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O Meu Morro do Cruzeiro em Alagoa Grande PB


Fotos: Alberto Nasiasene 2006

Meu envolvimento com a pesquisa sobre favelas é antigo, não vem de agora. Pelo menos desde o final da adolescência, vivida em Brasília, mas especialmente depois que me tornei estudante no bacharelado em ciências sociais no então campus II da UFPB. Na época inicial de meu curso, eu pretendia me concentrar na área de antropologia e é por isto mesmo que tinha a ideia de morar dentro deste morro, para poder conhecer esta realidade de perto. Na verdade, fiz muitas caminhadas por ele, mas sabia que olhar por fora apenas estava longe de compreender o que era a vida cotidiana daquele povo e perceber a riquíssima cultura deles, presentes nas vivências cotidianas, nos festejos, nas crenças, nos modos de ser e de fazer. Entretanto, já fazia algumas sondagens fotográficas tentando captar elementos tanto da cultura material quanto a cultura imaterial. como nestas fotos que fiz quando tinha dezenove anos e ainda não tinha entrado para o curso de ciências sociais.

Fotos: Alberto Nasiasene 1979


Na Paraíba, no caso, em Alagoa Grande, cidade retratada aqui, não há esta confusão semântica entre morro e favela. Na verdade, não há sequer o termo favela. O bairro popular que vemos nestas fotos não é conhecido como a favela do Morro do Cruzeiro, mas como Morro do Cruzeiro apenas. Não chamam o loteamento de favela, porque não há este hábito. Talvez porque seja comum, em uma cidade do interior canavieiro, a existência do local de moradia dos trabalhadores do corte da cana e não se pensa que este local seja uma favela. Favela é muito mais uma designação carioca do que paraibana. Não que não havia outros modos de expressar desprezo e um palavreado pejorativo que se refira ao local de moradia dos mais pobres. Há, só que este palavreado está presente na própria designação de "Morro do Cruzeiro" (as pessoas locais logo sabem que se trata do bairro mais pobre, em cima do morro, o que, por si só, já é indicativo de que se trata dos cortadores de cana, geralmente pessoas das mais pobres, analfabetas e, em sua maioria, negras).

Fotos: Alberto Nasiasene 1979


O que é mais interessante aqui nesta geografia social, é que, na Paraíba, por causa de inúmeros elementos topográficos, não são os morros os locais preferidos para a construção de casas da população mais pobre. Não há nada que predisponha subir os terrenos mais íngremes em busca de um pedacinho de solo para erguer um casebre mais pobre. Há muita área disponível que pode se prestar a este tipo de "invasão", quando não se tem dinheiro suficiente para comprar um terreno (mas também é preciso dizer que o preço destes terrenos não é tão caro quanto é nas grandes cidades do centro sul, de modo que não é o preço dos terrenos o principal obstáculo a ser enfrentado pela população mais pobre). Não posso precisar detalhadamente a história do Morro do Cruzeiro (e era por isto mesmo que eu ficava encantado com esta possibilidade e queria realmente morar por lá, alugando um destes casebres de taipa, para viver pelo menos durante um mês inteiro por lá, como antropólogo). Por isto não sei porque é que estes casebres começaram a subir este morro para fazer este bairro popular que chama a atenção de qualquer visitante que chega à cidade de Alagoa Grande. Nem sei quando começaram a subir o morro, em que década do século passado (ou se isto começou desde o século XIX). Seria interessante alguém do lugar fazer esta pesquisa e disponibilizá-la por meio da internet.


Fotos: Alberto Nasiasene 1979


Acontece que, como em todo lugar deste país, os intelectuais locais, especialmente aqueles que se dedicam, de algum modo, a fazer a crônica histórica do local, nunca dão espaços para focarem na população mais pobre com a mesma dignidade que dão para a classe dominante do lugar. Entretanto, surpreendo-me por perceber que, pelo menos nas aparências, o Morro do Cruzeiro permanece lá, desde minha infância (nasci em 1960), sem ameaças sérias de remoção, como acontecia com as favelas do Rio de Janeiro. Talvez haja uma simbiose social bem íntima entre esta população e a classe média mais abaixo e seja do interesse mútuo não retirá-los de lá, porque são a fonte de mão de obra mais barata disponível para a cidade em várias das suas ocupações, não apenas no corte de cana. Questões a serem investigadas por sociólogos e economistas.

Fotos: Alberto Nasiasene 1979


As imagens que se vêem aqui são de julho de 1979 e é claro que esta realidade social e urbana já não é exatamente a mesma. Elementos novos surgiram e novas conformações sociais urbanas também. Mas, como se trata de uma pequena parte do Brasil, também precisamos dizer que velhas estruturas formatadas desde os tempos coloniais, desde o século XVI, continuam presentes de um modo ou de outro. O canavial está lá, presente (embora o preto e branco da fotografia não deixe ver com tanta facilidade); mas ele só chegará a esta região do estado a partir do século XVII e só se expandirá com um maior vigor a partir do século XIX, quando a cidade se desmembrar da sede vizinha, a cidade de Areia. Esta área do estado da Paraíba é considerada uma micro região específica chamada de região do Brejo, porque é território de Mata Atlântica (no caso, mata ombrófila densa). Mata Atlântica que foi toda devastada, é preciso que se diga (e deveria ser restaurada na medida do possível). Alberto Nasiasene 2 de janeiro de 2017

Fotos: Alberto Nasiasene 1979


Minha peregrinação sagrada ao Morro do Cruzeiro, na cidade de Alagoa Grande, região do Brejo Paraibano (área da cana-de-açúcar), me deixou muito feliz por causa de pequenas coisas. Por exemplo, o Morro do Cruzeiro é a comunidade que estudei, quando cursava meu curso de sociologia e antropologia na UFPB, durante muito tempo, sem, contudo, conseguir realizar meu sonho antropológico que era alugar uma destas casinhas de taipa e morar ali pelo menos durante um mês seguido (porque todas as vezes que dizia isto, meus parentes davam um verdadeiro escândalo, proibindo-me de fazer isto, porque eles achavam um grande absurdo e uma grande agressão minha a eles).

Minha intenção não era a de agredir ou chocar meus familiares, mas somente manifestação da intensa necessidade que eu sentia, enquanto estudante de ciências sociais que inicialmente queria se especializar em antropologia, ao final do curso, de estudar, por dentro, esta comunidade, como fazem os antropólogos, e escrever meu diário de campo sobre os dados empíricos que eu iria recolher ali (para analisá-los posteriormente, escrever meus textos acadêmicos e para saber melhor como me engajar na luta por melhores condições de vida para aquela gente). Portanto, mesmo que eu não tenha conseguido realizar o desejo de morar ali, esta é, em meu interior, a "minha comunidade" (ou "meu povo" como costumam dizer os antropólogos referindo-se às sociedades que estudam) a qual, ainda hoje, devoto um carinho muito intenso. Por isto não poderia fazer esta visita a Alagoa Grande agora em julho de 2006 sem subir as escadarias do Morro do Cruzeiro e atingir o ponto culminante do morro, onde está a Cruz das almas (onde as pessoas vão pagar suas promessas ou fazer turismo).



As fotos que se seguem abaixo documentam as pequenas melhorias que me deixaram muito feliz, porque vieram para tornar a qualidade de vida desta população um pouco melhor do que era no período em que a estudei enquanto universitário, no início dos anos 1980. Ou seja, como podemos ver aqui, a comunidade já tem telefone público, luz elétrica e a água encanada; que não tinha quando eu era estudante universitário da UFPB (no início da chamada "década perdida" para o Brasil, os anos 1980). Comparando-se as fotos que tirei em 1979 (expostas no fotoblog: Peregrinações de um Adolescente) com estas de 2006 (algumas delas expostas no fotoblog mais recente: Peregrino Ainda Sou) é possível ver o que estou dizendo aqui. Confesso que, antes de subir as escadarias do morro, senti muito medo de encontrar a comunidade com o mesmo nível de existência material (sem água, sem luz, sem telefone etc.), o que, a mim, provaria apenas que nestes quase trinta anos de história, os mais pobres entre os pobres de Alagoa Grande, trabalhadores no corte da cana-de-açúcar, não tiveram seu padrão de vida material melhorado em nada pela sociedade brasileira tão excludente e tão desigual desde remotas eras. Felizmente, como documentei concretamente, através das fotos que aqui aparecem, o padrão de vida material da comunidade melhorou sim (mesmo que isto não queira dizer que é o nível de vida material que eu, como socialista que ainda sou, sonhe um dia para esta comunidade, porque, evidentemente, ainda há muito o que se fazer). As fotos, em que eu apareço, foram tiradas pela sobrinha da Maria Ignez, Júlia (que teve coragem e forças físicas de ir até o fim da escadaria comigo). Lá em baixo, aparece o cemitério da cidade (onde estão enterrados meus bisavós, avós e tios e, por isto, esta é uma terra sagrada para mim).


Alberto Nasiasene

6 de abril de 2008

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