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É preciso pensar o real


É preciso enfrentar as adversidades da vida e prosseguir em frente, trabalhando e vivendo com a dignidade que só a honestidade traz. Nossos adversários pensam que a história é mera intriga de bastidores e que podem seguir esquemas primários de gente simplória que pensa que pode manipular a história do mesmo modo que se manipula uma estratégia de marketing. Na verdade, nem mesmo as estratégias de marketing podem ser tão manipuláveis assim (tanto que muitas vezes, não atingem seus objetivos). Isto porque a história não é um alinhamento de retas cronológicas que podem ser desenhadas sobre o papel. Além do mais, a narrativa historiográfica sobre a história é sempre uma escolha limitada de quem narra ou escreve sobre ela, a partir dos critérios que se elege e recortes temporais arbitrários (sempre serão arbitrários). Isto não quer dizer que, de modo algum, só porque uma determinada narrativa historiográfica é veiculada momentaneamente que ela seja a verdade definitiva.

Nada mais primário do que confundir história com historiografia e nada mais anti humanista e anti científico do que atribuir à história somente uma narrativa verossímil, como ouvi falar uma colega de profissão, que fez mestrado em história na Unicamp. São dois extremos muito comuns de serem encontrados ainda hoje. Ou se confunde a historiografia com a própria história concreta da sociedade em movimento ou se cai numa postura tipicamente pós-moderna que se contenta com um discurso relativista e subjetivo ao ponto de reduzir o ofício do historiador, novamente, ao do cronista.

Ser educador de história é algo bem complexo, mas ser um historiador profissional, que não é necessariamente um educador, também é bem complexo. Há professores de história que não são historiadores (por opção própria deles, por deficiências de formação acadêmica ou por total incapacidade teórica) e historiadores que não são professores. Mas há também alguns bons historiadores que são muito ruins como educadores e educadores muito bons que são até historiadores (sem a formação específica de história) melhores do que historiadores diversos que se apegam tanto ao seu corporativismo profissional e esquecem que os cursos de história não necessariamente transformam alguém em historiador, nem professor de história (na verdade, a maioria dos formados nos cursos de licenciatura de história não serão nem professores, nem historiadores).

Lembro-me muito bem do desprezo acadêmico que estudantes de história, no início dos anos 1980, no então campus II da UFPB, tinham comigo quando lhes dizia que poderia sim fazer uma pesquisa histórica e falar de história enquanto estudante de ciências sociais (que é, na verdade, abarca uma ciência dupla, a sociologia e a antropologia). Anos depois, quando me sentei nos bancos escolares de nível superior novamente, em meados da década de 1990, para estudar na licenciatura de história, percebi que, na verdade, não estavam os historiadores propriamente ditos e professores de história (mesmo os que ensinavam nas licenciaturas ou bacharelados) melhor preparados do que os cientistas sociais para pesquisarem e escreverem sobre história.

Há deficiências acadêmicas e em certas competências e domínios de conteúdos entre os das ciências sociais e os da história. Por exemplo, os intelectuais das ciências sociais têm sérias deficiências nos conhecimentos da história medieval europeia, na história antiga de Grécia, Roma, Egito etc. Isto porque o seu conhecimento histórico mais detalhado e mais profundo tende a ir não mais longe do que o fim da Idade Média europeia e início da Idade Moderna. Além disso, os intelectuais das ciências sociais tendem a focar mais o presente (mesmo que concebido do modo mais flexível e largo possível) em seus estudos do que os historiadores. Mas isto é um equívoco de ambos intelectuais, porque o presente pode ter elementos que explicam sua dinâmica ou que mostram resquícios muito tênues de sua dinâmica em remotas eras.

Por outro lado, os intelectuais vinculados à historiografia têm sérias deficiências conceituais analíticas, em termos sociológicos, antropológicos e econômicos. Falam muito de antropologia, alguns, mas muito pouco a conhecem e o pouco que conhecem é um conhecimento meramente livresco de partes da antropologia, nunca ao ponto de enfrentarem as questões da pesquisa de campo em antropologia eles mesmos, como historiadores. Eles tendem a ser muito mais descritivos do que analíticos e sequer pensam autocriticamente seus próprios critérios descritivos como referências inconscientes de padrões empíricos que estão, em última instância, vinculados a certas abstrações culturais tipicamente ocidentais e europeias. Neste quesito, pouco importa a capacidade empírica de conhecimento de períodos mais longos do que os intelectuais das ciências sociais. Por isto mesmo, alguns historiadores profissionais mais parecem cronistas de séculos passados, pelo arcabouço conceitual que os formata (confundindo-se com um mero gênero literário), com um referencial científico bem rarefeito e, na verdade, anti científico (como é na corrente supostamente pós moderna). Não sabem fazer generalizações conceituais por total falta de conceituação sociológica e antropológica, por exemplo. Pensam que é "errado" generalizar e, por isto mesmo, ficam presos na armadilha do empirismo tosco que não consegue ir além da superfície dos fenômenos sociais.

Por isto mesmo, encontramos bons historiadores fora dos círculos tanto das ciências sociais, quanto da historiografia profissional propriamente dita. Alguns excelentes historiadores surgem fora destas áreas, como por exemplo, dentro da filosofia, diplomacia ou do jornalismo etc. Pouco importa se eles formalmente têm uma formação acadêmica em sociologia ou antropologia, ou, por outro lado, historiografia. O que importa aqui, portanto, não é a formação acadêmica propriamente dita, mas a qualidade da obra apresentada. Além disso, pouco importa os títulos e as prebendas acadêmicas (só nas mentes medíocres de intelectuais escolásticos que confundem produção de conhecimento com fábrica de currículo Lattes em série, realizada do modo mais burocrático e vazio possível), o que fica, como patrimônio comum, para a história da humanidade são as obras de qualidade.

Por outro lado, a ciência social chamada de economia tem uma tendência mais isolacionista do que as outras e tende a se fechar não em seu aspecto científico, baseado em investigação empírica, mas em especulação matematizante e abstrata que mais parece uma teologia da prosperidade em nada semelhante a uma ciência. É o exato oposto do que acontece com as tendências empiristas de historiadores fracos em conceituação sociológica e antropológica. Claro que estou falando principalmente da versão neo liberal, deterioração da herança liberal no pensamento econômico. Portanto, em primeiro lugar, é preciso questionar duramente os próprios conceitos fundantes da ciência econômica, como por exemplo, o de "pensamento econômico", onde não se distingue claramente o que vem a ser uma filosofia, uma crença, uma prática mental de uma ciência que estuda o fenômeno econômico propriamente dito. Aliás, o tal "pensamento econômico" neo liberal propriamente dito está mais para uma especulação filosófica de baixa qualidade do que para uma investigação científica solidamente baseada em uma metodologia científica propriamente dita (não estamos falando aqui de gráficos e conceitos matemáticos abstratos como fins ou supostas leis esotéricas que não estão relacionadas solidamente na realidade empírica).

A visão que nos passam os economistas, especialmente os de inspiração neo liberal, é a de que suas análises não são muito diferentes de análises das chamadas ciências contábeis (em muitas faculdades, a economia faz parte de uma unidade com o curso de contabilidade ou de administração de empresas). Ora, é bem questionável o conceito de que a contabilidade e a matemática possam ser ciências. Só se voltarmos aos velhos conceitos de ciência como saber filosófico que são anteriores ao surgimento da ciência moderna baseada na experimentação empírica e observação analítica da realidade. Que a matemática é uma ferramenta intelectual com a qual a ciência moderna faz sua investigação não há dúvidas. Mas a matemática não é uma ciência do mesmo modo que a biologia, a física, a química, a sociologia, a psicologia, a antropologia etc. A matemática é uma disciplina intelectual que tende para focar em si mesma do mesmo modo que a filosofia o faz, tendendo a focalizar-se no próprio pensamento mesmo que no mundo ocidental a matemática tenha sido a primeira disciplina a se separar da filosofia ainda durante a Grécia Antiga. Na verdade, o saber matemático não é monopólio da Grécia Antiga e é perfeitamente possível remontar até seus momentos iniciais, na história do conhecimento da humanidade e resgatar aspectos que a matemática ocidental obscureceu ao tomar o rumo formatado pelos gregos antigos desde Euclides (por exemplo, o aspecto esotérico e quase ocultista).

Os padrões, os referenciais, as metodologias e os conhecimentos empíricos vão se transformando e re transformando, gradualmente, ao longo da história da humanidade, mas certos princípios básicos permanecem porque, afinal, somos uma mesma espécie humana e vivemos em um mesmo planeta. Nosso desafio continua sendo manter abertos os horizontes, sem fechamentos dogmáticos e sistêmicos e sem imperialismos intelectuais e dogmatismos escolásticos. Manter a mente aberta é condição básica para a coerência do pensamento humanista, no mínimo. Todas as regras do jogo podem ir mudando ao longo da história, mas os elementos básicos materiais continuam sendo os mesmos porque vivemos em universo ainda muito mal conhecido, mas que não é tão arbitrário assim como poder parecer em fantasias por demais subjetivas. De uma coisa ainda não podemos escapar, da morte, por exemplo (ainda precisamos nos alimentar, beber água, nos vestir e nos abrigar das intempéries). Isto é, temos limites materiais que não dependem de nossas vontades. Alberto Nasiasene Jaguariúna, 1 de outubro de 2017

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