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Necessidade de dialogar com outros saberes


Não seria mal professores de teoria de história lerem cientistas sociais para além dos tradicionais teoristas da história. Há uma coisa chamada de história metódica, surgida na Alemanha do século XIX (tão rica em filosofia pré e pós kantianas e hegelianas e epistemologias derivadas destas correntes tão ricas, mas que não influíram na constituição de um arcabouço teórico propriamente dito quanto à metodologia do estudo da história; porque, neste quesito, a escola metódica fica muito mais próxima ao pensamento inglês empirista) cujo principal expoente é Leopold von Ranke que não é nem positivismo (que seria uma teoria), nem historicismo dialético, nem marxismo, nem funcionalismo de Durkheim, nem weberianismo, nem qualquer coisa que se pretende teoria de fatos sociais, econômicos ou culturais. Entretanto, de "metódico", tal teoria somente tem um hábito de gente metódica, como diríamos hoje em dia, de fazer suas afirmações com base em documentos, geralmente escritos e por gente grande, especialmente em atos oficiais. Há aqui, subjacente a esta metodologia, algumas "verdades dogmáticas estabelecidas" que não se confundem com as verdades dogmáticas estabelecidas" pelo positivismo, na França, por exemplo, mas uma necessidade de cronistas oficiais da história alemã de escreverem com base no que está documentado em textos escritos principalmente e não se menciona, nesta suposta teoria de história, que a história é feita somente pelos governantes e pessoas importantes nas funções públicas oficiais (nem que a história estava sendo construída para dar sentido a uma nacionalidade tardia, a Alemanha unificada a partir de 1870), mas é isto o que se subentende do tal método "metódico". Nada mais amador, em termos historiográficos, hoje em dia, do que dar crédito a este método para escrever história, especialmente depois do aparecimento da Escola dos Annales, na França no início do século XIX, que tanto criticava esta maneira de fazer história séria (demonstrando sua mera base empírica, mas não científica, porque ciência pressupõe algo mais do que a mera constatação do que está à frente e não se contenta com as meras verdades supostamente estabelecidas sem questionar os pressupostos das verdades e do estabelecido em sua concretude e em sua sensorialidade material). Pior ainda é defender tais métodos depois da ampla consolidação das ciências sociais, no século XX, e seu desenvolvimento em escolas que refinaram ainda mais a metodologia de investigação sobre os fatos sociais, econômicos e políticos (sejam eles entendidos de que forma for, seja em uma versão mais objetivista, como no positivismo, seja numa versão mais subjetivista, como no weberianismo, ou seja na versão mais dialética do marxismo, em que o objetivo e o subjetivo são levados ambos em consideração, mas com o primado no objetivo como força real determinante). Pior ainda é não exercer a crítica textual que a própria teologia protestante alemã, por exemplo, já havia desenvolvido em sua hermenêutica e em sua exegese dos textos bíblicos. Isto não significa total desprezo para com o senso comum, como demonstrou Antônio Gramsci, muito menos postura arrogante de suposto especialista que não leva nada em consideração do saber comum de um cidadão comum (ele também portador de parcelas de conhecimento histórico, mesmo que deformado, mesmo que anedótico, mesmo que parcial; mas a própria ciência da história mais consistente também se sabe parcial e provisória, apesar de sua metodologia científica mais acurada e mais sólida; afinal, uma das principais características da ciência está exatamente aqui: não existe dogmatismo e versões definitivas sobre fato algum, mas verdades comprováveis, sob certas circunstâncias, já que a ciência não é uma revelação religiosa, que define verdades definitivas para todo o sempre e sempre haverá um determinado grau de incerteza em suas afirmações, que podem, no futuro, serem contestadas se houver novas evidências). Também não significa total desprezo pelos documentos escritos oficiais, nem pelos "grandes homens" governantes. Significa apenas que fazer investigação historiográfica hoje em dia, de forma profissional, é muito mais do que interpretar ao pé da letra documentos oficiais.


Não creio que haja uma ciência história neutra, tecnicamente perfeita (aliás, as técnicas e tecnologias não são neutras, porque fazem parte de determinadas culturas, de determinadas ideologias, de determinadas histórias e cotextos políticos, geográficos e ecológicos). Do mesmo modo, não é possível acreditar em isenção nem de um cidadão comum, nem de um cientista, nem de um juiz (não é possível a neutralidade diante dos fatos; o que é possível é certa atitude mais objetiva; apenas). Por isto mesmo, é impossível que haja a falsa dicotomia entre opinião e conhecimento cientifico neutro. Ou seja, é preciso explicitar, detalhadamente, o que vem a ser opinião, δόξα DOXA, de conhecimento, Γνωσις GNOSE, antes de sairmos por aí apregoando que um historiador não pode ter opinião, mas um leigo sim (penso que é ridículo tal afirmação completamente sem fundamento gnosiológico e metodológico). Quem pensa assim, de forma equivocada e hipócrita, é o positivismo (há juízes que creem, de uma forma desastrosa, nesta balela da isenção, que só existe nas crenças alheadas da realidade deles; por isto mesmo é que se torna necessário vários tipos de controles sobre o judiciário, senão ele vira um poder absolutista ditatorial).

Por mais que os pós modernos em historiografia (e pós verdadeiros) pensem que não haja mais ciência e que o saber ocidental é apenas mais um saber em igualdade de condições com quaisquer saberes (mesmo os saberes das bruxas medievais, ou das leitoras das cartas do tarô); por mais que eles gostem de usar o prefixo "pós" para não terem a obrigação de explicar detalhadamente o que vem depois deste "pós" (se é "pós moderno" então seria o quê?, o contemporâneo?; e quando aparecer o "pós contemporâneo" será o que?, o "pós atual"?; mas quando aparecer o "pós atual"? o que virá? a "pós verdade?" e "depois da pós verdade"? virá o quê?, "a mentira"? e quando vier a "pós mentira?"...); é necessário explicar, detalhadamente, a fase histórica, ou os desdobramentos que se seguem a um determinado período, delimitando novas tendências de análise que levam o quê, e por quais métodos, um aprofundamento no conhecimento da realidade, seja nas formas, seja nos conteúdos propriamente ditos. Isto é nossa herança grega da qual não podemos escapar inteiramente, já que o contínuo questionar sobre a vida, sobre o pensar, sobre os métodos do pensar e sobre as verdades parciais, fugidias ou supostamente definitivas era o passatempo principal dos filósofos gregos, já que eles tinham, na sociedade, muitos e muitos escravos que podiam cuidar do dia a dia da sociedade.


Ora, por mais que não pensem assim os esnobes acadêmicos patrimonialistas, o conhecimento já é, em si mesmo, uma determinada opinião sobre um tema que se está estudando ou refletindo (pode ser uma opinião mais ou menos balizada em fundamentos empíricos, ontológicos ou meramente lógicos do que a opinião comum do cidadão que não consegue transcender o mero senso comum). Claro que é uma opinião diferente da opinião do simples leigo que não estudou cientificamente tal tema. Mas não deixa de ser uma opinião. Afinal, o autor que está por trás do texto pensa (aliás, foi ele quem escreveu, intencionalmente, aquelas palavras); não se trata de uma relação de causa e efeito meramente mecânica entre sua mente supostamente privilegiada e o texto que escreveu. Portanto, por mais que estas palavras textuais, fruto de um artigo científico qualquer, sejam objetivas (ou seja, aparentem ter vida própria e externa para além do pensamento subjetivo de quem as escreveu); na verdade, não passam de uma objetivação, por escrito, de pensamento subjetivos que lhes presidiram a escrita discursiva.

Aristóteles, como tudo o que é humano, tinha lá suas virtudes, mas também seus defeitos. Não poderia deixar de tê-los, como nós, simples mortais como ele. Entretanto, foi ele quem levou o espírito grego a seu maior esplendor, porque soube sistematizar conscienciosamente todo o conhecimento acumulado antes dele, dando uma coerência mínima a toda esta imensa experiência e a todo este imenso conhecimento que os povos gregos foram acumulando através do esforço intelectual, trabalho físico e séculos de persistente busca da verdade e da pós verdade, separando conscientemente o que havia de verdade e "pós verdade" dos mitos e crendices pré e pós mitológicas. Pena que ele não poderia ter chegado às brilhantes reflexões de Claude Levy Strauss de que todo tipo de saber humano, mesmo os mitos e o saber meramente empírico dos chamados povos bárbaros tinha uma certa lógica e precisava ser compreendida e analisada dentro desta lógica. Foi ele também quem estabeleceu as regras do pensar verbal e escrito que hoje chamamos lógica e não é de se desprezar estes princípios, mesmo sabendo que eles foram aperfeiçoados, por exemplo, séculos depois, por um filósofo alemão como Hegel, acrescentando à linearidade desta lógica formal aristotélica, os princípios da dialética de um Heráclito de modo a apreender o que hoje chamamos de física quântica (que eles ainda não supunham existir, pelo menos não como nós hoje o sabemos, embora tivessem intuições fenomenais sobre ela, como tinham a respeito do próprio átomo, em Demócrito).


Se houvesse um conhecimento totalmente objetivo (como uma coisa), ele se daria sempre a partir de um mesmo estilo, com as mesmas variantes linguísticas, com as mesmas estruturas, com os mesmos trejeitos de linguagem. Acontece que este conhecimento puramente objetivo não existe em parte alguma (nem em um só autor, porque sua escrita varia de texto para texto e de tempo para tempo). Só se acreditarmos que o Universo é um deus panteísta e que, sendo assim, ele realmente conhece a si mesmo, sem a mediação da mente humana (e quando usa determinado indivíduo para se manifestar, está apenas usando um instrumento como outro qualquer). Mesmo assim, como é um Universo múltiplo, o conhecimento objetivo deste universo seria sempre múltiplo também. Facetas de uma mesma realidade, que se movem e se revolvem constantemente. Nada mais fantasmagórico e falso (se o universo se manifesta através de alguma mente, ele o faz de forma em que esta mente tem consciência de si mesma e não se confunde mais com o todo universal; como diriam certos filósofos materialistas dialéticos, a mente está no universo, o universo está na mente, mas não do mesmo modo que um está no outro).

Pois bem, a filosofia, ou seja, os amigos do saber pelo saber, ou seja, os que se debruçavam sobre o próprio pensar e sobre o próprio conhecer e sobre a natureza do conhecimento, não pararam em Hegel, no final do século XVIII e início do século XIX. Prosseguiram, em variadas escolas que dão fundamento aos princípios metodológicos do moderno saber científico. Por isto mesmo é que não se pode praticar ciência hoje em dia sem ter um mínimo preparo epistemológico (disciplina específica que foi se desenvolvendo no interior da filosofia para tratar especificamente do saber, mas do saber aplicado à ciência em si mesma). Por isto mesmo é que não se pode praticar história, de modo científico, sem uma base epistemológica sólida, do contrário, pratica-se literatura apenas (e foi grande o estrago de autores que vieram da teoria literária e se imiscuíram, sem terem um preparo epistemológico prévio, no fazer historiográfico, aliás, desconfio que foram eles quem inventaram esta terminologia, a de historiografia, como se a história não fosse uma ciência, mas apenas mais um gênero literário; cito os nomes de Paul Veyne e de um suposto antropólogo Clifford Geertz; teóricos da literatura, em sua formação de graduação, tidos como historiadores e antropólogos que estão na base do que chamam "pós moderno") .


Mas como não somos dados a pensar em termos religiosos, como os sábios brâmanes que acreditam nestas realidades divinas, em nosso fazer científico ocidental (filho da Grécia Antiga); é claro que não dá para sustentar por muito tempo, sem enfrentar duras contestações, tal afirmativa: "o leigo pode expressar opiniões, mas o historiador não o pode". Que o leigo expresse suas múltiplas opiniões, não é surpresa nenhuma (eles o fazem a todo o momento, mesmo sem ter nenhum compromisso com coerência e com embasamento empírico do que falam e acreditam). Entretanto, são poucos historiadores que se dão conta de que também expressam opiniões, mesmo quando estão escrevendo seus artigos científicos. Ao afirmarem que somente os leigos podem expressar opiniões, mas não os historiadores, parte-se do princípio de que a opinião do historiador é que é a mais abalizada e, na escala de valores de quem emprega tais afirmações, a melhor, a mais profissional, a verdade, enfim (nada mais preconceituoso e tecnocrático). Na verdade, sob uma mesma temática, os historiadores divergem na análise e na interpretação, de modo que nem entre eles há este saber inquestionável e supostamente técnico que não permite outras afirmações contrárias (só que é preciso dominar o instrumental conceitual, os fatos empíricos envolvidos, o saber explanativo através da linguagem e a correta fundamentação do que se diz, ou seja, da opinião; coisa que também um leigo em formação historiográfica pode fazer, se souber dominar este tipo específico de pensamento - aliás, penso que dos melhores historiadores que temos no Brasil atualmente, boa parte deles não teve formação historiográfica formal em graduação e pós graduação e talvez seja por isto mesmo que sejam melhores historiadores do que muitos que escrevem suas historiografias do alto de suas convicções historiográficas pós modernas esnobes).

Gramsci não chegou a escrever livros teóricos mais consistentes, não porque não tivesse capacidade de fazê-lo, mas porque as condições de vida em que se encontrava não o permitiram (estava preso nos cárceres de Mussolini e escrevia clandestinamente, com medo que lhe tirassem os escritos, em cadernos escolares comuns). Mesmo assim, suas intuições sobre a teoria marxista e sobre a história de modo geral (muito além do próprio marxismo dominante da época, muito contaminado pelo positivismo stalinista) ainda hoje são contribuições consideráveis à metodologia não só da história, mas das ciências sociais em geral. Ele não deve ser levado ao pé da letra, como um santo martirizado (embora sua biografia tenha muito de martírio sob a sanha fascista sim), mas um intelectual criativo e inteligente para lançar, muito para além das condições em que vivia no presídio, princípios metodológico que ainda hoje servem como norteadores do desenvolvimento das ciências sociais em várias de suas direções.


Claro, já que falamos em opiniões e opiniões, é preciso esclarecer aqui as diferenças conceituais que estão por trás deste palavreado comum (mas diferente em seu conteúdo e em sua semântica). O leigo expressa suas opiniões dentro de uma lógica própria (que deve ser conhecida e analisada pelos cientistas sociais como lógica tão legítima quanto a lógica do "especialista"; embora também deva-se conhecer suas diferenças e aceitar suas limitações) chamada de senso comum (é uma determinada lógica e pressupõe um determinado repertório conceitual e de conhecimentos empíricos sim, diferentes da lógica do senso científico, mas também legítima e também com suas próprias limitações; ao contrário do que pode parecer, por isto tem lá sua verdade, mesmo que verdade aparente, verdade parcial, verdade distorcida, mas, pelo menos para ele, verdade; mas é sempre bom não esquecer que verdade parcial e provisória sempre será qualquer tipo de conhecimento, mesmo o conhecimento científico). O historiador, com formação profissional e científica, também expressa sua opinião, mas a opinião que ele expressa é de outra natureza que não se confunde inteiramente com a opinião do senso comum do leigo. Por causa de instrumentos conceituais e de metodologia de investigação específica, que o leigo não domina, o historiador consegue penetrar em áreas desconhecidas da realidade para o leigo. Ou seja, ele vai além das aparências fenomênicas imediatas ou mediatas e consegue divisar novas fronteiras de conhecimento que estão ocultas ao conhecimento do leigo. Portanto, é uma falsa questão esta de pensar que o historiador não pode expressar opinião e que só o leigo possa. Quando se pensa assim, estamos destruindo todos os caminhos e pontes de diálogo possíveis entre o saber do leigo e o saber do especialista e isto não é só um pensamento tecnocrático positivista altamente danoso, mas um pensamento altamente anti democrático, excludente e elitista (como na mentalidade patrimonialista de parte considerável de nossos intelectuais que adotaram o positivismo porque ele se adéqua bem ao saber elitista, frio, autoritário e anti democrático).

Paulo Freire, para quem se pretende professor de historiadores, não pode também ser deixado de lado se buscamos uma fundamentação metodológica na formação de novos historiadores, não tanto pelas teorias de história que ele não criou, mas pela metodologia de como se deve educar quem quer que seja a respeito do que quer que seja. Fico pasmo ao ver como determinados teóricos em ciências sociais tentam ensinar seus alunos. Pior ainda quando percebo como é que eles concebem os conhecimentos prévios daqueles que estão à sua frente, como os que não sabem (o professor em questão é o que detém o monopólio do saber; ora, nem as crianças são estes seres que nada sabem...). As aulas de tais iluminados, arrogantemente detentores do saber, são verdadeiros suplícios que os alunos devem aguentar, se quiserem ultrapassar tal barreira para obterem seus diplomas (já ouvi aulas expositivas de três horas seguidas, sem que sequer fosse dada a oportunidade de se fazer uma simples pergunta para o professor empolgadíssimo com sua exposição).


Por isto mesmo é que há uma abismo entre a DOXA e a GNOSIS entre o leigo e o cientista social (mas não necessariamente, porque este abismo pode ser controlado por meio da dialética, ou seja, do diálogo proveitoso para ambas as partes). Embora os dois usem, praticamente, as mesmas palavras ou conjunto de palavras, o que fazem, em seus discursos, é algo inteiramente diferente. Esta diferença se dá, principalmente, por causa da semântica (dos significados discursivos com os quais tais ou quais palavras são empregadas neste ou naquele discurso oral ou escrito). Entretanto, como a ciência no ocidente surgiu com um lema de que era necessário lutar para que o ser humano tivesse, sob a terra, uma vida mais justa e mais feliz, sempre é necessário não esquecer que não se deve aprofundar o fosso entre estas duas maneiras de se pensar e viver a realidade, a maneira dos leigos e a maneira dos cientistas (afinal, todo cientista, pelo menos em algumas áreas, é também um leigo). Mesmo porque o cientista não é só cientista, o tempo todo e em todas as áreas do saber. Em muitas delas ele é somente leigo e expressa somente opiniões não especializadas, assim como qualquer analfabeto. Por outro lado, muitos analfabetos, quanto ao domínio dos signos da escrita, não o são em relação a diversos saberes que sabem com maestria muito mais do que supostos cientistas arrogantes e vaidosos de seus saberes herméticos (por isto que é impressionante como uma ciência social pouco conhecida ainda, a etnomatemática, revela saberes altamente abstratos, na geometria construtiva de barcos de origem colonial, vindo da tradição oral, em comunidades de pescadores do litoral brasileiro que são analfabetas).

Pelo menos foi isto que aprendi, também, com um intelectual italiano chamado Antonio Gramsci. Aprendi com ele que deve haver um diálogo respeitoso entre o pensamento científico e o pensamento leigo (uma pedagogia libertadora, como diria Paulo Freire posteriormente). O leigo não é um inimigo a ser abatido, humilhado ou renegado, em um debate intelectual qualquer(só porque ele não domina técnicas oratórias e de apologética). O leigo é um sujeito com a mesma dignidade do intelectual acadêmico e que participa da mesma comunidade humana que os cientistas participam e com ele tem que conviver do modo mais pacífico possível. Quando os cientistas de viés positivista e elitista demonstram seu total desprezo para com os conhecimentos leigos, mesmo de seus alunos, como se eles nada fossem, ou nada soubessem, instala-se não só as incompreensões, mas a dominação truculenta (nossa história brasileira está cheia disto, deste saber acadêmico tecnocrático que vai atropelando e tratorando todos os saberes e seres populares, em nome da especialização do conhecimento científico, tido como uma realidade melhor e bem mais situada socialmente do que os que estão debaixo da escala social e de conhecimento); mesmo que mera dominação pedagógica (era isto que Paulo Freire chamava de ensino bancário e por isto propôs sua pedagogia do oprimido, baseada em um processo dialógico respeitoso, mas transformador, em que os dois lados do processo pedagógico podem aprender um com o outro em direção a um conhecimento mais aprofundado e mais contextualizado e respeitoso).

Portanto, sou inimigo desta história de dizer que todos tem o direito de ter opinião, menos o historiador. Ora, o saber do historiador profissional, acadêmico ou não, é sim uma determinada opinião (qualitativamente diferente do que a do leigo, mas mantém com ela um mesmo elemento em comum, é também um saber provisório e parcial porque nada garante que a ciência, ao longo dos século vindouros, irá manter as mesmas opiniões de tal ou qual historiador).

Por isto mesmo é que penso que não seria mal certos professores de teoria histórica lerem, mas não de modo linear (levando o livro muito a sério ao ponto de sequer fazerem grifos ou anotações nas margens) um autor como Lukács. Pelo menos seria um rico exercício de pensar, mesmo que se refute cada palavra que ele escreve (mas refutar já é um exercício intelectual que mantém a mente viva e criativa; porque o conhecimento não vem como um fenômeno que acontece através de uma iluminação que se dá de uma vez por todas, lá atrás, quando tal ou qual professor fez tal ou qual matéria, mesmo que tenha sido há quarenta anos atrás).


O que o historiador profissional não pode fazer é emitir opiniões sem antes ter refletido e pesquisado com mais seriedade (por isto é que, anos atrás, escrevi a seguinte postagem em que dizia que havia muita opinião para pouco conhecimento no falar coxinha dos que viriam as ser os atuais golpistas que tomaram de assalto o poder em 2016). Mas o leigo consciencioso também pode fazer isto, por isto é que se fala que tal ou qual analfabeto é admirável em suas opiniões carregadas de bom senso. Ele pode não entender profundamente de todas as implicações que vão muito para além do fenômeno em si, mas entende a lógica fenomênica de como ele se apresenta empiricamente de maneira bem realista (de modo que muito analfabetos são mais doutros em certos fenômenos do que certos esnobes acadêmicos)


Alberto Nasiasene


Jaguariúna, 1 de janeiro de 2017

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