Ser brasileiro, mestiço, é condição nobre e antídoto contra o fascismo
Antes eu pensava que somente minha família era a que tinha este sobrenome que trago comigo, mas, em tempos de internet, descobri que há outras pessoas, Brasil afora, que também tem o mesmo sobrenome; mas, aparentemente, não mantém nenhuma relação com minhas origens.
Posso falar algumas coisas sobre a origem histórica de meu sobrenome, mas o nome, em si mesmo, não quer dizer nada. Ele foi um sobrenome adotado. Portanto, famílias com este mesmo nome não estão ligadas necessariamente entre si por parente comum em um mesmo tronco genealógico.
Quanto a mim, meu nome vem de meu avô o coronel Ademar Naziazene (coronel PM e do Exército também; porque ele entrou para a carreia militar na década de 1920 e fez curso no exército no Rio de Janeiro), que nasceu em Alagoa Grande, Paraíba, em 1908, cidade onde também nasci, em 1960. Ele participou de eventos históricos importantes para a história brasileira. Por exemplo, se é que isto seja heroico (depende do ponto de vista, porque o vilão pode ser considerado o herói pelo outro lado): combateu a Coluna Prestes, em 1927; participou da Revolução de 1930 (ao lado das forças getulistas, depois da morte de João Pessoa, que era o vice presidente da chapa de Getúlio Vargas); da chamada Revolução de 1932 (vindo combater as forças paulistas até sua rendição, em Jundiaí), ao lado das forças legalistas e getulistas; a chamada Intentona Comunista, em Natal, para onde foi deslocado de João Pessoa e comandou forças em terra, na capital da Paraíba, que ficavam de prontidão, esperando serem enviadas, caso fosse preciso, para o front da guerra na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial (ele foi promovido a coronel do Exército por JK, que também era oficial médico da PM de Minas Gerais, e perseguido pelo governador udenista da Paraíba, na década de 1950, José Américo de Almeida; o ministro da justiça que deu apoio a renuncia de Getúlio antes dele decidir pelo suicídio). Aposentou-se, ou, como dizem no jargão militar, reformou-se, no mais alto posto da PM paraibana, que é o de coronel, já que não existe general na PM, patente que vem acima da de coronel. Portanto, nas Polícias Militares brasileiras, coronel é a patente mais alta, não havendo generais PMs porque, no fundo, as PMs são exércitos subordinados às Forças Armadas. Esta situação remonta ao período colonial e à Idade Média portuguesa em que não havia um exército profissional permanente (só em situação de guerra). Ao contrário do que muitos pensam, tenente coronel não é uma patente superior à de coronel, porque vem antes de coronel, major antes de tenente coronel, capitão antes de major e capitão vem depois de tenente. Portanto, capitão e tenente são as duas mais baixas patentes de oficiais. Sargento não é oficial, cabo e soldado também. São os escalões mais baixos na hierarquia militar.
Em qualquer exército ou força militar, predomina, apesar da hierarquia, certa valorização do mérito e coragem (por isto há medalhas, por bravura e promoções de patentes, por mérito e honra em ação). Meu avô não se tornou coronel por acaso, embora tenha se destacado, por mérito militar, em ação, nos acontecimentos históricos de que participou. Tornou se coronel porque estudou para isto. Ele fez cursos, na década de 1920, logo quando entrou na carreira militar; primeiro, no exército, no Rio de Janeiro, quando esta era a capital do país, ainda durante a República Velha e, depois, dentro da PM paraibana e seus convênios com as forças armadas. Isto quer dizer que sua carreira consistiu em uma longa jornada que não se deu por apadrinhamento (mesmo durante a República Velha). Reformou-se com uma longa fé de ofício (onde vi estes feitos anotados, em grafia escrita a mão, pela corporação militar onde permaneceu na ativa; depois de ter feito curso militar na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro). Não há desonra anotada em sua fé de ofício, nem insubordinações hierárquicas, como certo capitão de exército, muito cotado, pelos leigos, para assumir o posto maior de comando do governo civil, sendo, automaticamente, comandante em chefe das Forças Armadas brasileiras, como diz a Constituição de 1988. Este capitão da reserva, baixa patente, como dizia o ex general João Baptista de Oliveira Figueiredo(referindo-se ao caso do Rio Centro em que um capitão morreu com a bomba no colo, ainda dentro do carro), disputa o eleitorado de extrema direita com um empresário paulistano que se elegeu prefeito de São Paulo. Segundo consta na imprensa da época, Revista Veja, por exemplo, foi ele que mandou colocar bombas em quartéis contra o ministro do exército, general Leônidas Pires Gonçalves, da administração Sarney, logo depois da redemocratização, no final da década de 1980. Segundo critérios vigentes, estas ações são consideradas terrorismo tanto naquela época, quanto hoje (imaginem então, este político, ex militar, de baixa patente, assumindo o comando do país, como o cabo Hitler: o que vai fazer? entregar o comando do país ao Pentágono?).
Os dois candidatos da extrema direita, o capitão e o empresário de marketing, aliados, por incrível que pareça, a setores de extrema direita evangélicos (uma contradição teológica inescapável), especialmente das Assembleias de Deus, estão querendo encarnar a candidatura mais à direita que o Brasil já teve em quase um século (Plínio Salgado, o fascista brasileiro da década de 1930, foi afastado, depois de 1937, por Getúlio Vargas, na implantação do Estado Novo, que está mais para o Estado Novo de Portugal, do que para a Alemanha nazista, ou Itália fascista). Esqueceram que o mundo já não é mais o mesmo da Era Entre Guerras em que o fascismo floresceu no centro da Europa e o Brasil jamais teve raízes culturais, políticas, sociais e históricas que pudessem fazer com que o fascismo se enraizasse entre nós. A começar com o fato de que somos um povo mestiço, com forte componente de afro descendentes e fomos uma colônia de Portugal, mas jamais tivemos império colonial nenhum a preservar ou reavivar (como no pretendido revival colonialista da Alemanha, Itália e Japão de Hitler, Mussolini e Hiroito).
Além do mais, mesmo a ditadura militar brasileira, implantada em 1964, tinha alguns princípios que se distinguem dos movimentos sociais de extrema direita de agora, 2017: eram contra uma ditadura pessoal (por isto se caracterizaram como uma ditadura militar, não personalista, como no Estado Novo e como na Itália e Alemanha, com o revezamento do poder entre generais diferentes, servindo como "presidentes por tempo limitado e sem direito a reeleição") e tinham duas alas econômicas, uma mais liberal, outra mais nacionalista, mas ambas não se encaixam no atual figurino neo liberal que as duas candidaturas de extrema direita defendem (na verdade, quanto ao capitão, ele nada sabe sobre economia e o tal empresário só conhece mesmo é a ilusão marquetológica, muito mais do que administrar uma economia pesada e complexa como a brasileira...). A ala castelista, do ministro Bulhões e Mário Henrique Simonsen (que fez uma reforma tributária que seria impensável para os atuais neo liberais), mais liberal (mas nem tanto assim) e a ala nacionalista, do Delfim, do Médici e do Geisel (este, um misto entre as duas alas). No período Médici, houve intervenção brutal do Estado na economia (ao contrário do que diz a cartilha neo liberal) e no período do Geisel, supostamente mais liberal, foram criadas muitas empresas estatais (para escândalo do capitão de agora, que nem entende de política econômica e defende a ditadura militar; só que a ditadura militar brasileira não era nada neo liberal e não se encaixava neste padrão de pensamento defendido pelos seus seguidores hoje).
II
Foi por causa de meu avô militar que meu pai foi para Brasília, mas antes do golpe, em 1963 (e, até onde sei, meu avô nada tem que ver com as conspirações contra o governo Jango; porque já estava aposentado, na reserva). Meu avô já estava em Brasília, tanto porque tinha ligações pessoais com JK (de gratidão e lealdade), quanto porque era muito amigo do senador Rui Carneiro (antigo interventor getulista na Paraíba), na época, filiado ao PSD e, depois, por causa do golpe de 1964, um dos fundadores do antigo MDB da Paraíba (foi um dos primeiros senadores da bancada do antigo MDB logo que ela surgiu, com a extinção dos partidos e criação da ARENA e MDB).
A grafia do nome de meu avô era diferente da minha, por causa de erros de cartório (os filhos de meu avô também têm grafias diferentes, porque o filho mais velho de meu avô, se não me engano, tem o sobrenome grafado como Naziazeni, com a letra i no final, enquanto que os outros filhos de meu avô, meus tios, inclusive meu pai, tinham a grafia que eu uso em meu nome, que recebi de meu pai). Mas tenho primos em Brasília que são os que usam outro nome, se não me engano, o Naziazeni ou Nasiaseni (são filhos do irmão mais velho de meu pai, Garibaldi). Um deles mora em Miami (mas não tenho contatos com eles não), Marconi Naziazeni ou Nasiaseni, nem me recordo (ele acredita piamente que tem um sobrenome italiano; tanto que tem uma loja de móveis italianos em Miami, Anima Domus, mas isto é uma das coisas mais falsas que há sobre nosso sobrenome e, provavelmente, é claro, ele não quer nem me ouvir falar a simples verdade factual; nosso sobrenome nada tem de italiano e, além de tudo, foi adotado).
Vivo longe de Brasília há muito tempo (cheguei em Campinas, região onde moro, no interior de São Paulo, com vinte e cinco anos, em 1985). Casei-me com uma carcamana (descendente de italianos pelos quatro costados, mas a história dela nada tem de idealizada, porque são camponeses sem terra importados como mão de obra barata para substituir os escravos negros nas fazendas de café de São Paulo). Por isto não estou em contatos frequentes com minha parentela em Brasília, onde fui criado (fui para Brasília em 1964, com 4 anos de idade). Aliás, de boa parte deles, quero distância, respeitosa, mas distância (nada temos em comum em relação a concepções de vida e de mundo). Só com meus irmãos e através de internet, é que mantenho algum contato permanente. Tenho tia (os outros tios já faleceram) e muitos primos em Brasília, além de meus irmãos mais novos que ficaram por lá (meus país faleceram em Brasília e estão enterrados por lá). Desde o falecimento de meus pais não tenho ido a Brasília com frequência e até perdi a vontade de ir (minha ligação com a cidade sempre foi mais existencial e familiar do que institucional). A tristeza pela falta de meus pais é grande ainda hoje.
O nome que foi adotado por meus tataravós, por parte paterna de meu pai, é o de um teólogo cristão da Igreja Primitiva, nascido nos primeiros séculos do cristianismo ainda na época do Império Romano. Ou seja, era Gregório Nazianzeno (ou, Gregório de Nazianzo, uma cidade da Capadócia, que hoje é território da Turquia; mas, vejam bem, nada que ver com os turcos que só chegarão a este território séculos depois e seria impossível que fôssemos descendentes diretos desta família da Capadócia, porque o nome foi adotado no Brasil, no século XIX). Quanto aos avós paternos de meu avô, o que sei é que este nome foi adotado por eles ainda no período final do Império Brasileiro. Mas é uma história muito confusa e difícil de ser comprovada e investigada, documentadamente, porque a avó de meu avô Ademar Naziazene (na geração de meu avô, o sobrenome já estava grafado de forma errada) era uma índia (alguns dizem que tabajara, outros que potiguara), aldeada em uma missão católica na cidade de Lagoa Seca (hoje território de Alagoa Nova), perto de Alagoa Grande, Paraíba, no século XIX (creio que na primeira metade do século XIX é que ela deve ter nascido e seus pais e avós perdem-se nas brumas do tempo colonial brasileiro). Mas o nome dela não tem o Nazianzeno, nem Naziazeno, nem Nasiasene como sobrenome. Era, ao contrário, batizada como Florência Guimarães de Aquino. Nunca descobri como era o nome do marido dela (desta minha tataravó), nem qual a etnia dele (se luso brasileira, se indígena, se etc.). Coisas de nossa história luso brasileira mestiça (e de realidades que as supostas "boas famílias" brasileiras gostavam e gostam de esconder até hoje).
Para mim, em todo caso, o sangue indígena que trago em minhas veias, por parte de meu avô, pai de meu pai, é sagrado. Talvez a melhor parte que tenho dentro de mim. Minha aparência externa, talvez, não pareça, em nada, com a aparência dos povos indígenas (penso que as pessoas se confundem comigo pensando que sou "branco"). Mas isto não me importa. Sou brasileiro, mestiço, assumida e sem complexos de inferioridade, e muito interessado na história dos povos indígenas brasileiros desde sempre (e nos povos africanos que para cá vieram, escravizados). Afinal, valorizo sim minha origem indígena tanto quanto a origem portuguesa (e nossa cultura afro brasileira, sem a qual não somos o que somos).
Como a maioria do povo brasileiro, sei que sou mestiço e isto é visto por mim mesmo com bons olhos. Que bom que seja assim, num momento histórico em que correntes fascistizantes estão aflorando em meu país com uma ideologia de ódio racista e um ódio político ideológico contra todo o espectro que não se encaixe em seus estreitos horizontes fascistizantes cegos. Talvez seja por isto mesmo, além de outras razões, que sou completamente avesso à ideologia fascista e nazista que está presente entre nós (e ao racismo truculento e sutil que ainda está muito entranhado em nosso país, infelizmente).
A nação de que fala o livro era a nação hebraica. Esta expressão, "gente da nação", era como se referiam aos cristãos novos, judeus batizados à força na Igreja Católica (para sobreviverem e continuarem com o direito de morar no reino português e não serem expulsos, perdendo tudo o que tinham). Ou seja, os chamados "cristãos velhos", os que não tinha origem judaica, nunca aceitaram integralmente os judeus convertidos à força ao catolicismo (algo de bem estranho para o cristianismo primitivo, que, aliás, era apenas uma das muitas correntes internas do próprio judaísmo). Mas o pior de tudo não era esta discriminação que havia, transmitida oralmente, através das décadas e séculos. A discriminação começava no próprio documento de batismo do católico descendente de judeus, com a menção de que era cristão novo (mesmo que ele fosse já a quinta ou sexta geração de judeus convertidos ao catolicismo). Isto era agravado com leis promulgadas, pela primeira vez, na Espanha (depois adotadas por Portugal), no Estatuto da Limpeza de Sangue de Toledo. Isto quer dizer que, por lei, um descendente de judeus não poderia ocupar certos cargos públicos, não poderia se tornar bispo da Igreja etc. Ou seja, havia toda uma legislação discriminatória para excluir oficialmente descendentes de judeus tanto da sociedade espanhola, quanto da sociedade portuguesa. No caso de Portugal, isto só foi abolido com o Marquês de Pombal, já na segunda metade do século XVIII. Aliás, o que muitos nem imaginam, muito da legislação aplicada pelos nazistas, depois que chegaram ao poder na Alemanha, em 1933, promulgada em Nuremberg, baseou-se nas discriminações legais originadas da Península Ibérica (como, por exemplo, o uso obrigatório da estrela de Davi, pregada às vestes, na cor amarela; para que o cidadão ou súdito de sua majestade sereníssima pudesse ser claramente identificado na sociedade e discriminado). Por isto mesmo é que muitos cristãos novos, premidos por todas estas leis discriminatórias, decidiam vir para a colônia portuguesa da América, tentando ocultar, por aqui, suas origens e viver de modo mais livre e menos tenso (a todo tempo temendo ser preso, torturado e processado pela Inquisição que vivia de perseguir, principalmente, descendentes de judeus). Mas isto, de modo algum, quer dizer que os cristãos novos eram seres angelicais. Ao contrário, eram seres humanos comuns, com defeitos e qualidades (muitos deles estiveram seriamente implicados com o tráfico de escravos africanos para o Brasil; como podemos conhecer, através do livro do Ronaldo Vainfas). A rua dos Judeus, no Recife holandês, foi, além de tudo, um local onde o tráfico escravista era praticado (não só o local onde está até hoje a primeira sinagoga das Américas).
Um antídoto bem brasileiro para combater o nazismo e fascismo em nossas terras é re enfatizar e valorizar nossa mestiçagem não só física (em nossos genes), mas cultural. Ser pardo, ser mulato, ser negro, ser moreno e ter herança judaica e árabe faz muito bem ao Brasil. Somos latinos, mestiços, mas à maneira luso brasileira que é bem diferente da maneira hispano americana. Além disso, somos herdeiros, culturalmente, dos portugueses, bem mais flexíveis do que o implacável espanhol (mesmo que não tenhamos que idealizar o colonizador português, também não podemos deixar de reconhecer diferenças marcantes deles face à Castela). Portanto, o fascismo não nos cabe bem, como nunca coube e nunca deitou raízes logo por aqui, ao sul deste lado do Atlântico. Muito menos em bases racistas (quaisquer que sejam). A resistência e repúdio a isto, no Brasil, sempre será enorme, graças a Deus. Além disso, nossa pluralidade cultural e étnica nos impede de desenvolver ódios e intolerâncias como em outras partes do mundo. Bem ou mal que seja (e temos muito ainda que mudar nesta questão), por aqui não vivenciamos nenhuma guerra civil de origem étnica e religiosa, apesar de conflitos localizados aqui e ali, que não podemos deixar de encarar. Por isto mesmo é que o discurso do ódio ideológico não tem condições de permanecer por muito tempo, tal é o choque que ele tende a causar na consciência das massas brasileiras (por mais que existam, sim, grupos que o promovem permanentemente, serão sempre grupos minoritários que não se enraizarão muito profundamente em nossa realidade social). Nossas tensões sociais e econômicas (com seus aspectos políticos) são de outra natureza. Talvez, por isto mesmo, as propostas de transformação socioeconômica e política, no sentido progressista, têm entre nós mais chances de serem encaradas como solução política do que em outros lugares do planeta (com ódios religiosos, étnicos e geográficos ancestrais, difíceis de serem conciliados, com uma mera agenda econômica e política).
Só com uma pesquisa criteriosa no genoma que tenho e que meus parentes têm é que poderíamos saber, afinal, de onde vieram, com mais precisão, nossos genes. Aqui é que temos muitas surpresas, como povo mestiço que somos. Muitos que se consideram branquinhos, na nossa classe dominante, têm lá sua herança indígena ou africana. Entretanto, o quadro genético real que se desenha na história de nossas classes dominantes supostamente brancas e europeias, mesmo na parte europeia deles, veio, na verdade, de judeus ou árabes que habitavam a Península Ibérica desde a Idade Média. Muitos, portanto, tem sangue judaico, sem sabê-lo. Isto é muito comum na história brasileira, muito mais do que muitos imaginam.
Sei também que parte da família de meu avô, do ramo Nazianzeno, foi para Belém do Pará (mas isto era muito comum, o deslocamento territorial, quanto mais estudamos a história do Brasil, desde a colônia). Havia muita migração de partes da antiga colônia para outras partes e esta migração continua até hoje. Os deslocamentos, naquela época, eram feitos pelo mar (porque não havia estradas na época e pelo mar era mais fácil). É muito difícil, para qualquer família, no Brasil, fazer um levantamento de genealogias, porque os registros se perderam ou porque nem existiram. Como sou historiador e professor de história, passei a vida toda tentando entender pelo menos parte do que são minhas raízes familiares (mas não para endeusá-las, mas para me conhecer melhor, com senso crítico).
Há muitos mitos existentes, por aqui, por exemplo, onde moro. Alguns acreditam na balela de famílias quatrocentonas que, na verdade, não existem. Campinas, por exemplo, só passa a existir no final do século XVIII. Além disso, a maioria dos nomes de pessoas reais que eram colonos portugueses nestas terras que hoje chamamos Brasil, não sobreviveu muitas gerações, através de seus descendentes. O mais comum, na história, é ver as famílias se extinguindo ao longo dos séculos, de modo que as mesmas famílias que existem hoje não são necessariamente as descendentes diretas de famílias que existiam nos primeiros séculos de colonização (mesmo que os sobrenomes pareçam os mesmos; mas, no mundo português, estes sobrenomes sempre foram muito comuns e adotados por outros que nem eram da mesma família).
Os judeus portugueses, por exemplo, perseguidos como foram pela Igreja Católica de Portugal, tiveram que adotar os sobrenomes portugueses e, muitas vezes, adotavam os sobrenomes mais comuns, como Silva, Mendes, dos Santos, de Jesus (sempre querendo esconder suas origens, por causa da perseguição).
A mãe de meu pai era, por incrível que possa parecer, neta de padre e tinha o sobrenome Nóbrega (que não herdei, porque era o sobrenome materno de meu paí). Por acaso, descobri, pela internet, um livro raro com a genealogia deste ramo de Nóbregas que era de minha avó paterna (que entrou no Brasil, como a maioria da população de origem portuguesa de nosso país, somente no século XVIII). Este livro foi enviado por um professor da UFPB que tinha uma cópia dele e mandou uma cópia. Ele foi muito gentil comigo. Por causa deste livro, descobri que o meu ancestral Nóbrega mais antigo no Brasil, entrado em Recife, morreu no Rio Grande do Sul, porque era militar, do exército português, e se deslocava pelo país por mar (morreu em conflitos no Rio Grande do Sul, no século XVIII).
Não gosto de idealizar a história de minha família, nem a de ninguém, porque não é uma história idealizada coisa nenhuma. Somos todos frutos de uma mesma humanidade, com suas virtudes e seus defeitos. É uma história repleta de faces não exatamente nobres: por exemplo, meu avô, o coronel Ademar Naziazene, tinha diversas amantes, em sua carreira militar, de modo que meu pai teve irmãos nascidos fora do casamento, com outras mulheres que não eram a minha avó (triste verdade bem comum na época; estes filhos, na época, eram chamados de "filhos ilegítimos"; coisa triste). Minha avó paterna até tentou suicídio por causa das amantes de meu avô (de modo que esta não é uma história que gostavam de contar na família; preferindo escondê-las de nós, crianças, na época). Mas conheci alguns destes tios que tivemos, fora do casamento de nosso avô (meu pai não queria nem vê-los, mas, nós, crianças, morríamos de pena deles, porque pensávamos que eles não tinham culpa alguma de terem nascido). Também não tenho culpa pelo que meu avô fez ou deixou de fazer. Tenho uma história de vida pessoal própria.
Mas, como lhe disse, a história do nome não quer dizer nada. Tudo porque foi um nome adotado (e oculta a história anterior de quem o adotou). Mas, quem sabe, talvez sejamos parentes sem saber...
Shalom! [Paz]
Alberto Nasiasene
Jaguariúna, 20 de agosto de 2017
Rota Mogiana de Alberto Nasiasene é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil.