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O grande império tem suas razões que a nossa razão de Estado desconhece


As ligações entre países hoje são de vários modos realizadas. Claro, antes só havia dois modos básicos, por terra e por mar. Por terra poderia-se deslocar a pé, em cima de algum animal ou puxado por algum animal. Por mar, através de barcos e navios. Hoje as movimentações também se dão por meio do ar, como nos aviões, mas também há muita movimentação eletrônica que utiliza a atmosfera e os satélites artificiais para que as pessoas se comuniquem entre si sem saírem do lugar. Se observarmos o mapa, veremos que as comunicações via marítima ainda são muito usadas e que elas se dão muito mais no Norte Atlântico e no Norte do Pacífico, mas há uma forte corrente que sai do Brasil em direção à África do Sul visando o sudeste asiático.


Muitas vezes nos esquecemos de que vivemos em uma sociedade planetária interligada (não necessariamente interdependente como se apregoou como mantra ideológico nos anos 1990). Às vezes, temos sim países dependentes de outros, semi coloniais ou neo coloniais (realidade que a ideologia neoliberal da globalização escondia em belos discursos). Mas nem sempre os países não hegemônicos são dependentes porque podem ter sim uma autonomia bem grande face às suas próprias relações internacionais (até mesmo o caso do Afeganistão isolado, pobre e bem autônomo). Ou seja, no momento histórico atual, no início do século XXI, não podemos existir enquanto sociedade, isoladamente; mesmo aqueles países bem autônomos tem lá seus vínculos, poucos que sejam, com relação, no mínimo, a seus vizinhos. Isto é difícil de se entender em detalhes concretos, mas não impossível. Não estamos apenas falando de comércio internacional, nem de fluxo de capitais. Claro que há um fluxo contínuo de pessoas, por diversos motivos, entre vários países e continentes, mas também de energia elétrica (no nosso caso, a maior usina hidro elétrica fica entre o Brasil e o Paraguai), de combustíveis (que são também fontes de energia elétrica), de informações (de diversos níveis, desde informações científicas, até informações jornalísticas e educacionais e culturais) e alianças militares.


Uma das baboseiras mais repetidas à exaustão pela ideologia neoliberal, a da globalização, é uma das mentiras mais idiotas que se inventou para justificar negócios de uns poucos países e grupos de indivíduos mundo afora. A humanidade já nasceu globalizando-se, três milhões de anos atrás, com os australopitecos, a espécie homínida mais antiga (e nasceu na África, de onde se espalhou por todo o planeta). Portanto, nunca houve um período histórico em que a humanidade tenha se isolado intencionalmente em uma única área geográfica e, mesmo depois da dispersão dos diversos grupos de hominídios, os contatos entre estes grupos continuaram a acontecer. De modo que não seria certo pensar que só a partir do Império Romano é que isto começa a se dar com maior intensidade. Os Impérios Babilônico, Assírio, Persa, do Vale do Indo e da China já faziam isto bem antes do nascimento do próprio Império Romano. Na verdade, desde antes, no Paleolítico inferior, já havia uma movimentação intensa, para os padrões da época, é claro. Trocas simbólicas e comerciais não foram invenção de impérios, porque existem bem antes deles se estruturarem. Portanto, balela esta história para boi dormir de que foi a globalização do final do século XX quem inventou tudo isto. Sequer a globalização financeira foi inventada pelos neo liberais, porque ela já existia desde a Grécia Antiga, usando-se o metal prata que havia no mundo helênico (Atenas fez bom uso deste metal para impor seu império a outras cidades helênicas).


Por isto é que precisamos nos lembrar que não podemos viver isoladamente sem estas conexões internacionais que não começaram agora só por causa de uma ideologia superficial como a globalização neo liberal do final do século XX e que temos um fluxo maior entre as sociedades atlânticas de um lado e outro deste Oceano Atlântico que não é o maior do planeta (mas o fluxo que passa pelos outros dois maiores oceanos tende a crescer cada vez mais e mais). Cada vez mais estamos sendo puxados em direção aos fluxos existentes que passam necessariamente por dois oceanos muito negligenciados em nossa percepção sul atlântica enquanto brasileiros que somos: o Oceano Índico e o Oceano Pacífico (o Pacífico é o maior oceano existente em nosso planeta, perfazendo quase metade da superfície do planeta e só não temos esta percepção porque os mapas mundis eurocêntricos o cortam ao meio, prejudicando a visão real da situação). Na verdade, não custa relembrar que nós brasileiros já nascemos historicamente, enquanto enclave colonial português, voltados para o oceano Índico e Pacífico desde a primeira viagem desbravadora da frota de Pedro Álvares Cabral, em 1500.

O que foi a conquista ibérica senão o prosseguimento do movimento das Cruzadas e da Guerra de Reconquista (que durou oito séculos na península)? Portugal saiu primeiro na largada porque estava mais a ocidente, espremido entre a poderosa Castela e o oceano Atlântico e porque terminou sua Guerra de Reconquista aos mouros primeiro. Portanto, gradualmente, foi se lançando ao mar, primeiro explorando o norte da África mesmo (na intenção de prosseguir a Guerra de Reconquista aos mouros); depois mais ao sul do continente, roubando mercados antes controlados pelos árabes com povos da África sub saariana. Isto quer dizer que na frente do simples comércio, iam as tropas e os mercenários, mandando bala e empunhando espadas e lanças. Iam abrindo mercados na base da matança de quem resistia ao seu desejo, ou cobiça. Ou me vende, ou tomo à força.


Hoje estes fluxos não se restringem mais à navegação oceânica, como em 1500, nem às antigas rotas terrestres trilhadas por mulas, camelos e cavalos; mas também às transmissões atmosféricas e orbitais (com as ondas eletrônicas infra atmosféricas e por satélites). Portanto, o ar não é algo isolado (não só porque as massas de ar climáticas que fluem continuamente sobre nosso território não podem ser aprisionadas por fronteira alguma, mas também porque o espaço aéreo de nosso imenso país é continuamente varrido por escaneamentos abertos ou secretos de satélites que nos monitoram continuamente desde órbitas mais altas) por cima de qualquer território nacional (que, na verdade, são apenas delimitações humanas, não naturais).


Tudo passou a ser mercadoria a ser comerciada. Até mesmo a força de trabalho, transformando povos até então livres em escravos. O escravo era uma mercadoria altamente lucrativa desde o começo, mas não foram os portugueses os primeiros a comerciarem com escravos na África não, porque os árabes já faziam isto antes deles e, antes dos árabes, os romanos, fenícios e egípcios também compravam e vendiam escravos. Portanto, um comércio bem antigo.

Portanto, os instrumentos de domínio político internacional são mais amplos e mais complexos do que eram em 1500 ou séculos anteriores, mas alguns deles, como o ouro (dinheiro), continuam valendo do mesmo modo que valiam no século XV e séculos anteriores. Ou seja, um dos principais lastros econômicos que ainda existem em pleno século XXI (e nada indica que irá deixar de existir) é o lastro econômico do poderio das armas que confere ao ouro o valor financeiro que ele aparentemente tem (sem isto, ele é apenas metal dourado, bonito, que serve para fazer estátuas de deuses ou máscaras funerárias de faraós). Portugal, ao ir ao encontro do amplo mercado da Índia e China, desde a viagem de Vasco da Gama, no final do século XV, não o foi de modo amistoso e pacifista como mera aventura comercial de um povo supostamente desbravador que amava a aventura pela aventura. Nada mais falso se alguém pensa assim. Foi com navios que eram top de linha tecnológicos da época, equipados, é claro, com poderosos canhões de pólvora, avançados para a época, com os quais poderiam intimidar os futuros mercados a serem conquistados. Por mais estranho que possa parecer aos desavisados puritanos de uma falsa ética protestante do capitalismo, que nunca existiu, nem aqui nem em parte alguma do mundo, a diplomacia do canhão e do dinheiro (propinas, como se diz hoje em dia) era a política econômica empregada eficazmente no comércio externo desde sempre e nada indica que irá deixar de ser assim (como aparece nos discursos, aparentemente hipócritas, dos promotores de justiça da Vara de Curitiba; digo "aparentemente" porque não creio que seja apenas ingenuidade, mas má fé mesmo, que esconde outros interesses inconfessáveis).


Um dos mitos mais difundidos sobre os portugueses, no início do século XX, era que esta nação era feita de gente inferior e atrasada, incapaz de obter destaque internacional diante dos povos anglo saxônicos. Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre, na década de 1930, já haviam demonstrado que os portugueses não eram nada disto. Poderiam ter lá seus vícios e defeitos, mas não eram inferiores aos ingleses e franceses. Ao contrário, em muitos aspectos, eram até mais avançados do que estes últimos. Por exemplo, este foi o caso do grande avanço naval que os portugueses desenvolveram bem antes dos franceses e dos ingleses e também a exploração de um amplo território ao sul do continente europeu, a África, que foram os portugueses os primeiros europeus a explorar sistematicamente, abrindo caminho para a posterior exploração comercial de países como a Inglaterra, França e Holanda. Neste quesito, foram os portugueses a vanguarda europeia no século XV e XVI. Por incrível que pareça, a decadência deste império português prematura se deu mais devido a um monarca que era originado da Europa Central, Felipe II, e que, ao invés de cuidar de seus domínios ibéricos, gastou todos os seus recursos econômicos com guerras (pagando exércitos de mercenários com a prata e o outro obtido nas colônias da América) contra os holandeses e com a tentativa de invadir a Inglaterra (o grande desastre militar que foi a Derrota da Armada, em 1588 para a Espanha está na base da ultrapassagem dos ingleses, lá atrás, face às potências ibéricas; mas isto não foi culpa dos portugueses).

É impressionante ver como o emprego do ouro e da prata, nas relações internacionais, acompanhados do canhão e da pólvora (posteriormente, dos porta aviões e dos mísseis), são negligenciados nas visões puritanas de supostos agentes da moralidade pública em atuação numa suposta cruzada de moralização da coisa pública no Brasil depois de 2014 (muito bem remunerados com o que vem do fisco da viúva, dos órfãos e dos estrangeiros, como diriam os profetas do Israel Antigo). Aliás, este termo, "moralizar" a administração pública e a economia é muito hilário, se não fosse trágico, porque é um sintoma de que uma política de fachada carola e moralista, udenista, conhecida no Brasil, em pleno auge da Guerra Fria; especialmente entre o período de 1945 a 1964, quando vivemos uma fase de redemocratização no Brasil; está sendo empregada mais uma vez (usando os mesmos pretextos falsamente religiosos, como fachada, os mesmos das tais cruzadas na Idade Média). Não há nada mais imoral e violento (dependendo do ponto de vista, bandido é sempre o que está no lado adversário) do que as relações comerciais internacionais desde muito antes do período das navegações oceânicas modernas, no alvorecer de nosso atual mundo (aqueles que eram chamados de corsários, por sua majestade, eram tachados de piratas, pela majestade rival). Desde antes, por exemplo, no período das "sagradas cruzadas" que usavam a ideologia cristã para acobertar também a cobiça pelo ouro, pelas especiarias, sedas e comércio lucrativo com o Oriente, a história não foi lá tão de acordo com o catecismo oficial das ideologias burguesas e da nobreza guerreira de ambos os lados do Mediterrâneo (porque também não se pode idealizar a burguesia e nobreza muçulmana, muito menos a que estava para além do mundo muçulmano que só ia até as imediações da Índia e Indonésia).

O ouro deixa de ser mero valor de uso, para se tornar o mais importante valor de troca, devido a várias características, entre elas o trabalho enorme que dá para ser encontrado e minerado. Segundo a geologia, há dez vezes menos ouro na crosta terrestre do que prata. Além disso, o ouro é encontrado de modo mais pulverizado do que a prata (nenhuma montanha de ouro foi encontrada que se possa comparar com a montanha de prata de Potosi); o que torna sua mineração muito mais difícil do que a da prata. Ele passou a ser preferido face à prata também por causa de sua maleabilidade, sua ductilidade, sua resistência a oxidação etc. Entretanto, não há um valor intrínseco ao ouro, como o senso comum pensa. Ele serve como moeda de troca, ou bem que equivale, por causa da quantidade de trabalho implícita na sua obtenção, na sua confecção e manutenção porque é o material mais durável que se encontrou nestas condições que ele apresenta. Ou seja, é o trabalho que ele representa e pela quantidade de trabalho que ele tem acumulado em si mesmo são feitas as comparações que chamamos de transações comerciais. Mas, antes do ouro ser usado como valor de troca, havia outros objetos que eram utilizados com este fim (ou, quando não havia objetos que serviam de comparação entre terceiros, havia a simples troca de objeto a objeto a partir da equivalência de trabalho que eles podiam estabelecer entre si). Hoje a moeda que se usa é em papel e o princípio continua o mesmo, já que não há lastro em ouro para o valor declarado nas moedas, como muitos equivocadamente supõem. Portanto, o que dá lastro ao valor do papel moeda são as armas e o poder militar de impor este valor que somente Estados modernos com forças armadas poderosas conseguem (se o dólar é o que é, isto se dá graças aos portas aviões, mísseis e demais armamentos da superpotência). Entretanto, há que se levar em consideração muitas variáveis de equilíbrio econômico que não se restringem meramente ao poder das armas. Mas, sem o poder das armas, não há valor garantido. Entretanto, em última instância, é o trabalho que cria o valor e sem ele não há sequer sociedade organizada, muito menos economia. Estes processos quantitativos e comparativos nunca foram automáticos, existentes por si mesmos, como alguma lei da natureza, porque, antes deste fenômeno acontecer, eram relações de poder e força que se estabeleciam primeiro entre parceiros diferentes, de modo que nunca existiu uma economia desprendida das relações sociais que os homens estabelecem entre si e com a natureza (nem na época do australopitecos). Se não houvesse humanidade, o ouro não teria valor algum, seria apenas mais um mineral como outro qualquer, inerte. Valor, em todos os sentidos, é algo que os seres humanos estabelecem entre si, mas não de modo absolutamente arbitrário e simbólico, como pode parecer aos idealistas-espiritualistas. Este valor tem a ver com o esforço físico dispendido em todo o ciclo de obtenção e produção de ouro (as características físicas e químicas do ouro, como metal, são só aspectos acessórios em relação ao trabalho que se emprega para obtê-lo e cunhá-lo).

Vejam que as caravelas e naus portuguesas, que desbravaram os mares em busca de uma suposta dilatação da fé do rei sereníssimo de Portugal, usavam as cruzes gamadas das Cruzadas (no caso, da Ordem de Cristo), como ideologia oficial. Mas sempre misturando valores mundanos com os supostamente divinos, porque nunca escondiam que iam em busca de abrir o comércio, para si, é claro (do mesmo modo que falavam os norte americanos em abrir os mercados do mundo, das amarras protecionistas, para favorecer a economia norte americana, no final do século XX, evidentemente, não as economias dos países que lhes abriram as portas indiscriminadamente, como o Brasil de Collor). Depois da Queda do Muro de Berlim, simbolismo criado para construir outros muros e fortalecer os já existentes (como o Muro do México-EUA; para impedir a imigração latino americana no suposto paraíso que são os EUA). Agora a bandeira da evangelização mundial (mas não ao ponto de criar uma Pax como a romana, porque os fundamentalistas evangélicos norte americanos pensam que a Pax é a senha do Anti Cristo que trará o fim dos tempos) foi tomada à força pela grande nação do norte, suposto sonho americano (mas suposto sonho americano que não consegue explicar a desgraça do bairro Harlem, em plena Nova York).

No mundo nada admirável nem novo que a ideologia neo liberal globalizante criou, novas formas de escravidão começaram a ressurgir desde o final do século XX. Vergonhosas formas de escravidão para uma ideologia supostamente liberal (liberal e liberdade são equivalentes? Para todos em igual medida?). Navios negreiros, por incrível que pareça, estão ressurgindo nos oceanos, mas para transportar todo tipo de escravos que não têm mais somente pele negra, mas asiática, latino americana, árabe, indiana, chinesa etc.


Ou seja, a corrupção (entendida de mil maneiras e traduzida de mil formas possíveis, em milhares de palavras eufemistas) sempre foi e continuará sendo praticada como método de poder econômico, diplomático e militar como sempre foi (um dos métodos de ação adotados pela CIA, é só conferir em séries de TV tais como NCIS ou CSI, por exemplo, é o dinheiro norte americano, dólares, propinas, como são conhecidas na Vara de Curitiba). Por onde lançarmos nosso olhar historiográfico analítico, veremos que o braço da corrupção diplomática precede as relações de guerra e tratados de paz e é ela que vai construindo, passo a passo, os dutos por onde correm a riqueza das nações (antes eram seda, especiarias, escravos, hoje petróleo, soja etc.). Mas, no fundo, sempre, para além das aparências das relações sociais de poder econômico, há uma realidade de fenômenos mais essenciais que dão valor ao ouro e à prata e podem usar a pólvora e o canhão: o trabalho que cria, na agricultura, na criação de gado, na coleta de frutos das florestas, campos e savanas, no artesanato e na indústria (e nos exércitos, aeronáuticas e marinhas) riquezas. Portanto, estamos sempre diante da mesma questão: a exploração do homem pelo próprio homem, só variando a forma em que ela se dá.

Por incrível que pareça, o tráfico oceânico que hoje seria considerado sul-sul foi o principal tráfico nos séculos XVI e XVII e Portugal e Espanha eram as potências europeias que dominavam esta geopolítica sul atlântica, caribenha e oriental (Índico). Não é uma invenção do século XX. Não por acaso, o Brasil ainda mantém seus vínculos com a África e o Oriente, porque estes vínculos prendem-se a raízes históricas bem antigas em nossa história. É como tentar tapar o sol com a peneira, impedir que o Brasil cumpra sua propensão natural para se relacionar com o sul atlântico (e só na cabeça de ideólogos fanáticos sem noção e bom senso é que se pensa que isto é possível, impedir que o Brasil seja um país sul atlântico reprimido pela OTAN). O Atlântico Sul sempre foi nossa praia, inclusive porque nosso litoral, um dos maiores do mundo, está todo voltado para o Atlântico Sul.

Ao longo da história, no fundo, é o trabalho livre, tribal, ou trabalho escravizado, antigo, moderno, socialista ou pós moderno que está sendo disputado pelas nações, por meio da corrupção, do canhão, do domínio político e construção de impérios hegemônicos e contra hegemônicos. Nada de novo sobre a superfície deste planeta. Isto é, a Queda do Muro de Berlim não representou o fim de todas estas investidas promovidas pelas nações, ou grupo de nações (como no caso da União Europeia), em torno da disputa da riqueza produzida pelas nações. Os EUA conseguiram impor sua estratégia, momentaneamente, do ponto de vista histórico (porque é bom lembrar que a história nunca acaba enquanto houver humanidade), por meio da tática de negociação com o, até certo ponto ingênuo, Gorbachev, de aniquilação do inimigo maior da Guerra Fria, a URSS, por meio de uma estratégica de desmoronamento interno do inimigo (com a colaboração, até certo ponto ingênua e ativa, de uma figura execrável como a quinta coluna interna do Gorbachev, o Yeltsin); mas não conseguiram eliminar a China milenar que, aos poucos, ao contrário do que aconteceu com a antiga ex URSS, vai ganhando o peso que sempre teve, na verdade, muito antes de aparecer o capitalismo industrial no planeta, o de atrair toda a Europa e mundo ocidental para a sua força gravitacional de atração econômica.

Nossa relação com o Oriente é mais fácil do que a relação que a Europa mantém com ele. Não por acaso, os portugueses foram quem estabeleceram isto desde o século XV. Não temos massas enormes de terras entre nós e a Índia, ou China, por exemplo. Muito menos povos inimigos que obstaculizam nosso percurso por terra, como tinham os italianos de Veneza e Gênova depois da tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453. Não temos que pagar pedágios encarecedores dos produtos da antiga rota da seda, porque nosso acesso ao Oriente é direto pelo mar, desde que surgimos como colônia portuguesa em 1500.


Não por acaso, no inconsciente coletivo norte americano, é à China que se atribui o papel de grande potência simbólica da Guerra do Armagedom, no Fim dos tempos bíblicos, previsto no livro do profeta Daniel, Isaías, Ezequiel, Jeremias ou Apocalipse. Os teólogos-ideólogos norte americanos, como Hal Lindsey, por exemplo, atribuem a este país a figura maligna, simbólica, do Império que virá, pelo norte, atingir Israel nos tempos finais e na batalha do fim dos tempos (quem sabe, a guerra atual da Síria seja só uma ante sala do Armagedom na mente doentia desta gente fanática). Talvez seja por isto que os EUA vejam a Síria do modo que estão fazendo nesta guerra de loucos que acontece desde o final da suposta "primavera árabe" internética. Se deram mal, porque pensavam que seria fácil derrubar o governo da Síria; como foi fácil derrubar o governo da Líbia e da Tunísia. A Síria não caiu facilmente e, ao contrário, tornou-se um incêndio perto demais da Europa do século XXI (porque não estamos mais nos tempos das Cruzadas em que tudo era muito distante dos castelos medievais e das aldeias de servos e burgos existentes na Europa central). Também não parece que estamos indo em direção ao Armagedom, só se for o Armagedom do declínio inevitável do super poderio da única superpotência sobrevivente à Guerra Fria (algo de bem obsoleto hoje em dia em plena segunda década do século XXI).

Nossa ligação com o Oriente Médio é feita de modo inverso ao da Europa. Ou seja, não é através do Mediterrâneo, mas através do Oceano Índico. Portanto, é uma rota muito mais livre e fácil de ser trilhada, como sempre foi desde 1500 (tanto que o navegador português Pedro Álvares Cabral veio aportar no litoral do atual estado da Bahia para poder alçar velas, finalmente, para atingir a Índia, seu objetivo final de viagem). Por isto é que nossa ligação com a Índia é tão antiga quanto a existência de nosso país (sem contar com o fato de que nossos povos indígenas vieram, em sua maior parte, da Ásia, milênios antes dos primeiros europeus pisarem por aqui). Não por acaso, a Ásia está inscrita no DNA de nossos povos originários. Do mesmo modo, está inscrito no DNA de nossa história.

Este impasse da Síria, que sangra os EUA sem parar, depois das duas "gloriosas guerras" do Iraque e do Afeganistão (que não param de derramar recursos norte americanos sem parar, como Filipe II na Espanha fez, para manter seus domínios na Europa Central sob sua autoridade, esvaindo toda a riqueza que a Espanha obtinha das Américas). Obama em vão prometeu a retirada dos americanos destas guerras, mas não será possível, porque não era e não é possível, a não ser em discursos. Se por um lado, para os EUA, pelo menos desde a Primeira Guerra Mundial, a guerra, em si mesma, é um negócio altamente lucrativo (afinal, lucra-se com a poderosa indústria armamentista que é não só acionada, mas que permanece continuamente azeitada, enquanto se esgotam as munições no campo de batalha continuamente; o que quer dizer que quanto mais usarem armas, mais elas precisam ser fabricadas e vendidas, com lucros fabulosos para a indústria armamentista); por outro, a guerra tem sempre um custo social e fiscal interno para o povo que a patrocina (independentemente de que o povo tenha ou não algum poder de decisão sobre os destinos da guerra e de que a própria guerra hoje em dia está sendo terceirizada de mil maneiras, inclusive com uso de mercenários voluntários). Uma guerra contínua por demais demorada, que consome sempre, cada vez mais, recursos humanos e econômicos de um país, tem um preço que vai se tornando cada vez mais alto (não por acaso o povo soviético não estava mais conseguindo pagar o altíssimo preço de manter a Guerra Fria com o outro lado do Atlântico e este foi o calcanhar de Aquiles que os EUA souberam muito bem utilizar para derrotá-los por trás das trincheiras). Agora está chegando a conta para os próprios EUA (como também chegou a conta da reunificação da Alemanha, depois da Queda do Muro de Berlim, para a antiga Alemanha Ocidental; conta que ela está repassando para o resto da Europa). Não se é super potência supostamente vencedora, polícia do mundo, impunemente (louco, esta noite te pedirão tua vida, diria um certo profeta tão cultuado pelos norte americanos; ninguém pode ganhar o mundo e perder sua alma, angústia eterna do protestantismo norte americano).

Os jogos de poder dos norte americanos, mesmo quando utilizam de Facebook ou Twitter para, de longe, planejarem e atiçarem supostas revoluções, são mortais (aliás, parece que eles gostam mesmo de filmes e videos games com estes nomes). É perfeitamente constatável que chamaram a primeira Guerra do Iraque de guerra vídeo game. Vídeo game mortal para populações inocentes, como este menino sírio resgatado pelo policial turco. Nada divertido esta brincadeira de vídeo game. Não dá para aceitar tudo isto acriticamente em pleno século XXI. Além disso, não há vídeo game que consiga resolver problemas milenares nesta região que os norte americanos jamais vão entender direito, porque não vivem por lá como estes povos e não os respeitam como deveriam, em sua suposta política de proteção ao suposto mundo livre. Proteção a quem e mundo livre para quem? Para estes civis e este país devastado pela guerra que já dura mais do que a II Guerra Mundial durou é que não há nada de divertido e é tudo muito revoltante sim. Talvez a Alemanha possa entender o que isto representa, porque, ao final da II Guerra, ficou assim como está hoje a Síria (mas a Síria está assim há muito mais tempo do que a Alemanha ficou, já que a Alemanha só ficou toda destruída no final da Guerra, a partir de 1944).

Para desespero dos escatologistas teólogos-ideólogos norte americanos, as imagens bíblicas, principalmente presentes no livro do profeta Daniel, indicam que nenhum Império dura para sempre e o deles pode estar dando os primeiros sinais de esgotamento com a longa guerra iniciada com o mundo árabe desde 2001. Afinal, já são dezesseis anos contínuos de guerra em um conflito que não parece que terá um fim previsível tão cedo (durante a história, guerras podem ser travadas por um século inteiro, ou mais, como a famosa Gerra dos Cem anos entre Inglaterra e França ou a Guerra da Reconquista ibérica); já que escatologia por escatologia, os muçulmanos fundamentalistas também são movidos por estas ideologias teológicas fantasiosas, só que no sentido inverso e oposto aos dos fundamentalistas norte americanos protestantes. Ao contrário da Guerra Fria, que era um conflito ideológico entre comunismo e capitalismo, a atual guerra ao terror fundamentalista islâmico é movida por raízes irracionais muito profundas que remontam à Idade Média e, como nos longuíssimos conflitos dos árabes com os ocidentais de então, não parece ter um horizonte histórico a ser descortinado em período de existência de império algum (eles viram impérios surgirem e caírem nestes longos séculos de lutas). No saldo final, os árabes venceram, pelo menos não deixaram de ser árabes, nem perderam sua religião num processo de conquista territorial europeu que se esgotou por falta de forças para continuar. Quando veio a colonização europeia no final do século XIX, já era tarde para vencê-los definitivamente em seu próprio território, mesmo depois de prolongada ocupação (os tempos atuais estão aí para demonstrar que a cultura árabe não foi vencida em tempo algum).

Um povo que dá suporte a guerras como estas, não pode ser um povo que é guardião da liberdade e mundo livre. Deus que nos livre da liberdade de mercado que os americanos apregoam por meio de suas guerras. Que adianta estarmos mortos, termos nossas cidades destruídas, nossa economia em frangalhos, para que esta ideologia desumana do neo liberalismo supostamente globalizante venha nos salvar. Precisamos ser salvos é desta ideologia destruidora.

Por isto penso que precisamos levar este contexto internacional em consideração, ao analisarmos o golpe de Estado de 2016 no Brasil. Ele não é fruto da Guerra Fria do século XX, mas deste contexto em que o grande império Anglo Saxônico do Norte da América nos via com preocupações geopolíticas estratégicas (já que nos aliamos economicamente à China, à Rússia, à Índia, fechando o Atlântico Sul, com a aliança com a África do Sul também). O Mare Nostrum deles, o Caribe, ficou seriamente comprometido com o governo bolivariano do Chavez (com a ameaça de perderem o fornecimento abundante de petróleo, como depois da Guerra do Yom Kipur que gerou a grande crise econômica de meados da década de 1970), juntando-se à ferida que Cuba sempre representará para a memória coletiva dos norte americanos.

Era evidente para quem via os acontecimentos a partir de horizontes históricos mais amplos, que os norte americanos não viam com bons olhos o protagonismo do Brasil entre os árabes (com cúpulas de países árabes ocorrendo no Brasil e ampliação de negócios entre o Oriente Médio e norte da África com o nosso país), muito menos a ousadia e ingenuidade do Lula se propor como negociador entre o Irã e os EUA na questão nuclear (não por acaso deram o bolo para o Lula; que se deixou levar por esta ilusão de que o Império do norte iria se permitir atropelar por um país que até bem pouco tempo tinha como seu mero quintal hemisférico). Pior ainda, depois da aliança dos BRICS, veio a criação de um banco rival ao banco hegemônico surgido no pós guerra, FMI e Banco Mundial; o banco de desenvolvimento dos BRICS surgido a partir da assinatura da criação na cidade brasileira de Fortaleza. Se tudo isto ocorreu livremente, foi porque os EUA estavam muito ocupados com sua guerra infindável contra os fundamentalistas muçulmanos no Iraque e no Afeganistão e não tinham tempo de tratar das questões domésticas e relativas ao seu quintal hemisférico (e o Chavez, inebriado com o aparente poder que alcançou, não percebia nada disto, provocando o quanto podia, em discursos inúteis, o grande Império, estribando-se no preço do petróleo que chegava a 100 dólares o barril; nem suspeitando que a influência norte americana sobre a Arábia Saudita iria fazer o preço do petróleo desabar com a super produção mundial contínua; ao contrário do que ocorreu após da Guerra do Yom Kipur).

Bem sabem os ingleses que um Império, por mais poderoso e longevo que seja, um dia cai. Sabem também que o Oriente não é coisa para amadores e nações jovens como as europeias. É coisa de doido que não consegue ser controlada por muito tempo; porque o ritmo histórico ali é bem outro do tal capitalismo industrial recente na história da humanidade. Não por acaso são conhecidas as nações orientais como pacientes na guerra, nas táticas e nas estratégias de enfrentamento, sobrevivência e resistência face ao invasor ocidental. Sabem que, paradoxalmente, os supostos vencedores ocidentais são, ao mesmo tempo, muito ousadamente convencidos de seu aparente poder e superioridade, mas vêm ao encontro das tão cobiçadas riquezas criadas no Oriente desde antes do Império Romano. Portanto, sabem que a Força está com eles (como diria um personagem de Guerra nas Estrelas).

Mas podem ficar tranquilos, o Brasil não é páreo para eles, nesta guerra infindável, porque nossas pretensões sempre foram muito mais modestas. Já nascemos voltados para o Oriente, mas em favor da Europa e norte Atlântico, sofrendo as agruras da escravidão e as dores que ela ainda nos causa. Por isto, nossa principal aspiração, ainda hoje, é nos ver inteiramente livres das consequências que o escravismo nos causou e, portanto, nosso impulso por desenvolvimento autônomo em nada se parece com o impulso de outros Impérios conquistadores da história do Norte Atlântico, nem de longe com a arrogância imperial dos norte americanos. Por isto mesmo, bem ou mal que seja, estamos sempre nos reerguendo destas disputas norte atlânticas; porque somos formados por outro amálgama de povos e recursos que nada se assemelham a estas riquezas cobiçadas por europeus e asiáticos por tantos milênios seguidos. O destino nos reservou a descoberta do petróleo abundante na camada pré sal de nossa plataforma marinha, mas a riqueza que queremos auferir com este petróleo que se esvai, como se esvaiu o ouro, não tem intenção de ser empregada em bravatas contra o irmão arrogante do norte (muito menos com a imprevidência do rei vaidoso de seu poder dinástico inútil, Felipe II, que gastou toda a sua prata, vinda da América, com guerras de oitenta anos, inúteis, contra os holandeses). Não pretendemos substituir o poderio deles, mesmo porque nossas ambições são outras.

Nossas ambições são outras, porque o único Império que vivenciamos foi o da única monarquia existente nas Américas, mas só até o final do século XIX. Nosso povo nem é de maioria europeia, por mais que nossa elite dominante e colonizada se pense como branca. Nossas raízes estão firmemente plantadas em nosso solo, por meio da forte herança indígena, e em solo africano, por meio da forte herança africana. São estes sujeitos sociais, sempre negligenciados e oprimidos em nossa história de meio milênio (eles mesmos escravizados), que estavam emergindo com força social libertadora durante a Era Lula e Dilma. Não são, portanto, raízes que oferecem, para o irmão do norte, nenhum risco de disputar, de igual para igual, mercados, áreas militares de influência, hegemonia mundial. Temos enormes feridas internas que ainda não foram saradas que queremos curar primeiro, antes de pensar no mundo (porque a dor interna ainda é mais forte a tal ponto que mal temos tempo de pensar no mundo). Por isto nossa relação com o mundo é sempre solidária, mas limitada, porque nosso campo interno é muito amplo ainda e há muito o que se fazer dentro de nossas próprias fronteiras conosco mesmo.

Sabemos sim, por causa de nossa longa história de meio milênio, que não é o ouro, em si mesmo, nem o petróleo, que faz de uma nação rica e soberana. Fomos colônia explorada de um modo que os EUA nunca o foram. Tivemos ouro, fazendas (como diria um poeta mineiro muito conhecido; mas Itabira é apenas um quadro pendurado na parede...); temos agora petróleo. Mas isto nada quer dizer para nosso povo se não for investido internamente em favor dos menos favorecidos, como estabelecemos, enquanto sociedade, em 2014, no Plano Nacional de Educação (de que o petróleo seria a grande fonte de financiamento da alavancagem da educação de qualidade de nosso povo, com a previsão de investir 10% de nossa economia em educação). Já conhecíamos os exemplos históricos de países aliados dos EUA, tais como Japão e Coreia do Sul (que nunca foram ricos em recursos naturais, entretanto, se desenvolveram porque investiram pesado na educação de seu próprio povo) e fizemos nossas políticas públicas adequadas ao nosso contexto, mas pensando nos resultados alcançados por estes dois países asiáticos, por exemplo (nem foi a China que nos serviu de exemplo, mas a Coreia do Sul e o Japão).

Um Brasil desestabilizado, na América do Sul, dilacerado por disputas internas, em ruína econômica, de nada servirá de proveito estratégico para os EUA, em meio a sua longa e infindável guerra no Oriente Médio. Só será mais uma frente de batalha a desperdiçar recursos humanos e financeiros, dispersando o que se pode empregar em objetivos mais importantes para a geopolítica norte americana. Aliás, pode até ameaçar desestabilizar internamente os próprios EUA, como em outros momentos históricos, como a longa e desgastante Guerra do Vietnã, seguida da crise do petróleo depois do Yom Kipur fez. Imaginem o aumento da onda de emigração de brasileiros para os EUA (como já está acontecendo em relação aos países ibéricos depois do agravamento desta crise traiçoeira e desnecessária que estamos vivenciando desde 2015 por causa do boicote dos perdedores da última eleição de 2014)... Não vale a pena, além do mais, porque as forças políticas que não são necessariamente puxas sacos ideológicos dos norte americanos, como o são os segmentos golpistas anti democráticos, derrotados em 2014, mas que tomaram o poder para implantar o programa econômico derrotado nas urnas, a partir de 2016, portanto, que tomaram à força o poder, via parlamento, em 2016, já têm bastante experiência de lutas democráticas aprendidas, inclusive, com os norte americanos (Martin Luther King, por exemplo e os Democratas de diversos matizes). O Brasil já não é mais o mesmo que era na época da administração Kennedy, no início dos anos 1960, por diversas razões (consultem seus próprios historiadores especializados na história brasileira, aqui conhecidos como brasilianistas...).

Não podemos deixar que nosso país se torne um imenso campo de refugiados em uma economia destruída por uma guerra interna desencadeada por camadas minoritárias da sociedade brasileira que não têm amor nenhum por esta terra. Sempre fomos um povo acolhedor e trabalhador e é muito triste ver o que estão fazendo conosco.

Por isto é que esperamos que vocês, do norte de nosso continente, não continuem dando apoio à interrupção de nossa democracia que estava em amadurecimento até 2016. Se assim o fizerem, sofrerão também as consequências desnecessárias, afinal, um país grande e populoso como o nosso é muito mais do que a Síria para a Europa. É uma bomba muito grande e muito perto de vocês para ser negligenciada. Não manchem sua própria história, como fizeram em 1964. A turba corrupta que tomou conta do poder, por meio de estratégias obsoletas de uma Guerra Fria que nem existe mais, neste século XXI, não vale o quanto pesam em energias dispendidas com eles. É contra producente demais... Alberto Nasiasene Jaguariúna, 28 de julho de 2017

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