top of page

Forma e conteúdo têm uma relação dialética íntima e indissociável


Haverá o dia em que poderemos entrar, via holografia, dentro de um quadro de Van Gogh e este momento não está longe não. Já é possível. Também poderemos entrar nos filmes e interagir com os personagens reais ou imaginários como se estivéssemos realmente dentro do filme e gosto muito desta ideia. Por isto mesmo, sempre vi com bons olhos os avanços tecnológicos sem, ao mesmo tempo, desprezar toda a nossa herança cultural milenar. Não é porque avançamos, cada vez mais, em direção ao futuro, que iremos nos afastando, cada vez mais, de nossa herança e patrimônio cultural e histórico comum. Ao contrário, quanto mais avançamos no futuro, mais nos aproximamos do passado em um movimento dialético espiralado que se aproxima da própria estrutura do universo em que habitamos.

Quando começo um projeto audiovisual, nunca penso prioritariamente a partir da forma. Por exemplo, não penso em iniciar o projeto a partir do tamanho, em duração, do vídeo (embora aceite levar em consideração marcos e balizas gerais tais como, tanto quanto possível, não me comprometer com a longa duração e trabalhar preferencialmente com médias e curtas). Às vezes uso o termo vídeo (por falta de uma palavra melhor), às vezes uso a palavra filme. Mas minha produção está numa interface entre o cinema documentário (inspirado em Jean Rouch) e a vídeo arte e situada no nicho museológico com o qual dialogo com a sociedade. Não produzo nada para ser visto por grandes multidões, nem para aparecer em salas de shoppings centers. Muito menos para me inscrever em festival de cinema, qualquer que seja. Para mim, um só espectador já basta.

Mais do que a parafernália da produção audiovisual, o que me interessa mesmo é o olhar de quem faz audiovisual. Portanto, a questão do sujeito é tão importante para mim quanto a do predicado para entender melhor a produção de audiovisual em sua semântica para aquém e para além do produto. Isto é, busco também analisar a dinâmica e a relação social que o audiovisual estabelece entre sujeitos diferentes a respeito de concepções de mundo e relações de poder entre sujeitos diferentes, numa mesma semântica de relacionamentos globais. Isto também quer dizer que não tenho o fetiche da máquina de modo inquestionável e inconsciente. Ao contrário, até a desprezo. Sempre digo que não é o equipamento que faz o projeto, mas quem usa o equipamento e que o meu foco não está no equipamento, mas na cabeça de quem usa o equipamento e que o equipamento, para mim, é só um meio, um instrumento, nada mais.

Dentro destes balizamentos genéricos (que podem ser descumpridos, de acordo com o material que foi captado) começo a editar e montar o projeto sempre procurando manter uma determinada relação dialética entre o conteúdo e a forma. Por isto mesmo é que não privilegio a forma mais do que o conteúdo. Além do mais porque creio que meus projetos não podem ser formas vazias ou meramente conteudistas. Isto quer dizer que nunca sei qual será o tamanho e o limite concreto com o qual a forma será tratada.

A democratização da captação, produção e divulgação de projetos de audiovisuais me interessa muito. Especialmente, interessa-me analisar as relações sociais e históricas (econômicas e de poder) entre os projetos de audiovisual e a sociedade. Novas configurações de produção e fruição do audiovisual, de acordo com novos contextos, são muito importantes de serem percebidas porque, no final da segunda década do século XXI já não se pode mais pensar o audiovisual como se pensava no século passado

Portanto, defendo sim uma velha tese estética, muito contestada por correntes vanguardistas ao longo do século XX, de que toda forma é forma de um conteúdo e que o conteúdo só pode ser valorizado e apresentado por meio de determinadas formas. Embora estes paradigmas clássicos tenham sido duramente questionados, ao longo de todo o século XX, na arte ocidental, ainda são importantes em minha formação estética e permanecem apenas como paradigmas genéricos, sem particularizações dogmáticas e acadêmicas (sei que o próprio vanguardismo, hoje em dia, assumiu uma postura academicista e dogmática que precisa ser sim questionada também). Isto não quer dizer que não valorizo a pesquisa formal propriamente dita, desprendida de qualquer ligação com qualquer conteúdo. Isto é, acompanho com muito interesse a produção de arte contemporânea que enfoca aspectos abstratos dos diversos suportes da obra de arte e sua relação com o público, do mesmo modo que também me interesso pela arte que lida com conteúdos abstratos, em um só amálgama, forma e conteúdo ou questionando os próprios conceitos de forma e conteúdo.

Apesar disto, não compartilho visões evolucionistas unilineares que, consciente ou inconscientemente, pensam a validade da arte a partir do antes e depois, do arcaico e moderno, do acadêmico e independente, do superado e avançado, da tradição versus a vanguarda. Não creio que a evolução da arte ocidental tenha chegado a uma fase evolucionista que desemboca inevitavelmente no abstracionismo, por exemplo. Prefiro não pensar nestes termos dicotômicos, nem evolucionistas lineares, porque penso que cada artista tem sua própria contribuição a dar para o patrimônio comum da humanidade, desde os naifs até os mais recentes artistas de vanguarda.

Busco, através da reflexão crítica e autocrítica, qual seria minha própria contribuição a dar, por meio de minha obra, para o patrimônio comum da humanidade. Portanto, não produzo nada para a indústria cultural de massas e não dou a mínima importância a índices de audiência na internet, por exemplo. O que faço já está programado para durar mais do que o último modismo adolescente (já que sou professor de adolescentes, bem sei que, de cinco em cinco anos, tudo muda, desde o palavreado, até os penteados de cabelos). Não me incomodo pelo fato de que, muitas vezes, as pessoas que estão ao meu lado, perto de mim, não se interessem pelo que faço. Disse uma vez para minha filha que não faço nada pensando neles e que, como em meus sonhos surrealistas e realistas fantásticos da adolescência, em Brasília, nos anos 1970, gosto de voar (ou seja, jogar minha produção no ar, porque sei que, em algum lugar do planeta, alguém irá se interessar). Sei que, por incrível que pareça aos adolescentes que se impressionam muito com as falsas aparências da quantidade de visualizações e seguidores, há sim um público que se interessa pelo que produzo (mas não revelo a quantidade, intencionalmente, porque o que busco não é a quantidade, mas a qualidade de modo que um só leitor, para mim, já é suficiente, já que não sou jornalista, nem pretendo ser "celebridade").

Aliás, é preciso usar dos mesmos critérios críticos, que utilizamos para as nossas análises estéticas e históricas de obras de arte, em geral, face a certos fenômenos, aparentemente invisíveis, para a maioria das pessoas deslumbradas com a internet: muitas vezes, os números de visualizações do YouTube são manipulados (por exemplo, tenho observado que alguns de meus vídeos que estão publicados no YouTube têm o número de visualizações reduzida inexplicavelmente para baixo de um dia para a noite, mesmo tendo alcançado números mais altos, o que quer dizer que há quem faça isto, por detrás do suposto biombo neutro e morto das máquinas do YouTube, como administrador por razões por mim desconhecidas) e, além disso, já é público e notório que há sim robots de internet que simulam IPs diferentes para dar a impressão que uma ampla multidão de internautas está visualizando um vídeo ou uma postagem qualquer (mas só iludem aos bobos, que não têm suficiente senso crítico para discernir isto, como adolescentes que se impressionam fácil por falsas aparências; mas são eles mesmos, os adolescentes, dentro da cultura descartável de massas, que dentro de cinco anos, nem se lembrarão mais de nada disto).

Ao contrário do que pode parecer, a internet está imersa em diversos filtros de censura sim. Não é um mundo absolutamente livre como os ingênuos ainda pensam. Mas, no meu caso, utilizo estes canais somente como plataforma para publicar o que me interessa comunicar com um público, mesmo que seja de uma só pessoa (os meus vídeos de YouTube são mais vistos, por exemplo, aqui, neste site e a quantidade de visualizações deles não são computadas no número de visualizações totais do YouTube; mas isto é intencional de minha parte). Se houvesse a opção de ocultar a visualização, eu o faria (porque não me interessa revelar nada disto, como faço aqui, neste site, que produzo, que é o mais visto; já que uma pessoa é muito para mim, embora saiba, por exemplo, que este site tem um público considerável de visualizações a cada dia; mas isto não me impressiona não...). Não sou jornalista, nem publicitário. Sou um educador de história que é também um historiador. Minha relação com o audiovisual e com a escrita é de outra dimensão que não pode ser comparada com a dos jornalistas e publicitários (além disso, nada ganho com o que está exposto na internet, porque minha fonte de renda vem de meu salário de professor de um sistema público de ensino).

Busco um ponto de vista um pouco mais distanciado do que o das massas e de grupos convencionais, por isto digo que os museus são um espaço onde me sinto à vontade. Dentro desta busca estética e reflexiva, é evidente que estou incorporando as leituras pessoais que faço a respeito da história da arte, em geral, da pintura e do cinema, mas sempre a partir dos desafios existenciais e sociais nos quais estou imerso.


Alberto Nasiasene


Jaguariúna, 12 de outubro de 2017



Rota Mogiana de Alberto Nasiasene é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil.



Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page