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Auto crítica intelecto-existencial é necessária a todo intelectual


Pesquisando sobre a história da China, como venho pesquisando ultimamente, descobri que o confucionismo, ideologia de Estado na China desde antes de Cristo, advogava um conceito muito utilizado pelo marxismo político e teórico: a auto crítica diante do coletivo de sábios. Muitas vezes mal compreendida esta auto crítica, porque ela foi usada de modo hipócrita e protocolar pelo stalinismo, confundido com o marxismo em geral, esquecem-se aqueles que a detratam de que auto crítica é sim um momento necessário na vida de qualquer intelectual que queira realizar uma obra de qualidade, numa perspectiva humanista, ao menos. Mas isto, de modo permanente e não como uma necessidade de confissão católica de pecados.

Por humanismo, queremos dizer todo o pensamento que está mais preocupado com este mundo do que com o mundo do além e isto não está relacionado somente à ciência moderna como a conhecemos. Ao contrário, tem origem no pensamento grego antigo, mas também no pensamento chinês antigo. É uma maneira de abordagem do mundo e da vida humana muito distante da maneira teológica e religiosa e, portanto, está muito mais próximo a certas maneiras de se pensar tais como a observação (empirismo), análise (raciocínio comparativo), à lógica (dedutiva e indutiva) e a certa capacidade de abstração teorizante em que se consegue criar novas sínteses de novas ideias sobre o mundo e sobre a humanidade a partir de um referencial concreto observado empiricamente.

O marxismo está dentro desta corrente humanista, é preciso lembrar. Não necessariamente um humanista será um ateu. Também não necessariamente um humanista será um agnóstico. Pode ser que ele até seja um religioso, mas um religioso bem diferente de um místico focado na vida do além, dos espíritos e dos deuses. Portanto, há religiões que se prestam mais a dar certo espaço ao humanismo do que outras. Por exemplo, o judaísmo e o cristianismo tem sim um vasto campo humanista que está na origem, junto com o humanismo grego e latino, da civilização ocidental. Por outro lado, o confucionismo é a base do pensamento da civilização do extremo oriente (da China, Coreia e Japão, por exemplo).

Japão

A versão mais conhecida de marxismo, no ocidente, ainda hoje, em pleno século XXI, é a do stalinismo. Portanto, é preciso lembrar que as bases metodológicas do stalinismo (e sua contra versão, o trotisquismo) está numa maneira mecanicista, linear e unidimensional de se pensar que não é encontrada na maneira de pensar de Marx (seja o jovem Marx, seja o Marx maduro). Antonio Gramsci, na prisão fascista, na Itália, já havia feito a auto crítica do marxismo leninismo, especialmente do viés stalinista, criticando a visão sociológica de Bukarin e seu forte componente positivista, bem estranho à concepção dialética dos textos de Marx. Por outro lado, dentro do mundo soviético, um outro pensador muito importante para o marxismo, Lukács, também empreendeu uma auto crítica do marxismo leninismo e sua face stalinista, resgatando as bases metodológicas do marxismo a partir de uma releitura da obra de Hegel, com quem Marx estava umbilicalmente ligado metodologicamente.


Ora, tudo isto já estava presente nos horizontes intelectuais e políticos brasileiros no final dos anos 1970, quando comecei a tomar contato com o pensamento marxista propriamente dito, em minha adolescência passada em Brasília. Era muito difícil, é claro, para um adolescente, entender plenamente o que aqueles textos queriam dizer. Pior ainda, era muito difícil porque havia uma forte censura da ditadura militar sobre os livros, textos e pensadores marxistas de modo que era muito difícil encontrar, nas livrarias, textos desta natureza. Mesmo nas universidades, era muito difícil e perigoso encontrar livros marxistas (boa parte deles foi queimada depois de 1964, como os nazistas fizeram na Alemanha).

Realismo Crítico Hoje, foi o primeiro livro de Lukács que li (chocado, é verdade, porque era uma dura crítica à visão stalinista e eu não tinha discernimento suficiente para distinguir as sutilezas do stalinismo dentro do marxismo). Gramsci só conheci no curso de ciências sociais, na UFPB, campus II, em 1981. Já havia visto livros dele, em 1980, mas não o conhecia e ficava desconfiado porque não ouvira falar dele antes. Na verdade, a esquerda marxista de então, abominava Gramsci (tanto a versão stalinista, quanto a versão trotisquista). Tratavam-no como um "herege," um "revisionista" do marxismo (por aí pode-se ver como há sim uma maneira fundamentalista de pensar, religiosamente, o marxismo que ainda é bastante forte em parcelas majoritárias da esquerda no Brasil e no mundo).

Por causa de todos estes desafios intelecto-existenciais, quando fui fazer o curso de ciências sociais, como decorrência de minhas pesquisas de análise literária de final de adolescência, no interior da Paraíba, na cidade de Campina Grande, onde se localizava o então campus II da UFPB, já tinha uma perspectiva de investigação científica e conhecimento interdisciplinar e muito próxima a problematizações metodológicas mais complexas do que o saber linear e positivista predominante no Brasil. Também já estava em busca de não só compreender minhas raízes sociais e históricas, mas de reelaborá-las criticamente a partir de uma perspectiva que o marxismo e a sociologia crítica propunham como metodologia para uma auto crítica intelecto existencial, já que eu queria sim assumir um outro ponto de vista que não era o ponto de vista de minha classe social de origem. Afinal, tinha feito sim uma opção intelecto-existencial pelo socialismo e, por isto mesmo, pensava que o marxismo era uma maneira de perceber e explicar o mundo que não se contentava apenas com uma postura acadêmica e passiva.


A cultura chinesa atingiu a península da Coreia e o arquipélago japonês como matriz cultural, de modo que tanto a filosofia de Estado de Confucio, quanto o budismo posterior foram propagados da China para a Coreia e da Coreia para o Japão, nesta ordem. Mas o budismo é uma religião originada da Índia e Sidarta Gautama, o Buda, era um príncipe indiano que não tinha os olhos puxados e a pele mais clara como os povos do extremo oriente. Entretanto, a China, a Coreia e o Japão orientalizaram Buda de tal modo que as estátuas que vemos dele mais parecem um chinês do que um indiano. Os vários elementos da cultura chinesa foram disseminados pela Coreia e Japão, de tal modo que, aos olhos de um brasileiro, integrante da cultura ocidental, é muito difícil distinguir o que é chinês, o que é coreano e o que é japonês; à primeira vista. Este portal que vemos acima e abaixo da Muralha da China, por exemplo, não é nem chinês, nem japonês, porque está na cidade de Seul, capital da Coreia do Sul.

Aqui, na foto de cima, o que há de inconfundível é a presença do monte Fuji, que todos podem facilmente reconhecer como sendo uma paisagem do Japão. Entretanto, se não fosse este detalhe da geografia especificamente japonesa, não reconheceríamos este pagode como sendo japonês, à primeira vista. Até mesmo as árvores são muito parecidas, aos olhos de um brasileiro. O Palácio Imperial, em Tóquio, pode ter algumas características específicas que não existam em outros palácios na China e na Coreia, mas, aos olhos de um brasileiro, é muito difícil perceber estas diferenças.

Por mais que um brasileiro tenha dificuldades de distinguir que povo e que país é este, acima, estamos diante do povo coreano e da Coreia do Sul, não da China ou Japão. Mas é inegável a influência da matriz cultural chinesa. Abaixo vemos uma paisagem coreana e um templo budista que são muito difíceis de distinguir entre outras e outros do Japão ou da China, para um brasileiro.

Desde aquele tempo, por causa de meu envolvimento com a arte moderna e contemporânea, desde minha infância, em Brasília (afinal fui criado em uma obra de arte modernista, o plano piloto de Lúcio Costa, e convivia cotidianamente com diversas manifestações de artes plásticas contemporâneas, desde que cheguei a Brasília, com quatro anos e fui matriculado na escolinha de artes da UnB, em 1964), tinha uma aversão "congênita" para com o academicismo e o carreirismo burocratizante do saber. Portanto, nunca tive a ambição de conseguir o status de estar situado em algum dos escaninhos de instituição burocrática educacional alguma (embora tenha sido criado em convivência íntima com a Universidade de Brasília, onde meu pai trabalhava, na reitoria, e que era em frente ao apartamento onde morávamos). Ou seja, nunca quis ser um burocrata da universidade, muito menos um mero professor universitário que se contenta apenas com o status quo de ser professor universitário (única condição nobre, dentro das mentalidades colonizadas luso brasileiras, que se atribui ao educador).


Hoje é muito perigoso ser apenas professor de história em escolas públicas ou particulares do ensino básico, porque o movimento escola sem partido (ou seja, escola fascista) está promovendo um retrocesso ridículo de proibir, da maneira mais hipócrita e tosca possível, até a exibição de obras de arte como as de Leonardo (imaginem, o símbolo do humanismo renascentista, nu em pelo, pode ser proibido de ser exibido em algum museu brasileiro). E o que faremos então com os livros didáticos de história em que estas imagens são publicadas, teremos que pintá-los com uma tarja preta por cima?


O que eu queria era ser artista e intelectual. Só depois dos cinquenta anos é que descobri claramente este desejo infantil que estava subjacente à minha consciência e a toda a minha trajetória de vida intelecto-existencial. Claro que este desejo infantil era muito genérico, mas, de várias maneiras, ele foi se realizando ao longo de minha vida, desde a minha vida escolar infanto juvenil. Tudo que veio depois, foi em decorrência inconsciente e consciente deste desejo de ser um intelectual e artista. Ou seja, um desejo de SER, não de ESTAR. De SER, não de TER.

Embora admire Jean Paul Sartre e tenha tido interesse em conhecer sua obra, especialmente porque ele morreu quando eu já estava cursando ciências sociais na Universidade Federal da Paraíba, não me reporto à corrente que ele criou, na filosofia, chamada de existencialista. Não sou existencialista e nunca o fui. A expressão que utilizo não é uma derivação desta corrente filosófica porque quer dizer apenas existência e não comunga com os princípios da filosofia existencialista, nem com o SER e o NADA. Meus referenciais filosóficos são outros.

O que quero significar quando utilizo a expressão "intelecto-existencial" é, simplesmente, o conceito de práxis dialética em que a condição intelectual está entranhada intimamente na condição da existência de quem é intelectual. Com Gramsci aprendi que, na verdade, todo ser humano é, de uma forma ou de outra, um intelectual. Portanto, esta concepção que advogo do ser intelectual, de modo algum, é uma concepção elitista e de classe social dominante ou burguesa e pequeno burguesa. Por isto mesmo, trato com deferência os intelectuais populares e os artistas populares, quaisquer que sejam (mesmo as crianças e adolescentes). Não almejo, como ser humano, estar em uma posição social melhor e superior a deles. Almejo ser igual, em nossas muitas diferenças individuais. Igual, na mesma condição existencial de ser HUMANO. Isto quer dizer que ainda penso que a maior riqueza que há no mundo é o SER HUMANO.


Somos nós, parte da natureza, indissociáveis de um sistema ecológico e parte dos diversos biomas que existem neste planeta, que pensamos a nós mesmos, à nossa maneira de ser (a sociedade) e a nossa relação com o inanimado e os diversos seres viventes (mesmo as bactérias e vírus). Mas, ao longo de todos estes anos, fui percebendo também que os seres humanos não são os únicos seres viventes a pensar, a conhecer e a agir de acordo com o próprio conhecimento. Não sei até que ponto somos melhores e superiores aos outros seres viventes. Prefiro pensar que somos diferentes deles, mas não imanentemente superiores ou melhores. Portanto, esta história antiga de que o homem é um ser racional, o que o distingue dos outros animais irracionais é algo de bem equivocado que não explica o ser humano, muito menos os outros animais.

Por isto mesmo, penso que a auto crítica intelecto-existencial que devemos empreender, sempre, para fazer ciência, também nos obriga a ser críticos face ao nosso SER no mundo maior que abarca os biomas onde vivemos e as forças inanimadas que nos envolvem com muito mais poder do que as culturas imaginam e querem. O universo é muito maior do que nossa capacidade de conhecê-lo, mas, neste quesito, não sou um pessimista, porque, dentro da milenar tradição ocidental da qual sou tributário, enquanto brasileiro, sei que é possível conhecê-lo (mas nunca totalmente). É muito bom me saber transitório, mortal, imperfeito e limitado. Isto faz bem a minha alma. Isto quer dizer que aprendi a conviver pacificamente com minha condição humana, como na Grécia Antiga vemos nas tragédias de Sófocles e Eurípedes. Nosso destino mortal não é o mesmo destino dos deuses eternos, mas podemos nos aproximar deste destino das divindades através de nossas obras que nos sobreviverão.

Não por acaso, vivo a dizer que minha obra é que deve ser importante, não minha pessoa. A ilusão de que a minha obra possa sobreviver a mim, gerações seguidas, me aproxima do conceito ilusório de imortalidade e este é o desejo que surgiu dentro de mim desde a infância quando fui estudante da escolinha de artes da UnB. Alberto Nasiasene Jaguariúna, 2 de dezembro de 2017

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