O Cenário de Meus Afetos Mais Sagrados
Estas fotos que estou incluindo aqui, são fotos da UnB, tomadas pelo fotógrafo francês Marcel Gautherot, por volta de 1963 (pouco para mais ou para menos). Fico emocionado ao ver este tipo de fotografia porque este era o cenário de minha infância que conheci cotidiana e intimamente (difícil de ser reconstituído apenas por meio da memória e das palavras). A primeira foto retrata a Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (onde minha tia Zélia, educadora, viúva de meu tio Garibaldi, falecido em outubro de 2006, minha madrinha, fez cursos nos anos 1960). Ainda é possível ver claramente o gramado recém plantado e aquelas pedras que, para minha memória, ainda permanecem muito grandes (onde brincávamos de pular, como se fôssemos o personagem de desenho animado que estávamos acostumados a ver na televisão em preto e branco, o semi-deus grego Hércules; o barato era pular daquela altura e bradar aos quatro cantos, Hércules!...). Em frente a este prédio da Faculdade de Educação, que fica ao lado da antiga reitoria, onde meu pai trabalhou, na tesouraria, fica um parlatório de onde falaram a rainha Elizabeth II da Inglaterra, os príncipes do Japão e os primeiros astronautas a pisarem na lua (e nós, filhos do Sr. Luizimar Nóbrega Nasiasene, estávamos entre a platéia que ouviu tais personagens).
A segunda foto mostra o cenário que eu via regularmente, da escolinha de artes da UnB em 1967 e 68: a Faculdade de Educação e o prédio da antiga reitoria ao lado, à direita da foto. Há também esta escultura abstrata, em bronze, Monumento à Cultura, obra de um importante escultor que tem várias obras em Brasília, o paulista Bruno Giorgi. Além desta escultura que eu via quase que cotidianamente, em frente à antiga escolinha de artes, há outros monumentos públicos em Brasília de sua autoria, tais como Candangos, de 1960, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, eMeteoro, de 1967, no lago do edifício do Ministério das Relações Exteriores, Palácio dos Arcos, ou Itamaraty. Este artista faleceu no Rio de Janeiro em 1993.
Em baixo, vemos um dos primeiros prédios, em madeira (material muito usado, em minha infância, em Brasília), onde instalaram as primeiras salas para que os primeiros estudantes pudessem ter suas aulas em 1962 e 1963. Este prédio de madeira (que ainda existe e será um futuro museu universitário) fica exatamente do outro lado deste cenário visto nas duas primeiras fotografias anteriores. Aliás, era exatamente aqui que, depois que as primeiras salas de aulas foram transferidas para outros prédios em alvenaria que foram posteriormente construídos, estava a escolinha de artes onde estudei e de onde via a escultura do Bruno Giorgi. Se vocês observarem bem atentamente certos detalhes da fotografia em preto e branco, verão facilmente a terra vermelha e áspera que eu conheci em minha infância (e que minha mãe odiava, por causa das roupas dos filhos crianças que ficavam encardidas). Hoje, praticamente não se vê mais a terra vermelha nesta área, porque tudo está coberto de grama.
Os carros que vemos nestas fotos, eram os carros de minha infância que ainda lembro. Além disso, pode-se perceber claramente que está fazendo frio e, por isto, os alunos estão tendo uma aula sob o sol, para se aquecerem. É no inverno que Brasília fica com a umidade do ar muito baixa (às vezes, especialmente por volta do mês de agosto, a umidade fica bem próxima da umidade do deserto do Saara, beirando os 8%), porque não cai uma gota de chuva durante meses seguidos (muitas pessoas pensam, por isto, equivocadamente, que Brasília é sempre seca; o que não é verdade, porque ela só é seca durante o inverno e o regime de chuvas que predomina por lá é o de primavera-verão, igual ao da região sudeste como um todo, quando caem chuvas torrenciais; a precipitação pluviométrica de Brasília é maior do que a de Campinas e, nos meses de verão, como janeiro, o ar fica muito úmido e chove quase todo dia).
Tenho muitas saudades sim deste cenário de minha infância e frequentemente revisito-o quando estou em Brasília (este é meu mundo infantil e adolescente que não está perdido, mas profundamente guardado, em sete chaves, em meu interior de adulto que mora em Jaguariúna e é professor de história em Campinas, no estado de São Paulo). Além disso, meu pai trabalhou a vida toda neste cenário e só avançou para mais perto do Lago Paranoá, quando a nova reitoria (o navio) foi construída depois do ICC (Instituto Central de Ciências), o Minhocão, e ao lado do belíssimo edifício da biblioteca central da UnB (local que freqüentei desde minha adolescência e onde ainda estão os muitíssimos livros que consultei para escrever minhas monografias análises da grande literatura de José de Alencar e José Lins do Rego; ganhando os prêmios de literatura que ganhei).
Sempre que retorno a este cenário, costumo entrar em profundo estado de contemplação e meditação intelecto-existencial e espiritual, agradecendo profundamente a Deus por ter podido viver minha infância e minha adolescência em meio a este cenário (e é por isto que amo muito intensamente o espírito universitário que emana deste cenário). Costumo levar minha filha e minha esposa (quando ela vai comigo) nestas visitas-peregrinações espirituais ao campus da UnB e foi ao pé da escultura do Bruno Giorgi que tirei aquela foto de minha filha "roqueira" que enviei em outro e-mail. Hoje o lugar onde está a escultura é uma praça com o nome daquele estudante que morreu em 28 de março de 1968, por causa da repressão truculenta da ditadura militar, Praça Edson Luiz. Apesar de sentir profunda reverência e profunda gratidão a Deus por este cenário, infelizmente, ainda choro, algumas vezes, como agora, ao lembrar (direta ou indiretamente) de certos acontecimentos truculentos ocorridos durante os anos de chumbo da ditadura militar (como o fechamento da escolinha da UnB e as invasões do campus universitário por tropas militares; com aqueles cães pastores alemães, metralhadoras, capacetes, cassetetes e bombas de gás). Gostaria sim que esta história fosse outra e que, por exemplo, Honestino Guimarães não tivesse morrido nos porões da tortura da ditadura militar (e que a escolinha de artes não tivesse sido fechada, mas permanecido aberta para que eu pudesse continuar a estudar por lá continuamente; quem sabe, eu poderia ter me tornado realmente aquele artista plástico que eu sonhava ser em minha adolescência).
Alberto Nasiassene
17 de maio de 2008
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