seu belíssimo patrimônio histórico e natural). Fiquei muito entusiasmado sim com um certo clima sadio de "revival" das antigas tradições culturais como os das danças e músicas ditas folclóricas que pude assistir. Também fiquei felicíssimo ao ver como os índios potiguaras estão retomando e revalorizando sua riquíssima herança cultural em meio a esta Paraíba que vai se modernizando e decididamente adentrando o século XXI.
Barcos de pescadores na praia de Manaíra, em João Pessoa
É com este olhar quarentão, feito a partir de experiências existenciais que me são muito próprias, que fiz todas estas tomadas fotográficas em julho de 2006, documentando o meu re-encontro com minhas raízes mais profundas de onde ainda brotam minha identidade sócio-cultural e minha autoestima. Digo isto porque minha relação existencial básica com a Paraíba é uma relação que está no nível do Ser, porque mesmo tendo sido criado em Brasília e apesar de já morar neste estado de São Paulo há 22 anos, sou paraibano (e ninguém poderá tirar esta condição de mim). Não é uma questão existencial de estar, mas de ser a que me liga umbilicalmente à Paraíba (para todo o sempre); embora eu esteja em São Paulo (sem ser paulista). Por isto não preciso provar nada para ninguém nem para mim mesmo e somente Deus pode, em plenitude, compreender-me em meio a esta relação de amor e gratidão (porque aprouve a Ele que eu tivesse sido gerado no ventre daquela terra mãe).
O pôr do sol no rio Paraíba, ao som do bolero de Ravel, num passeio de catamarã com minha família paulista em companhia dos turistas paulistas que estavam conosco no mesmo hotel
Alberto Nasiasene
21 de abril de 2008
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